Carolina Arruda decidiu contar que sofreu abusos, ameaças e agressões antes de ser diagnosticada com a neuralgia do trigêmeo, doença com a “pior dor do mundo” segundo a medicina. Ela entendeu que, para tratar a dor física, precisa cuidar da dor psicológica primeiro, causada por situações do passado. Ela relatou ao g1 nesta sexta-feira (2), que os dois casos não chegaram a ser registrados na polícia, devido ao medo da exposição.
A jovem disse que foi abusada sexualmente dentro de casa, aos 6 anos, por um familiar. “Ele me batia, ele me enforcava e ele me ameaçou de morte várias vezes se eu contasse para alguém. Ele ameaçou matar minha mãe, minha avó. […] Eu era criança, eu não entendia nada, então eu realmente achei que ele faria uma coisa daquela. E, com o tempo, eu passei a achar que o que ele estava fazendo comigo era minha culpa”, desabafou.
“Eu sempre fui uma criança muito criativa. (…) Mas eu comecei a me retrair muito. Comecei a ficar uma criança triste. Isso começou porque eu fui abusada por um parente meu. E eu fui abusada dos 6 aos 12 anos dentro da minha própria casa“, detalhou. Ela ainda contou que era ameaçada constantemente, passando a se isolar e a acreditar que sua segurança e a de sua família dependiam de seu silêncio.
Aos 13 anos, a saúde começou a dar sinais do que estava por vir. “Tinha muitas dores de cabeça, muitos desmaios por conta da dor“, lembrou. Na época, o caso foi tratado como enxaqueca emocional, e as dores diminuíram até parar.
Carolina começou a namorar, e o relacionamento também foi marcado por abusos, de acordo com ela. “Ele era competidor de academia e ele era muito forte. E eu lembro que ele segurava no meu pescoço com uma mão só e olhava bem dentro do meu olho e ia apertando, até que eu perdesse as forças. A hora que eu perdia as forças na perna, ele parava”, relatou.
Aos 16, ela engravidou. “Quando eu contei para ele que estava grávida, ele disse que eu tinha que abortar. Foi a primeira vez que consegui enfrentá-lo. Disse que ia cuidar da minha filha. Ele disse que não estava pronto para ser pai e eu disse: ‘Eu não tô pronta pra ser mãe, mas se veio um neném é porque a gente tem condições de cuidar, então eu vou cuidar da minha filha’. E ele não quis, depois nunca mais tocou no assunto”, continuou.
Na gravidez, a jovem contraiu dengue e teve sérias crises de dor. “Eu lembro da minha primeira crise. Eu lembro que eu estava sentada no sofá da casa da minha avó. Meu pai estava do meu lado. E na hora me deu um choque muito forte. E nesse choque da crise, eu só conseguia gritar. Eu batia as pernas, esperneava e gritava, gritava, gritava muito. Depois que a crise foi embora, eu não conseguia explicar pro meu pai o que eu tinha sentido naquele momento”, disse.
No fim da gravidez, ela descobriu que o namorado a traía, e ainda teria outro filho, com outra mulher. “Eu senti de novo aquela Carolina lá da infância, despreparada para lutar, para lidar com todas aquelas emoções que estavam em mim e eu não conseguia entender o que estava acontecendo com a minha vida”, relatou, sobre a sensação de desamparo.
Ela chegava a desmaiar de dores e eventualmente até derrubava a filha recém-nascida, o que se tornou perigoso. Então, acabou permitindo que sua avó criasse a filha até estar bem o suficiente – decisão que veio repleta de culpa. “Eu sei que foi um combinado, eu sei que foi o melhor, mas eu senti culpa. Culpa por não poder mudar a minha realidade naquele momento. Culpa ter estado tão doente a ponto de não poder cuidar da minha filha. E eu lembrava de como eu me sentia lá quando eu era criança, totalmente desamparada”, contou.
A filha, hoje, tem 10 anos e ainda vive com a bisavó. Há cerca de três anos, Carolina se casou, e o marido, Pedro Leite, a acompanha de perto no tratamento. “A dor é um peso que pode moldar nossas vidas de formas inesperadas. Eu quero que as mulheres falem, que não se calem. Eu guardei isso por muitos anos e foi muito prejudicial pra mim”, alertou.
Jovem chegou a cogitar eutanásia
A jovem chegou a criar uma vaquinha online para ajudá-la a arrecadar o dinheiro necessário para conseguir a autorização para realizar o procedimento de eutanásia na Suíça. “Depois de esgotar todas as opções médicas disponíveis e enfrentar uma dor insuportável diariamente, tomei a difícil decisão de buscar a eutanásia como uma forma de encerrar meu sofrimento de maneira digna. A instituição Dignitas, na Suíça (…) A estimativa é que o total necessário, incluindo os custos de viagem e médicos, ultrapasse 150 mil reais”, explicou, na ocasião.