O poeta e filósofo Antonio Cicero, de 79 anos, faleceu nesta quarta-feira (23), na Suíça, por meio de uma morte assistida. Diagnosticado com Alzheimer em 2023, Cicero recorreu ao procedimento, que sempre defendeu em suas obras e conversas. De acordo com seu marido, o figurinista Marcelo Pies em entrevista ao jornal O Globo, a escolha foi “puramente racional” e motivada pelo desejo de evitar o agravamento dos sintomas da doença.
Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), o artista optou por realizar o procedimento na fundação Dignitas, uma organização suíça que permite o suicídio assistido para estrangeiros. O poeta deixou claro que queria preservar sua dignidade até o fim, sem permitir que a doença destruísse sua capacidade de escrever e ler, atividades que ele considerava fundamentais. “Ele tinha urgência, pois temia que a doença piorasse e perdesse de repente a plena consciência, o que impediria todos os planos. Cicero era muito racional”, afirmou o figurinista.
Pies, que esteve ao lado do poeta durante o processo, relatou que os últimos dias foram vividos em paz, com uma despedida especial em Paris, cidade que ele amava. Eles visitaram museus, jantaram em restaurantes que apreciavam e passearam pelos pontos turísticos da cidade. “Foi uma despedida do jeito que ele queria, sem lamentos”, contou Pies.
Originalmente, a data marcada para o procedimento seria em agosto de 2024, mas foi adiada devido aos compromissos de Pies com a série “Praia dos Ossos”. “Ele aceitou a contragosto o adiamento”, relatou. Após uma série de exames e trâmites legais, Cicero faleceu de forma tranquila, segurando a mão do marido. “Ninguém foi consultado. Antonio não queria. Ele só avisou ontem a irmã Marina [Lima], que ficou arrasada, mas entendeu e aceitou sua posição”, comentou.
E acrescentou: “Ele sempre, sempre defendeu a liberdade de se cometer eutanásia e suicídio assistido. Nisso, ele foi de uma coerência admirável. Por isso, não reagi com tanta surpresa [a esta decisão]. Com toda a certeza, foi uma morte digna. Ele morreu em paz, segurando a minha mão, muito tranquilo e sem nenhuma ansiedade. Depois do medicamento, ele dormiu e, em meia hora ou um pouco mais, morreu. O futuro para quem tem Alzheimer é sabido. Ainda não há cura nem tratamento eficaz. Respeitei a decisão dele e o apoiei. Admiro imensamente a coragem e a determinação. Ele sempre apoiou todas as formas de liberdade, e essa foi mais uma”.
O poeta acreditava que sua decisão era particular e não queria que ninguém interferisse ou questionasse. A Academia Brasileira de Letras, onde Cicero ocupava a cadeira 27 desde 2017, também foi pega de surpresa pela notícia. Merval Pereira, presidente da ABL, declarou que a escolha do poeta demonstra sua fortaleza diante da vida: “Preferiu morrer a viver sem poder fazer o que mais gostava: ler, escrever, filosofar. Uma escolha corajosa e coerente com o sentido que via na vida. A ABL programara para o final do ano uma homenagem a ele com um espetáculo em que sua irmã, Marina, cantaria suas músicas. Uma homenagem, agora póstuma, a um grande poeta brasileiro”.
Em sinal de respeito e homenagem ao poeta, a Academia Brasileira de Letras cancelou todas as atividades programadas para esta quarta-feira (23) e quinta-feira (24). Uma “Sessão da Saudade” será realizada em sua memória. Ele ganhou notoriedade na década de 1970, ao compor letras para a irmã, a cantora Marina Lima. Cicero é autor de canções famosas da MBP, como “Fullgás”, “Pra começar” e “À Francesa”. O artista também publicou as coletâneas poéticas “Guardar” e “A cidade e os livros”, além do ensaio “O mundo deste fim”.
O escritor ainda é coautor de “O Último Romântico”, sucesso na voz de Lulu Santos, e reúne parcerias com Waly Salomão, João Bosco, Orlando Morais e Adriana Calcanhotto. Ele chegou a deixar uma carta para amigos e familiares explicando os motivos que o levaram a essa decisão.
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