O servidor público federal Paulo Arifa, de 38 anos, registrou um boletim de ocorrência por injúria, calúnia e lesão corporal, após ser acusado de roubo por funcionários da Studio Z, loja de calçados localizada no Shopping Pantanal, em Cuiabá (MT). O episódio aconteceu na última quarta-feira (10) e teve mais detalhes divulgados nessa manhã (16), pelo UOL.
Naquele dia, Paulo, que atua na Secretaria de Patrimônio da União, deixou os filhos na casa da babá por volta das 13h, quando foi avisado sobre a antecipação de uma reunião de trabalho. Longe de casa, ele, que estava vestindo roupas casuais, resolveu ir até o shopping comprar um par de sapatos e um traje mais apropriado para a ocasião. “Estava de chinelo, camiseta e bermuda, porque Cuiabá costuma fazer calor, iria para casa colocar uma roupa adequada, mas, neste momento, me ligaram. Então decidi passar no shopping que fica em frente ao trabalho para comprar um sapato e uma calça”, lembrou.
No shopping, Arifa foi até a loja de calçados e comprou um sapato no valor de R$ 79,99. O pagamento foi feito com uma nota de R$ 100 e o servidor recebeu R$ 20 de troco. Feita a aquisição, ele calçou o sapato e partiu para uma loja de roupas, onde comprou uma calça – que também vestiu imediatamente após o pagamento. O rapaz, entretanto, foi abordado por um segurança ao sair do provador do segundo estabelecimento.
“Escutei a vendedora [da Studio Z] falando ‘ele pegou o sapato’, ainda questionei sobre o que ela estava falando e ela repetiu que eu havia roubado o calçado. Nesse momento, o segurança me abordou e pediu a nota fiscal”, contou o servidor, que teria ficado bastante nervoso com a situação, impedindo que achasse o comprovante de pagamento de imediato. Ele, entretanto, chegou a mostrar os R$ 20 que havia recebido de troco.
“A vendedora continuou me acusando, falando que tinha pegado o troco na loja de roupas, que ela tinha visto. Mas eu tinha feito o pagamento no débito e não em dinheiro. Uma situação humilhante. Neste momento já tinha um grupo de cinco a oito seguranças me cercando”, relatou. Enquanto tentava convencer os seguranças de que havia, sim, pago pelo produto, Paulo foi empurrado e torceu o tornozelo.
“Nessa confusão toda, eles me empurraram e eu acabei pisando em falso. Tentei sair dali a todo momento, um deles [dos seguranças] tentou pegar meu celular, que era, na verdade, a única ‘arma’ que tinha para me defender: filmar a situação e as agressões”, pontuou o rapaz.
Afira disse ainda que se viu em uma situação de “perigo real” após se lembrar de outros casos em que pessoas negras foram agredidas ou mortas em estabelecimentos. “Lembrei da situação do João Alberto (espancado e asfixiado por seguranças de uma loja da rede Carrefour no ano passado), pensei que eles realmente poderiam fazer pior. Já fui abordado outras vezes, pessoas negras passam por esse tipo de situação no Brasil, mas não dessa forma. Fui julgado e condenado naquele momento”, desabafou.
Apesar de toda a humilhação e stress, o servidor voltou ao seu escritório de trabalho para participar da reunião. Mais tarde, encontrou a nota fiscal dos sapatos comprados no bolso da bermuda que vestia antes de trocar de roupa. Paulo, então, fez questão de voltar ao shopping na companhia de sua coordenadora, para apresentar o comprovante à direção da loja. Entretanto, ouviu da administração que a postura dos seguranças cumpriu o “procedimento operacional padrão”. “Esse maldito procedimento operacional padrão parece que está no DNA de uma pessoa que nasce com determinada cor de pele”, disparou a vítima.
No dia seguinte (11), Afira registrou um boletim de ocorrência por injúria, calúnia e lesão corporal. Um exame também constatou que ele sofreu lesão no tornozelo durante a abordagem. Agora, o rapaz pretende ingressar com uma ação civil pública. “Foi muito constrangedor e estou traumatizado. Por conta do trabalho, já passei por situações perigosas, capotamento, animais selvagens e garimpeiros, mas nunca senti tanto medo. Minha esposa disse para eu procurar um psicólogo, porque não estou comendo nem dormindo direito”, revelou ao UOL.
Paulo destacou também que o racismo no Brasil vai muito além de problemas jurídicos na responsabilização deste tipo de crime: “É cultural, nesse tipo de abordagem você já foi julgado e condenado. O Brasil é baseado na escravidão. Tenho muito orgulho da minha cor. Durante a adolescência, meu corpo foi tocado por policiais várias vezes. Quando via uma blitz, já sabia como deveria agir”.
Shopping Pantanal e Studio Z se manifestam
Em nota, o Pantanal Shopping informou que discriminação ou violência não fazem parte das diretrizes da empresa, acrescentando ainda que os seguranças envolvidos foram afastados e a loja de calçados, notificada. A empresa afirmou ainda que irá reforçar o treinamento da equipe para “garantir que casos como este não voltem a se repetir”.
A Studio Z, por sua vez, lamentou o episódio e disse estar tratando com as partes envolvidas. “A empresa repudia todo e qualquer tipo de preconceito e discriminação racial, física e social. A marca reforça seus valores e reitera que é uma empresa inclusiva, diversa, que respeita e valoriza a igualdade”, declarou.