Trabalhadores resgatados no RS relatam agressões e horrores que sofreram: “Mata os baianos”

As vítimas também revelaram como elas foram encontradas pela PRF

Nesta sexta-feira (3), foram revelados novos detalhes sobre o caso dos 150 trabalhadores em situação análoga à escravidão, que foram resgatados em uma operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Polícia Federal (PF), em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. As vítimas detalharam as agressões sofridas durante o expediente em vinícolas da região, além de contarem como elas foram encontradas.

De acordo com o TAB UOL, a PRF recebeu no dia 22 de fevereiro, por volta das 11h, um áudio de um homem aflito que dizia ser da Bahia. Ele contou que estava a cerca de 20 dias no Rio Grande do Sul “trabalhando nas piores condições”. O rapaz ainda fez um vídeo para comprovar a sua fala, mas o dono da empresa teria reprovado a atitude e apreendido o celular dele.

“Agora de noite, eles entraram no quarto, trancou [sic] a gente e bateu spray de pimenta no rosto, nos espancaram com cadeira, me deram choque. Eu estou aqui todo quebrado (…). A gente fugiu pela janela, a gente está aqui dentro do mato escondido. Estamos pedindo socorro. O meu celular, com todos os vídeos e provas, eles pegaram; meus documentos, tudo. Eu estou pedindo socorro para meus colegas”, disse ele no áudio.

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Após escutar a gravação, o plantonista encaminhou o chamado para o chefe da delegacia da polícia na cidade, Leandro Portes de Oliveira. “Quando o ouvi pedindo socorro, falei: ‘A coisa é séria, vou resolver isso aqui até o final para ver se procede ou não”, declarou ele. Entretanto, o homem já estava há horas em fuga e tentando contato com os amigos da Bahia. O familiar de um deles, inclusive, chegou a ouvir o áudio e encaminhar um Pix para ajudar. A gravação foi enviada para a PRF por um outro amigo e, no momento em que os agentes ficaram por dentro do caso, o homem estava na rodovia de Caxias do Sul (RS) junto com outros dois colegas.

Trabalhadores que eram mantidos em condições análogas à escravidão após o resgate. (Foto: Divulgação)

Portes, então, falou com este amigo para saber o contato do rapaz, mas eles estavam com medo e preferiram não falar com a polícia. Depois de muita conversa, o agente conseguiu convencê-los do resgate e descobriram onde eles estavam. Dois policiais foram de Bento Gonçalves até a rodoviária, que fica a cerca de 40 km de distância.

“Eles estavam bem nervosos, com bastante medo, gaguejando. Dava para ver o nervosismo deles até no [jeito de] falar. Um deles me chamou atenção porque estava com hematomas no rosto. Outro nos mostrou hematomas nas costas também, meio espalhados pelo corpo”, relatou o policial rodoviário federal Claudir André da Silva. O trio foi levado para a delegacia da PRF em Caxias do Sul.

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Em depoimento, o grupo disse que estava com receio de estar sendo perseguido por um dos seguranças da Pousada do Trabalhador, local em que estava instalado. Eles ainda pediram para não ficar na frente do prédio. “Chegaram bastante assustados, preocupados, até porque foram trazidos numa viatura. Percebi de pronto que não confiavam muito em qualquer instituição policial. A gente levou o trio para os fundos, para uma garagem, um espaço aberto, que fica menos visível”, afirmou Jonatas Josué Nery, chefe da delegacia da cidade.

Os agentes foram conquistando aos poucos a confiança das vítimas, até que Nery percebeu que um deles estava conversando com outros trabalhadores pelo celular. Um outro grupo também fugiu no dia 22 e estava na rodoviária de Porto Alegre. O policial conseguiu falar com eles por uma chamada de vídeo e mostrou que os outros resgatados estavam bem. “Eles diziam que tinham dinheiro para chegar a São Paulo, e eu pedi que não viajassem. Nós traríamos todos de volta a Caxias e resolveríamos a situação de todos eles”, disse Jonatas.

Agressões

À Folha de São Paulo, o trabalhador, identificado pelo nome fictício de José, de 35 anos, relatou como foram as agressões que sofreu por ter denunciado as condições análogas à escravidão a que estavam sendo submetidos. Segundo José, ele escutou falas duras enquanto era agredido: “Mata os baianos, mata os baianos, porque eles acabaram com as nossas vidas”.

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“Achava que iria morrer, porque eu estava brigando com três. Um me deu uma gravata, outro vinha com spray de pimenta, outro com cadeiradas, pauladas, choques e até mordida”, contou ele. “Nos levaram, eu e dois colegas, para um quartinho e, aí, eu só fiz chamar por Deus. Não morri porque não era a minha hora, pois apanhei muito. Se no tempo da escravidão era chicote, com a gente foi arma de choque, paus, cadeiras, o que tivesse”, relatou. José disse que foi atraído para a vaga depois de ver um anúncio na internet da empresa Fênix Serviços Administrativos que oferecia vagas com salários de até R$ 3.000,00.

Quarto que foi alvo da operação da PRF, MPT e Ministério do Trabalho. (Foto: Divulgação)

Declaração da empresa

Segundo a publicação, o Ministério Público do Trabalho (MPT) reuniu na quarta-feira (1º) as três vinícolas (Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton) que tinham como prestadora de serviço a empresa Fênix, responsável por recrutar os trabalhadores. Agora, elas têm o prazo de dez dias para enviar os documentos para o órgão avaliar quais são as responsabilidades da empresa no caso e quais serão as punições.

Em nota, o escritório de advocacia que representa a Fênix e o dono da empresa afirmou não são aceitos qualquer tipo de trabalho ilegal e que estão sendo apuradas as irregularidades reveladas a partir dos relatos dos trabalhadores. Já a advogada Lillian Moretti informou que os trabalhadores estão sendo ouvidos e já começaram a receber o valor da rescisão.

“São relatos muito fortes, pesados, dolorosos, em pleno século 21, de pais de famílias que saíram de seu estado para passar por esse trauma”, contou ela. “A sensação foi de alívio, de estar vivo, de poder ver meus filhos, a mãe dos meus filhos, minha família, os meus. Me senti seguro”, concluiu José.

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