Cerca de 48 horas antes do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, o jornalista Caco Barcellos flagrou um suposto esquema de assédio eleitoral e compra de votos, organizado pela prefeitura de Coronel Sapucaia (MS). O comandante do “Profissão Repórter” então se tornou alvo de ameaças durante a gravação, exibida nesta terça (1º) na TV Globo.
No primeiro turno das eleições, com a votação em 2 de outubro, houve um empate entre o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva e o atual presidente Jair Bolsonaro, em Coronel Sapucaia. A equipe do jornalístico então viajou até o município, que fica na fronteira do Brasil com o Paraguai, com o objetivo de fazer um perfil do eleitor local.
No entanto, enquanto conversava com moradores da cidade sobre suas intenções de voto, Barcellos se deparou com uma reunião organizada pela prefeitura. No local, estavam os beneficiários do Auxílio Brasil, programa de transferência de renda destinado às famílias em situação de pobreza do governo Bolsonaro e que sucede o Bolsa Família.
Caco entrou no local acompanhado pela equipe do “Profissão Repórter” e então passou a questionar os presentes. O encontro, no entanto, foi interrompido abruptamente e a assessora da prefeitura hesitou ao ser questionada pelo jornalista sobre a pauta que seria discutida. “Tem a ver de demonstrar o que o presidente e o governador estão fazendo pelas pessoas”, disse ela, visivelmente incomodada.
Enquanto os moradores deixavam o local, Barcellos começou a entrevistá-los para chegar ao fundo da história, mas muitos desconversaram ou fingiram não compreender do que o encontro se tratava. O jornalista, por sua vez, foi intimidado por um homem. “É melhor vocês ficarem na sua!”, disparou o idoso, tentando impedir o trabalho de Caco.
O repórter conversou, também, com o grupo que reunia os dados dos moradores, mas não obteve respostas sobre a lista de nomes. Ao ser questionada sobre o assunto, uma secretaria, que não teve seu nome divulgado, explicou que o encontro ocorreu na semana das eleições, pois a cidade deveria “enviar o nome dos presentes para o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social)”.
Por fim, uma senhora que mora ao lado do local onde acontecia a reunião revelou que os encontros já estavam ocorrendo há três dias. Ao final das reuniões, cada beneficiário recebia R$ 50 reais, e segundo uma participante, era alertado de que caso Bolsonaro perdesse, a verba do Auxílio deixaria de ser repassada para a cidade. “Antes não tinha essa reunião não. Disse que era para assinar o negócio do Bolsa Família. Aí ontem que eu ouvi falando que, quando acaba a reunião, o Rudi dá R$ 50 para cada um. Rudi é o prefeito daqui”, contou.
Barcellos encontrou o prefeito, Rudi Paetzold, numa gincana entre escolas promovida pela Secretaria Municipal de Educação. No entanto, o político evitou responder qualquer pergunta. “A gente esteve no centro cultural e tinha uma fila grande de pessoas tendo que deixar o nome… Pessoas que recebem o auxílio”, começou o jornalista. “Inclusive eu estava… Não estava nem… Passei por passar. Nós estávamos fazendo campanha política, não estávamos nem na cidade. Eu estava na aldeia indígena agora”, desconversou Rudi.
A entrevista foi interrompida por uma assessora de Paetzold, que não teve sua identidade divulgada. “Aqui nós não estamos para falar de política”, disparou ela. “Mas lá estavam falando sobre política. Por isso que estou perguntando”, insistiu Caco. “Mas aqui não estamos falando de política”, pontuou a mulher. “Mas estou falando de lá para o prefeito”, reforçou Barcellos. “O prefeito não tem que responder”, concluiu a assessora, antes de levar o político para longe.
Outra jovem, que estava na gincana, entregou o motivo das reuniões. “Eu fui. Chegamos lá, eles, sinceramente, falaram sobre o Auxílio Brasil, porém a parte foi só sobre política. Que teria que votar no 22, porque senão, no caso, não teria mais verba para vir para cá, né? Aí pararia com tudo: pararia de fazer o asfalto, as escolas”, disse ela.
“Você chega lá, se você está precisando… Vamos supor: você precisa para sobreviver o auxílio e o vale renda, você muda seu voto na hora com medo de perder o benefício. Pediram para colocar o nome, colocar o documento, o número de celular. Porque, no caso, esses nomes iriam lá não sei para onde. Para mim, aquilo foi uma pressão sobre as pessoas. Isso é promoção do prefeito, né?”, acrescentou.
Horas mais tarde, Caco Barcellos recebeu uma ligação anônima, orientando que ele suspendesse a reportagem e deixasse a cidade para sua segurança. “Fiquei preocupado, extremamente preocupado. Eu sugeriria para vocês terminar a pauta o quanto antes. Se você quiser continuar aqui na cidade trabalhando, é o teu trabalho. É assim: sua conta e risco. Mas eu conheço bem aqui a cidade. É complicado”, alertou o desconhecido. Confira a reportagem completa:
VALE VER: No #ProfissãoRepórter, Caco Barcellos flagra ação de compra de votos pela prefeitura de Coronel Sapucaia (MS) com beneficiários do Auxílio Brasil, a poucas horas das #Eleições2022. Mais: a reportagem rendeu ao jornalista uma ameaça enquanto ainda estava na cidade 🤨 pic.twitter.com/6KdCtzAHI4
— Jeff Nascimento (@jnascim) November 2, 2022
Nas redes sociais, os termos “Caco Barcellos”; “Cassação de Bolsonaro”; “RIP Bolsonaro”; “Compra de Votos”; “Coronel Sapucaia” e “Profissão Repórter” estão entre os mais comentados desde a exibição da reportagem.
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