Caso Mariana Ferrer: Advogado que humilhou influencer já havia intimidado vítima de estupro de 13 anos; confira relato

Nesta semana, o nome de Cláudio Gastão da Rosa Filho ganhou as manchetes no Brasil, após o advogado protagonizar cenas revoltantes humilhando Mariana Ferrer na audiência que absolveu André de Camargo Aranha da denúncia de estupro. No entanto, esta não é a primeira vez que Gastão tem essa postura. Em 2004, ele defendeu um outro réu pelo mesmo crime, e fez com que a vítima, a empresária Sandra Bronzina, vivesse mais um pesadelo, agora no tribunal…

Em entrevista para a revista Veja nesta sexta-feira (6), Sandra recordou a história que aconteceu quando ela tinha apenas 13 anos. Ao deixar o colégio, em Balneário Camboriú, ela foi sequestrada por um homem e estuprada durante uma hora e meia. Após muito implorar, ela conseguiu voltar para a casa com vida, mas somente meses depois viu o criminoso ser localizado e preso. No dia em que esteve no tribunal para ouvir a sentença, Bronzina passou por outra situação marcante.

Sozinha dentro de uma sala em que a maioria das pessoas eram homens, ela precisaria encarar Cláudio Gastão, advogado do homem que a estuprou. “Minha mãe foi impedida de me acompanhar na audiência. Ela pediu para que eu tivesse cuidado com as palavras, porque meu estuprador era um homem endinheirado e havia contratado o melhor advogado de Santa Catarina. Tranquilizei minha mãe e disse que tinha a verdade ao meu lado”, contou para a Veja.

Sandra Bronzina viveu ataque semelhante ao de Mariana Ferrer. Foto: Reprodução/Facebook

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Cláudio Gastão resgatou outro trauma na vida de Sandra: o estupro que ela sofreu do próprio pai, aos 11 anos de idade. “A primeira coisa que Gastão falou para mim foi: ‘eu já vi aqui que você foi estuprada pelo seu pai antes’. Como um homem estudado olha para uma criança e diz algo desse tipo? Eu fiquei revoltada. Disse a ele que não entendia o motivo da pergunta, porque o crime cometido pelo meu pai em nada diminuía a gravidade do crime que o cliente dele havia cometido. Ele já estava querendo fazer um drama psicológico em cima da história do meu pai”, avaliou Sandra, que agora tem 29 anos.

O bandido que a estuprou foi condenado, mas as lembranças daquela audiência ficaram na memória da empresária ao longo dos anos. Quando estava com 25 anos, reencontrou Cláudio em uma premiação. “Resolvi cumprimentá-lo. Na hora que cheguei, ele esticou a mão e se apresentou. Disse que o conhecia, pois ele havia defendido meu estuprador quando eu tinha 13 anos. Para minha surpresa, ele repetiu a mesma frase: ‘eu lembro de você, você já tinha sido estuprada pelo seu pai antes’. Fui ao banheiro chorar e entrei em pânico”, confessou.

Imagens da audiência de Mariana Ferrer vieram à tona nesta semana, e causaram revolta por conta dos ataques de Cláudio com ela. Foto: Reprodução/YouTube

“O Gastão me ligou depois, pediu desculpas e me disse que nunca mais defendeu um estuprador após o meu caso. Como se viu na audiência da Mari Ferrer, o que ele falou para mim não era verdade. É um sujeito sem escrúpulos e com zero sensibilidade”, completou. Inclusive, foi o drama vivido pela influenciadora que motivou Sandra para voltar a falar sobre o assunto, uma vez que, anteriormente, ela já tinha contado sua história ao público.

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Em 2019, Sandra Bronzina esteve na Câmara Legislativa durante uma sessão que discutia a implementação de um projeto para o combate do estupro das mulheres. Na ocasião, a empresária deu detalhes de tudo que precisou lidar tão jovem, a exemplo do seu exame de Corpo e Delito, que foi realizado por um homem. Além disso, ela chegou a destacar a audiência em que Cláudio Gastão participou.

“Tenho muito nítida na minha memória a audiência do estupro, onde tive que enfrentar o melhor advogado criminalista do estado, que defendia o meu estuprador. A maioria das pessoas na minha sala de audiência eram homens, e eu não pude entrar acompanhada. […] Hoje eu tenho a consciência da força que uma mulher precisa ter para denunciar, se curar física e emocionalmente, e ainda conseguir fazer Justiça provando a própria dignidade. Não é fácil para mim estar aqui me expondo, mas eu faço isso por todas aquelas que sofrem em silêncio”, desabafou com a voz embargada.

Para a revista Veja, Sandra reforçou que o Brasil precisa se mobilizar para repensar a forma como as vítimas de estupro são tratadas, e o quanto o sistema precisa melhorar para ter um acolhimento mais humanizado. “Isso acontece com muitas Marianas. Após o estupro, meu exame de corpo delito foi feito por um homem. Na delegacia, a psicóloga me perguntou se eu tinha sentido um orgasmo. Depois, perguntou por que eu estava chorando quando soube que o meu hímen havia sido rompido. Eu era só uma criança de 13 anos”, lamentou.

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“Pessoas como o Gastão só contribuem da pior forma para esse sistema. É preciso haver um protocolo que impeça o advogado de tratar as vítimas dessa forma em casos de estupro”, finalizou. A revista Veja procurou o advogado para se manifestar a respeito do caso, porém ele não retornou as mensagens.

Com a repercussão da sua entrevista, Sandra Bronzina foi acusada de ter se pronunciado agora a respeito de Cláudio para “aparecer” e pegar carona na repercussão do caso envolvendo Mariana Ferrer. A empresária decidiu que não irá conceder novas entrevistas, e enviou uma nota rebatendo o que está sendo dito de forma equivocada. “Fui acusada pelo advogado, após uma entrevista, de ‘querer aparecer’, o que é uma inverdade. […] Mais de uma década depois me sinto novamente acuada, pois este senhor advogado dá a entender que utilizo minha história para promoção pessoal, quando meu único propósito é defender a humanização do sistema”, escreveu.

Cláudio Gastão também defendeu o homem que estuprou Sandra. Foto: Reprodução/youTube

No texto, ela se direciona diretamente para o advogado. “Senhor Gastão Filho: Assuma suas responsabilidades como homem e repense seus métodos de trabalho. Dinheiro e poder não podem ser trocados pela dignidade de uma mulher. Desejo sorte em sua jornada. Se hoje falo sobre o caso que me marcou profundamente é porque quero que as mulheres não se calem diante dos abusos. Ser maltratada num julgamento é ser violentada duas vezes e isso não podemos tolerar”, declarou.

“Luto pelo direito das mulheres de serem livres, serem respeitadas e serem defendidas em seus direitos. Minha luta não é contra o advogado, minha luta é contra o sistema, que precisa ser mudado em relação ao atendimento e acolhimento da mulher vítima de violência”, encerrou.

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Leia a nota de Sandra Bronzina na íntegra:

Diante do caso acontecido com a influencer Mariana Ferrer, que teve seu julgamento exposto nacionalmente, onde foi humilhada pelo advogado do réu André Aranha e pelo promotor de Justiça, venho através desta nota me manifestar. Fui acusada pelo advogado, após uma entrevista de “querer aparecer”, o que é uma inverdade. Infelizmente, aos 13 anos tive a mesma experiência com o Sr. Claudio Gastão da Rosa Filho, onde na ocasião, após ser estuprada ao sair da escola, em Balneário Camboriú, ele defendeu o réu.

O que causou indignação no meu julgamento, foi que, primeiro, tive que entrar sozinha, sem a presença de minha mãe; segundo, a primeira abordagem do referido advogado foi com relação ao meu passado de abusos sexuais que sofria do meu pai. Sua intenção era me desestabilizar emocionalmente, algo que conseguiu, pois usou duras palavras, sendo ríspido contra uma criança de apenas 13 anos ao dizer que sabia que eu já tinha sido estuprada pelo meu pai.

No meu caso o réu foi condenado, mas teve sua pena abrandada porque justificou-se que ele estava bêbado e sobre efeito de medicamentos. Mais de uma década depois, me sinto novamente acuada, pois este senhor advogado dá a entender que utilizo minha história para promoção pessoal, quando meu único propósito é defender a humanização do sistema. Motivo pelo qual minha história já é pública!

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Em 2019, a convite do poder público, tomei coragem e fui ao púlpito dar meu relato, durante a cerimônia de instalação da Procuradoria Especial da Mulher, na Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú. O público formado em sua maioria por mulheres, me aplaudiu de pé ao final do discurso, ou seja, não era segredo algum o que vivi.

Senhor Gastão Filho: Assuma suas responsabilidades como homem e repense seus métodos de trabalho. Dinheiro e poder não podem ser trocados pela dignidade de uma mulher. Desejo sorte em sua jornada. Se hoje falo sobre o caso que me marcou profundamente é porque quero que as mulheres não se calem diante dos abusos. Ser maltratada num julgamento é ser violentada duas vezes e isso não podemos tolerar. Luto pelo direito das mulheres de serem livres, serem respeitadas e serem defendidas em seus direitos. Minha luta não é contra o advogado, minha luta é contra o sistema, que precisa ser mudado em relação ao atendimento e acolhimento da mulher vítima de violência”.