Caso USP: Empresa decide absorver prejuízo e bancar festa de formatura para alunos após golpe de colega

Segundo informações do PROCON, a empresa pretende assumir dívida e realizar festa para os formandos de medicina da USP

alicia USP

Nesta segunda-feira (23), a empresa ÁS Formaturas se reuniu com o Procon-SP e decidiu não repassar aos alunos o prejuízo de R$ 927 mil que teve com o desvio de dinheiro realizado pela estudante Alícia Dudy Muller Veiga. Segundo informações da Folha de S. Paulo, a empresa absorverá a dívida e realizará a festa sem custo extra para os formandos.

Em entrevista coletiva realizada ontem, Guilherme Farid, chefe de gabinete do Procon-SP, afirmou que o contrato entre os alunos e a empresa foi formado em 2019. Entretanto, a pessoa jurídica que comandou a negociação, que fazia parte de uma associação dos formandos, nunca foi registrada.

“O contrato foi celebrado entre duas pessoas jurídicas. Mas os alunos teriam que ter criado uma associação, registrado no tabelião de notas e formado pessoa jurídica. Teria representatividade legal”, explicou Farid. Por esse motivo, o negócio teria sido “mal elaborado” e acordado informalmente.

Durante a deliberação, foi revelado que dos 100 interessados no evento, quem analisava e decidia sobre os valores era um grupo formado por cerca de 20 pessoas, em comunicações feitas por meio do WhatsApp. A ÁS Formaturas recebeu 15 dias para contatar cada um dos 130 formandos envolvidos no golpe individualmente e apresentar a nova proposta. A ideia é oferecer uma festa bancada pela empresa, com os mesmos fornecedores e estrutura que haviam sido contratados anteriormente.

Caso os alunos aceitem o novo plano, a organização deve levar cerca de um ano até a realização da festa. O processo será acompanhado de perto pelo Procon-SP. Até lá, se forem comprovados problemas relacionados com a empresa, uma multa de até R$ 12 milhões pode ser aplicada.

Continua depois da Publicidade

Apelo

Depois que o caso veio à tona, os estudantes da USP se reuniram e resolveram montar uma “vaquinha online” para captar doações, que seriam destinadas para uma nova festa. Em anúncio feito nas redes sociais, os organizadores ofereceram um convite para os primeiros doadores de valores acima de R$1500.

A publicação incentiva o público a realizar doações altas, de até R$ 9 mil, com promessas de reserva de três ingressos e a uma mesa na eventual formatura. “Foram após muitos pedidos como esse que estamos aqui então, de coração aberto, tentando novamente fazer uma arrecadação, mesmo que pequena para, quem sabe, voltar a pensar na formatura como algo possível de ser feito”, escreveu o grupo.

“O dinheiro arrecadado foi pago em parcelas ao longo de 4 anos e muitos colegas nossos e seus familiares se sacrificaram pela realização de ter uma festa de formatura. Fomos a primeira turma a incluir a adesão social para aqueles que tinham esse sonho mas não conseguiam encarar o valor integral”, acrescentou.

Na página, a comissão de alunos pede, também, a ajuda a artistas como Anitta, Casimiro e outros nomes famosos. Confira:

Além do Procon-SP, o caso também está sendo acompanhado pela USP. Questionada pela TV Globo se planeja expulsar Alícia do curso após o incidente, a universidade afirmou que segue apurando o caso. “Diante do andamento da investigação sobre a fraude contra a Comissão de Formatura, que envolve uma aluna da Faculdade de Medicina da USP, a Instituição informa que está acompanhando a apuração dos fatos pelos órgãos competentes”, afirmou a instituição.

Continua depois da Publicidade

Depoimento

Em depoimento à polícia na última quinta-feira (19), em São Paulo, Alícia confirmou ser a responsável por desviar os valores da formatura. Segundo a jovem, ela entendeu que os recursos arrecadados pelos alunos não estavam sendo administrados corretamente pela empresa contratada, mas realizou aplicações ruins e, eventualmente, perdeu o dinheiro.

Desesperada, ela tentou recuperar a quantia fazendo apostas em uma casa lotérica. Alícia afirmou, ainda, que usou parte do montante em benefício próprio, pagando despesas pessoais como aluguel de veículos, apartamento e ainda compra de eletrônicos. Ainda durante o depoimento, ela admitiu que a história que contou aos colegas de que teria investido o dinheiro em um fundo e sofrido um golpe era mentira.

A investigação confirmou, também, que a empresa ÁS Formaturas de fato transferiu quase R$ 1 milhão para a conta bancária da estudante, que era presidente da comissão de formatura da turma 106 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Foram feitas diversas movimentações bancárias. Ela conseguiu a transferência da empresa responsável pela formatura para a conta dela”, disse a delegada Zuleika Gonzalez Araujo, titular do 16º Distrito Policial.

Alícia assumiu a responsabilidade pelo golpe. (Foto: Reprodução)
Alícia assumiu a responsabilidade pelo golpe. (Foto: Reprodução)

Segundo documentos adquiridos pelas autoridades, todos apresentados pela ÁS, não há responsabilidade jurídica por parte da empresa. “O contrato autorizava eles a fazerem essas transferências para os membros da formatura, para qualquer um dos representantes da comissão”, pontuou a delegada.

Segundo a polícia, a jovem vem de uma família humilde e foi agraciada com condições especiais para participar da festa de formatura. “Os nossos investigadores tiveram contato com a família. Trata-se de família humilde mesmo. Ela conseguiu ingressar no curso com muito esforço, a origem é humilde. Inclusive, o valor pago por cada estudante para empresa na formatura era de R$ 12 mil. Os estudantes que comprovassem uma situação financeira econômica um pouco mais difícil pagariam R$ 6 mil. Ela Foi agraciada com essa possibilidade”, revelou a delegada.

Alícia reforçou que agiu sozinha, mas sua namorada também foi intimada a prestar depoimento. A Polícia Civil já confirmou que ela será indiciada por apropriação indébita, crime que tem previsão de pena de até quatro anos de reclusão. A estudante deve responder ao processo em liberdade.

Continua depois da Publicidade

Inquéritos

Atualmente, Alicia Dudy Muller Veiga é alvo de dois inquéritos policiais. O primeiro é comandado pelo 16° DP, que investiga crime de apropriação indébita, envolvendo o dinheiro da festa de formatura. Já a Delegacia Especializada em Investigações Criminais (DEIC) de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, apura os crimes de estelionato e lavagem de dinheiro contra uma lotérica.

A polícia trabalha com a hipótese de que o dinheiro usado pela estudante em apostas não pagas, todas feitas no ano passado na lotérica da Zona Sul de São Paulo, poderia integrar o montante destinado à formatura de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Os dados de transações bancárias foram analisados com a quebra do sigilo e foi constatado que, em abril de 2022, a suspeita fez quase R$ 20 mil em apostas na Lotofácil, todas pagas via PIX. Depois disso, Alícia continuou a fazer apostas em grandes valores, totalizando R$ 461 mil em jogos de azar.

Continua depois da Publicidade

Na denúncia do desvio milionário do fundo de formatura, registrada por dois alunos, Alicia solicitou à empresa ÁS Formaturas — que seria responsável pela organização da festa — a transferência de R$ 927 mil em três parcelas: R$ 604 mil, para conta pessoal no seu nome; R$ 145 mil, transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado; e outros R$ 171 mil, transferidos para uma conta em que o beneficiário também não foi identificado.

Anteriormente, Alicia alegou ter aplicado R$ 800 mil em uma corretora de investimentos chamada Sentinel Bank, que é investigada pela Polícia Federal (PF) por suspeita de fazer parte de um golpe de falso investimento na Bolsa de Valores. A estudante, no entanto, não apresentou provas sobre a movimentação. A quantia restante teria sido utilizada para pagar advogados na tentativa de recuperar o dinheiro.

“De toda a história contada pela [suspeita], o único fato que temos certeza é a transferência do montante guardado sob custódia da empresa ÁS Formaturas para uma conta pessoal dela. Ainda estamos averiguando em que contexto foram realizadas as transferências”, afirmaram os membros da comissão, na denúncia realizada no dia 10 de janeiro.

Continua depois da Publicidade

Ao g1, os formandos afetados alegaram estar “de mãos atadas”. “Todo mundo está muito aflito, triste, apreensivo, até um pouco reativo com essa situação, porque a gente não esperava que uma colega fosse fazer isso pelas costas — investimentos, sacar dinheiro, valores altos”, lamentou um dos estudantes, que não teve sua identidade revelada. “Foi uma surpresa ruim que coloca muitas inseguranças em relação à realização do evento. A gente está falando tanto de um valor alto individualmente — porque, apesar de ser parcelado, todo mundo pagou em torno de R$ 300 por mês”, finalizou.

Siga a Hugo Gloss no Google News e acompanhe nossos destaques