No início deste ano, um homem chamado João Ribeiro foi resgatado de condições análogas à escravidão na fazenda de café Boa Vista, em Bueno Brandão, Minas Gerais. O senhor, anteriormente conhecido como “João do Brejo”, esteve indocumentado por 74 anos e trabalhou durante quase 4 décadas na propriedade, em condições degradantes. Neste domingo (5), ele foi entrevistado pelo “Fantástico“, da TV Globo, em uma matéria comovente.
“O Fantástico começa com uma página em branco… Para contar a história de um homem sem identidade, escravizado por quase 40 anos”, disse Maju Coutinho, enquanto uma tela branca deu lugar à imagem do senhor se preparando para fazer seu primeiro Registro Geral. “O processo para fazer o RG dura apenas alguns minutos, mas para João foram 74 anos de espera”, relatou o jornalista Estevan Muniz.
Em entrevista ao programa, a auditora-fiscal do Trabalho, Elvira Tomazin, explicou como começou a liberdade de João. “Tudo começou porque ele foi atendido no final do ano passado. Ele foi levado ao hospital com suspeita de pneumonia. E no hospital, verificaram que ele não tinha documento nenhum”, contou ela. Então, a equipe de profissionais da saúde desconfiou e alertou à Assistência Social do município, que denunciou ao Ministério do Trabalho e Emprego. Os auditores-fiscais realizaram uma operação e acharam o homem capinando a terra, descalço.
“Ele estava vivendo em uma casa, sem a mínima condição de dignidade humana. Ele dormia em uma espuma suja, encardida, tinha um penico muito sujo do lado da cama”, detalhou Elvira. Segundo ela, o local também não tinha geladeira, muito menos rádio ou televisão. “Não tinha nada, nenhum contato com o mundo externo. Nós percebemos que a vida dele se resumia a acordar de manhã e trabalhar”, acrescentou.
Conforme a TV Globo, o único dinheiro encontrado com João era um conjunto de notas antigas do Brasil, como o cruzeiro. “É quase difícil de acreditar. Eu fico inconformada… Como é que alguém consegue submeter um ser humano nas condições em que a gente encontrou esse senhor? Ele era uma pessoa que praticamente não existia para o Brasil”, lamentou a auditora.
Segundo o relato do empregador, David Aparecido de Oliveira, às autoridades, João estava perdido e procurando por uma oportunidade de trabalho quando chegou na fazenda, em 1984. Desde então, o senhor viveu sob condições degradantes e trabalhou sem nenhum salário registrado por quase 40 anos. “O empregador tentou nos convencer de que ele era da família, mas claro que percebemos que ele não era”, revelou Tomazin.
O médico Sérgio Ribeiro Goulart também conversou com a equipe do “Fantástico” e expôs que Ribeiro tinha sérios problemas de saúde, mas não fazia uso de nenhuma medicação. “Ele é um paciente diabético e hipertenso, não fazia uso das medicações de uso contínuo. Já providenciamos também toda a vacinação. A gente desconhece cartão vacinal desse paciente”, pontuou.
Atualmente, João vive em um lar de idosos em Minas Gerais. Em entrevista à Estevan, ele contou detalhes da própria experiência. “Sofri e sofri muito, vou falar pra vocês”, expressou o senhor, destacando ainda que nunca recebeu salário pela quantidade de trabalho.
“O que o senhor gosta de fazer?”, perguntou o jornalista, tentando amenizar a conversa. Contudo, João insistiu: “Eu gosto de trabalhar”. “Tem algo que dê prazer para o senhor?”, indagou o repórter. “Prazer para mim é roçar, levanta cedo, já vai no canto, já pega uma ferramenta de segunda a sábado”, respondeu o homem, marcado pela dor de anos sendo explorado. “A conversa com João é difícil. A palavra que ele mais usa é ‘trabalho'”, destacou Muniz.
O apelido “João do Brejo” surgiu devido ao trabalho de roçar pasto que o homem realizava perto de um pântano. “Eu nunca gostei desse apelido. É João Ribeiro”, manifestou ele, orgulhoso de seus novos documentos recebidos na sexta-feira (3). Ribeiro conseguiu sua certidão de nascimento, identidade, CPF e cartão do SUS. Além disso, de acordo com a TV Globo, no dia 27 de fevereiro, em Bueno Brandão, ele recebeu as verbas rescisórias do antigo patrão.
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