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Seis dias após ser mantido em cativeiro e sofrer tortura por 12 horas, um homem de 49 anos, morador de Canoas (RS), decidiu contar como tudo aconteceu. Ainda com curativos espalhados pelo corpo e um dedo amputado, ele revelou que conseguiu escapar cortando as correntes que o prendiam no local. O agressor, dono de um ferro-velho onde a vítima trabalhava, foi detido nesta quinta-feira (27), e está sendo investigado por tortura.
O homem, que vive com a companheira e os quatro filhos dela, afirmou que, mesmo com o suspeito preso, teme pela própria segurança e pela das crianças. “Me assustei com o carro branco de vocês”, disse à equipe do jornal Zero Hora, que tem a mesma cor do carro do suspeito.
A vítima, que preferiu não se identificar, explicou que trabalhava de segunda a segunda no ferro-velho. No sábado pela manhã, ao chegar ao trabalho, foi pego de surpresa pelo patrão, que o atacou com um golpe de “mata-leão” e o acusou de roubo: “Quando eu entrei no estabelecimento dele, ele me derrubou no chão e disse que eu tinha roubado ele. Não deixou nem explicar, começou a me arrastar até o final da casa e ali me acorrentou e começou com choque, água quente, maçarico na cabeça, chutes no meu rosto e marteladas”.
Acorrentado pelo tornozelo a um fogão a lenha, ele passou horas sem água e comida, enquanto o patrão, sob efeito de drogas, se divertia com a situação, segundo a vítima.

“Ele pegou um alicate de cortar cadeado e mandou eu cortar meu dedo. Se eu não cortasse, ele ia cortar a minha mão, com outro alicate maior. Ele desamarrou minhas mãos para eu pegar o alicate. Ele estava filmando, com o celular dele, aí quando eu cortei o dedo, ele mostrava na câmera. Era tipo um troféu pra ele”, relatou.
Durante todo o tempo, a vítima implorava pela sua vida e negava qualquer envolvimento com o roubo. O agressor, no entanto, insistia para que ele confessasse o furto de fios de cobre e ameaçava amputar outros dedos. Vários objetos também foram usados para a tortura. “O choque era um cabo de vassoura com dois pregos na ponta, com o fio até a tomada 220. Encostava em mim e dava choque”, contou.

Segundo o relato, o patrão ainda forçava o homem a rezar a “Ave Maria”. Quando chegava na parte da oração que dizia “agora e na hora da nossa morte”, o agressor torturava a vítima. “Ele disse: ‘Não é nossa morte, é a tua morte’. Aí eu, sabia que não ia viver mais. Estava ali só sofrendo, não ia escapar mais. É muita tortura”, lembrou, com a voz embargada.
Além do agressor, estavam presentes a companheira dele e a mãe. A vítima relatou que a mulher do suspeito chegou a sugerir que o matassem, enquanto a mãe do patrão foi forçada a presenciar toda a cena. Foi apenas no início da noite, quando o suspeito saiu do local, que o homem encontrou uma oportunidade de fuga. “Eu escapei com o mesmo alicate que eu cortei o dedo. Eu cortei a corrente em dois lugares. De início, eles estavam discutindo [agressor e a companheira], e entraram para o quarto. Foi quando tive a oportunidade de cortar a corrente. A primeira coisa que fiz foi tirar do tornozelo e sair correndo. Nem olhei para trás”.

Após 15 minutos correndo, a vítima chegou em casa, mas caiu no caminho devido à fraqueza. Já em sua residência, foi levado a uma unidade de pronto atendimento, onde, inicialmente, mentiu sobre o que aconteceu, dizendo que havia sido assaltado. No entanto, os médicos desconfiaram e insistiram para que ele contasse a verdade. Foi então que ele revelou a tortura, e a Brigada Militar foi acionada.
Na quinta-feira (27), a Polícia Civil prendeu temporariamente o principal suspeito e apreendeu vários objetos utilizados no crime, como um alicate, pregos e até uma furadeira, que, segundo investigações, foi usada para perfurar os joelhos da vítima. Já nesta sexta-feira (28), a polícia deve solicitar a prisão preventiva do agressor e convocar novas testemunhas. A companheira dele segue como investigada, enquanto a mãe é considerada testemunha.
“Existe uma possibilidade de [a mulher] ter atuado de alguma maneira, ou pela omissão”, disse o delegado Marco Antônio Guns. Quanto à motivação do crime, Guns classificou a tortura como um ato de “puro sadismo”: “A vítima disse que o suspeito exigia que ele confessasse um furto do seu dinheiro e cartão de crédito durante toda a sessão de tortura. Nenhum furto aconteceu. Não tem registro de ocorrência. Nada. Por sadismo ele [o suspeito] arrebatou e torturou”.
O Instituto-Geral de Perícias (IGP) está realizando exames nos materiais apreendidos e no local, e já encontrou possíveis vestígios de sangue em um alicate, que pode ter sido usado para amputar o dedo da vítima. Veja o relato completo:
Siga a Hugo Gloss no Google News e acompanhe nossos destaquesHomem conta como foi torturado pelo patrão, no RS pic.twitter.com/0E0DoyLvPv
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(@whatwouldlbdo) March 28, 2025