Juiz que forjou documentos com nome de nobre britânico teria sido motivado por questão pessoal “muito triste”, diz defesa

O juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis se apresentou como Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield por 45 anos

José Eduardo Franco dos Reis, juiz aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), foi denunciado pelo Ministério Público por uso de documento falso e falsidade ideológica. Segundo a Folha de S.Paulo, o magistrado usou por décadas o nome fictício Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield. Seu time de defesa alega que a atitude se deu por conta de uma “questão pessoal muito triste”.

Segundo reportagem divulgada nesta sexta-feira (18), após a denúncia do MP, Reis contratou o advogado criminalista Alberto Toron, que já defendeu nomes como o deputado Aécio Neves, para representá-lo e solicitar a retomada do pagamento de sua aposentadoria como juiz.

Em depoimento à polícia, Reis alegou que Edward Wickfield seria seu irmão gêmeo, supostamente doado a outra família na infância. Disse ainda que teria conhecido o irmão nos anos 1980 e que, após se aposentar como professor, Wickfield teria retornado à Inglaterra. O ex-juiz se apresentou como artesão ao solicitar a segunda via do RG no Poupatempo da Sé, a pedido do suposto irmão. Ele forneceu um endereço em Londres e um número de telefone que, segundo apuração da Folha, é inválido.

A Polícia Civil iniciou a investigação em outubro de 2023, quando Reis tentou obter uma nova identidade. Na ocasião, ele se apresentava como neto de um magistrado inglês. O primeiro documento falso teria sido emitido em 1980.

O juiz José Eduardo Franco dos Reis usou nome britânico por 45 anos. (Foto: Reprodução/Metrópoles)

Questionado pelo veículo, Toron confirmou que Reis utilizou o nome fictício durante toda a carreira, mas afirmou que não houve crime, pois não houve obtenção de vantagem indevida ou prejuízo a terceiros. O advogado argumenta que o uso do nome falso não alterou nenhum “fato juridicamente relevante” — um dos critérios para a configuração do crime de falsidade ideológica, segundo o Código Penal.

Ele reforçou ainda que a motivação do ex-juiz estaria ligada a uma “situação existencial muito triste” na vida pessoal do juiz, mas evitou dar detalhes, prometendo esclarecimentos no processo. “Tive o cuidado de conversar com desembargadores e todos foram unânimes em afirmar que a atuação dele na magistratura foi impecável, sem nenhuma falta, sem nenhum escorregão, com sentenças muito boas”, afirmou Toron.

A defesa também sustenta que os documentos falsificados em 1980 já estão prescritos.

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A denúncia da 116ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital detalha que, em sua primeira identidade, emitida em Águas da Prata (SP), Reis usou sua certidão de nascimento original, identificando-se como filho de Vitalina Franco dos Reis e José dos Reis. No entanto, ainda em 1980, apresentou-se ao Instituto de Identificação como filho de um casal britânico, usando cópias de documentos facilmente falsificáveis, como carteira de trabalho e título de eleitor, para obter uma nova identidade.

Com o nome falso, ingressou na Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco), passou em concurso público e atuou como juiz de 1995 até sua aposentadoria, em 2018. As acusações atuais referem-se ao uso do nome fictício em documentos oficiais na década de 2020, como prontuários biométricos do Detran e do Renavam.

Com a repercussão do caso, o TJ-SP suspendeu em abril os pagamentos da aposentadoria e abriu investigação administrativa. Segundo a Folha, Reis recebeu R$ 166 mil brutos em fevereiro; em dezembro e janeiro, os valores foram de R$ 187 mil e R$ 155 mil, respectivamente.

A defesa reforça que Reis tem direito à aposentadoria, independentemente da identidade usada. “Ele não foi expulso da magistratura, não era um juiz corrupto. Era um juiz absolutamente íntegro. Essa história de suspender o pagamento da aposentadoria dele me parece um equívoco”, reafirmou Toron.

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