A defesa do juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis, que usou por mais de 40 anos o nome fictício Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, afirmou que a decepção com a vida no exterior e a frustração por não ter conseguido viver o sonho de morar em um país de língua inglesa o levaram a criar uma nova identidade. As informações são do portal g1, que teve acesso ao laudo psiquiátrico apresentado à Justiça.
De acordo com o documento, o magistrado desenvolveu um quadro de Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE) e adotou o outro nome como uma forma de “renascer outra pessoa”. O caso foi revelado em abril, quando a defesa divulgou apenas que essa atitude se deu por conta de uma “questão pessoal muito triste”. Contudo, o motivo ainda não havia sido detalhado.
No laudo assinado pelo psiquiatra forense Gustavo Bonini Castellana, Reis relatou ter sido motivado por uma forte decepção pessoal. Aos 18 anos, ele conseguiu viajar para Boston, nos Estados Unidos, na expectativa de iniciar uma nova vida. Entretanto, ao chegar ao destino e não encontrar o amigo que havia prometido ajudar, o juiz ficou abalado e decidiu retornar ao Brasil poucos meses depois, com sentimento de fracasso.
De volta ao país, envergonhado e com um desejo de recomeçar, Reis encontrou um colega de pensão que sugeriu a alteração de identidade. “Ainda desnorteado e sem encontrar saída para seu drama existencial, aceitou a ideia“, descreve o laudo, conforme o portal g1.

A nova identidade, que fazia referência a personagens da literatura inglesa, representou para ele um alívio psicológico. “Queria morrer e renascer outra pessoa. Tinha vergonha de sua história e de seu nome“, comentou Reis. Após a mudança, o magistrado relatou que a autoestima melhorou, permitindo que a vida profissional “engrenasse”. “Não há necessidade de uso de medicações psicotrópicas, nem há risco para si mesmo ou para terceiros“, concluiu o psiquiatra.
O laudo foi anexado à resposta da defesa à acusação apresentada na ação pena em que Reis é réu na Justiça de São Paulo. Ainda, a defesa do juiz pede que instaure um incidente de insanidade mental para avaliar o estado psicológico do magistrado. A Justiça do estado não se manifestou sobre a instauração ou sobre o pedido de acordo para evitar a persecução penal.
Relembre o caso
José Eduardo Franco dos Reis, juiz aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), viveu por mais de 40 anos com o nome fictício Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, assinando decisões judiciais e documentos públicos. A descoberta veio em outubro de 2024, quando ele tentou renovar seu RG no Poupatempo, na capital paulista, e suas impressões digitais acabaram revelando sua verdadeira identidade.
Em depoimento à polícia, Reis chegou a dizer que Edward Wickfield seria seu irmão gêmeo, supostamente doado a outra família na infância. Ainda, disse que teria conhecido o irmão nos anos 1980 e que, após se aposentar como professor, Wickfield teria retornado à Inglaterra. O ex-juiz se apresentou como artesão ao solicitar a segunda via do RG, a pedido do suposto irmão. Ele forneceu um endereço em Londres e um número de telefone que, segundo apuração da Folha de S. Paulo, é inválido.
O primeiro documento falso teria sido emitido em 1980. A defesa de Reis alega que ele não agiu para prejudicar ninguém e que sua motivação foi exclusivamente pessoal e psicológica. “O Peticionário, movido por uma questão existencial e familiar, sentiu-se compelido a mudar a sua identidade e recomeçar uma vida nova, mas não o fez com o fim de prejudicar direito ou criar qualquer obrigação jurídica“, justificam os advogados Alberto Toron e Renato Marques Martins.
Reis foi denunciado por uso de documento falso e falsidade ideológica. A defesa pediu que a Justiça considere um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), considerando a ausência do prejuízo a terceiros e o fato de o magistrado nunca ter usado a identidade para obter vantagens indevidas. Os advogados também apresentaram uma lista de seis testemunhas, entre elas cinco desembargadores do TJSP.
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