Mãe da menina de 11 anos impedida de fazer aborto fala pela primeira vez sobre o caso: “Me senti um nada”; assista

Em entrevista ao “Fantástico”, a mulher ainda revelou como está a saúde da filha após a realização do procedimento

Aborto

O caso da criança catarinense de 11 anos impedida de realizar um aborto legal após um estupro continua a se desenrolar. Em entrevista ao “Fantástico” neste domingo (26), a mãe da menina deu detalhes da audiência traumática, afirmando que se sentiu “um nada” e impotente diante da decisão inicial da Justiça.

“Se eles queriam preservar tanto a minha filha, era algo que não deveria ter sido perguntado para ela. Eu deveria responder por ela [durante a audiência], é uma criança, é imatura. Eu me sentia um nada, porque eu não podia tomar nenhuma decisão pela vida da minha filha, pela ida dela pra casa. Então, para mim, foi muito difícil, chorei, me desesperei, gritei dentro do fórum. Até chamada de desequilibrada eu fui. Porque era um ser acima de mim, né? Uma lei acima de mim. Nenhuma das vezes que a gente foi a nenhuma das instâncias eu fui ouvida”, afirmou.

O caso ganhou grande repercussão no país após uma reportagem do The Intercept, que divulgou trechos do processo. Na audiência, a juíza Joana Zimmer chega a perguntar para a menina se ela suportaria continuar grávida “mais um pouquinho”, para aumentar a chance de sobrevida do feto. Em seguida, a magistrada autoriza o encaminhamento da criança a um abrigo citando a proteção do “bebê em gestação”, já que não haveria “risco imediato” de morte materna.

A promotora do Ministério Público catarinense Mirela Dutra Alberton, na época, ajuizou uma ação cautelar pedindo um acolhimento institucional. Com isso, a criança foi levada para longe da família. Na entrevista, a mãe contou como foi ficar distante da filha por mais de 40 dias. “Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Todos os dias eu chorava. Quando eu ia visitar ela, ela sempre chorava e pedia para ir para casa”, desabafou.

“Isso foi uma das partes mais difíceis na hora de ir embora, eu ter que deixá-la, não poder ter um controle sobre a vida da minha filha. Ela pedia para mim: ‘Mãe, eu quero ir para casa. Mãe, eu quero ir para casa’, e eu ter que falar para ela: ‘Filha, agora a mãe não pode fazer nada’. Isso doía muito. Doía, e, quando eu chegava em casa, eu chorava mais ainda por não poder tomar uma posição na vida da minha filha”, continuou.

Continua depois da Publicidade

Além de lidar com a distância da filha, a mulher teve que se afastar do esposo, que era investigado como suspeito de estuprar a enteada. Ele se submeteu voluntariamente ao exame de DNA e não teve relação comprovada com o crime. “Ele foi afastado de casa, teve que manter distância da minha filha, manter distância da minha casa, então a gente só quer que a Justiça seja feita, né?”, afirmou ela.

No último dia 23, o Ministério Público informou que a criança havia conseguido realizar o aborto legalmente. Segundo a mãe, a menina passa bem após o procedimento. “Correu tudo bem, sim. Eu estou grata pela saúde da minha filha, que está bem por um pouco de justiça, porque ela é uma criança. Eu não vou falar para a senhora que eu estou feliz. Não estou feliz. A gente está passando por um processo bem complicado ainda”, disse.

Relembre o caso

Após ser vítima de um estupro, a menina descobriu que estava na 22ª semana de gravidez ao ser encaminhada ao hospital universitário em Florianópolis. A instituição, entretanto, se negou a realizar o procedimento. O Hospital da UFSC afirmou adotar como protocolo a interrupção apenas para gravidez de até 20 semanas, apesar da legislação não estipular prazos ou solicitar autorização judicial para o procedimento.

De acordo com a lei, o aborto é permitido nos casos em que a gravidez é decorrente de estupro ou quando apresenta risco à vida da gestante. Desde 2012, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a interrupção também é permitida no caso de diagnóstico de anencefalia do feto.

Continua depois da Publicidade

Após despacho da juíza Joana Ribeiro Zimmer, a menina passou a ser mantida em um abrigo, para evitar que fizesse um aborto autorizado em outra instituição. Somente no dia 21 de junho, a criança pôde voltar à casa da mãe. A defesa da família então entrou com um habeas corpus no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para realizar o procedimento de interrupção da gravidez.

A conduta da juíza está sendo investigada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Já o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) instaurou um procedimento para apurar a postura da promotora de Justiça Mirela Dutra Alberton no caso.