Em entrevista ao “Fantástico“, que foi ao ar neste domingo (17), o médico Daniel Proença contou como conseguiu se salvar após o atentado que sofreu em um quiosque no Rio de Janeiro, no dia 5 de outubro. Ele explicou como conteve o sangramento depois de ser baleado mais de 15 vezes e o que mudou em sua vida desde então.
Proença disse que levou um tiro no pé e na perna esquerda, tiros no braço, no ombro esquerdo e um que passou de raspão em uma mão, atingindo todos os ligamentos. Ele acredita que foi alvo de ao todo, 17 disparos. O médico detalhou a autoconsulta que fez durante o ataque para avaliar suas próprias lesões e decidir as melhores ações a serem tomadas para sobreviver.
“Naquele momento eu estava frio, em relação que eu estava com um pensamento de médico sobre mim. Então eu estava me examinando. Eu tentei dentro do máximo possível diminuir minha respiração, diminuir minha frequência cardíaca e ficar mais calmo. Eu comecei a mexer a mão, vi que o pulso estava preservado, não tinha nenhuma região formigando. Falei: ‘Então os braços estão funcionando’. Comecei a mexer o pé e senti muita dor no fêmur. Alguma coisa aconteceu lá, mas estava conseguindo mexer. Mexi a coluna e não senti nenhuma alteração”, recordou.
Ele também tentou outros métodos para identificar em quais regiões do corpo fora atingido. “Tentei forçar vômito, para ver se tinha alguma perfuração abdominal. Eu tentei ficar quieto e parado para abaixar a minha frequência cardíaca, sangramentos. Eu via o sangue escorrendo pelo meu corpo. Eu sabia que possivelmente essa seria a principal causa daquele momento da minha luta pela vida. Foi uma violência muito grande”, relatou.
Daniel listou ainda os disparos que lhe acertaram. “Eu tive um tiro no pé esquerdo, que teve fratura; tive um na perna esquerda, que descolou a pele da musculatura; tive tiros na coxa direita, que fez a fratura do fêmur; eu estava com oito perfurações no glúteo, ainda tenho seis projéteis alojados nele; tiros no braço, tive seis lesões ortopédicas, por quatro ou cinco disparos; um no ombro esquerdo, onde ainda tenho um projétil alojado; e o que passou de raspão da mão, que queimou os ligamentos. Eu considero que foram uns 17 tiros”, afirmou. Assista:
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Recuperação e mudanças
O médico sobrevivente contou ao “Fantástico” que faz fisioterapia todos os dias desde a noite do ataque, há quase dois meses e meio. Ao todo, ele já passou por cinco cirurgias, com pelo menos mais duas a serem realizadas. A primeira será para a retirada da bolsa de colostomia e a segunda para uma nova correção ortopédica.
“Muda um pouco a cabeça, o jeito de se ver um pouco as coisas. Entende-se um pouco mais da brevidade da vida, todos esses fatores que às vezes assustam um pouco mais e mudou que todo dia está sendo exigido muito de mim. Está sendo todo dia uma reabilitação. A gente sabe que tem dias bons, dias piores. É um processo longo, mas botei na minha cabeça que espero que todo dia tem que ser uma superação, um degrau a mais”, revelou.
“O novo Daniel é o Daniel que virou paciente. Mas agora está ficando mais fácil entender as dificuldades que as pessoas passam, as dores, as inseguranças. Então acho que me deixou mais humanizado”, opinou ele.
O ataque
Ao dominical, Daniel lembrou as horas de horror que sofreu em um quiosque na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. “Eu estava de costas. Inicialmente comecei ouvir as explosões. O Fluminense tinha se classificado para semifinal da Libertadores, tinha passado um carro na orla, soltando fogos. Quando eu comecei a ouvir os disparos, eu confundi eles com fogos e senti o calor nas costas. Quando eu comecei a virar, protegendo meu rosto com a mão direita pra me jogar no chão, para sair do nível dos fogos, comecei a sentir muita dor no braço direito, em vários lugares. Aí, eu caí no chão. Nesse momento, eu comecei a ter noção do real, da gravidade”, explicou.
Proença admitiu que o pior foi ter visto a execução dos seus amigos e colegas de profissão. “No momento do crime, exatamente, eu cheguei a ver meus amigos executados e sabia que eu perdi os três. Era bem difícil. O doutor [Marcos de Andrade] Corsato, quando olhei para o lado, já estava evidente que ele não respondia, já estava na cadeira com os braços esticados. O Perseu [Almeida], vi ele tentando fugir, infelizmente o executor esticou o braço direto e disparou alguns tiros. Ele parou de se mexer, e eles foram embora. O Diego [Ralph] começou a gritar solicitando socorro”, contou.
Os médicos Marcos de Andrade Corsato e Perseu Almeida morreram na hora. Diego Ralph foi socorrido, mas faleceu no hospital.
Último momento com os amigos
Daniel comentou sobre o último encontro com os amigos no dia da tragédia e uma foto tirada por eles, que tornou-se algo simbólico. “A foto foi uma ideia do Doutor Corsato. Nossa, foi muito agradável. A gente tinha uma amizade muito grande, muito próxima. Ali estávamos confidenciando projetos, confidenciando o futuro. Perto de umas dez horas, imagino eu, quando a gente já estava praticamente pensando em ir embora, o doutor Corsato passou, reconheceu o Perseu, aí ele abraçou o Perseu, cumprimentou a gente e aí ele escolheu sentar na nossa mesa”, disse.
O médico falou ainda sobre os laços criados com as famílias de seus companheiros de trabalho. “Eu tento manter o contato com a família deles. A gente, na verdade, criou uma rede de apoio. Então eles projetam muito o carinho deles pra mim e pra minha recuperação, e em cada vitória que eu tenho”, disse.
Após o acontecimento, Daniel afirmou que não pretende voltar ao Rio de Janeiro. “Hoje não. Não só pela questão do acidente, mas do Rio em si. Antes eu já me sentia inseguro lá. Gostaria que tivesse mais segurança, que o dia 5 de outubro não fosse lembrado só como um aniversário meu. Mas como um dia em que algo muito absurdo aconteceu e não deveria. Que seja combatida toda forma de violência”, pediu.
Por fim, o médico Daniel Proença refletiu sobre a nova vida. “Não sei a quem eu tenho que agradecer diretamente, além de Deus. Mas com certeza foi uma coisa que passava muito na minha cabeça, na hora era meu pai. Ele faleceu no final do ano passado. Não tem outra escolha. É seguir. Sou muito grato por tudo que aconteceu comigo. Claro, eu não entendo ainda o porquê teve que levar os meninos, ou até porque eu não fui levado, mas qual outra opção, de não ser grato e lutar pelo que está, eu não vou conseguir mudar a realidade”, observou.
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