Mulher vítima de cárcere privado por 17 anos no RJ descreve ameaça do marido

Capitão do 27º Batalhão da Polícia Militar relatou que a mulher não quis comer mesmo após ser resgatada, por medo

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A mulher que foi mantida em cárcere privado com os filhos por 17 anos, no Rio de Janeiro, contou em depoimento à Polícia Civil que tentou se separar do marido várias vezes. Contudo, de acordo com a vítima, ela era coagida e ouvia ameaças de Luiz Antônio Santos Silva, preso suspeito do crime na quinta-feira (28). Segundo William Oliveira, capitão do 27º Batalhão da Polícia Militar, a mulher não via a luz do sol há quase vinte anos.

“Você tem que ficar comigo até o fim, se você for embora só sai daqui morta”, teria dito Luiz, com quem a mulher se relacionava há 23 anos. Segundo o depoimento, tanto ela quanto os filhos eram agredidos física e psicologicamente. “Ela disse que não via a luz do dia havia 17 anos, era a primeira vez nesse tempo todo, dizia sentir dor pela luz do sol. Nós oferecemos água, perguntei se ela tinha comido alguma coisa e se queria comer, ela disse que não”, expôs William Oliveira. “Ela dizia ‘não, não, não, eu não posso comer, ele não deixa a gente comer sem autorização dele'”, completou.

O capitão explicou que assegurou à mulher que o homem já estava preso e que eles poderiam se alimentar sem problemas. “Ainda assim, ela insistiu e não comeu nada”, lamentou. De acordo com o agente, a casa em que a família era mantida presa não tinha circulação de ar. As janelas ficavam sempre fechadas com cadeado e tapumes de madeira. “Os dois jovens estavam agitados. Balbuciavam e se debatiam muito. A situação foge da realidade. Difícil de compreender. Havia até fezes no local. Inicialmente, pensávamos que eram crianças, tal era o nível de desnutrição da moça e do rapaz”, descreveu William. O capitão afirmou que os dois não falavam.

As “crianças” às quais ele se refere são um homem de 19 e uma mulher de 22 anos. Por causa da subnutrição a qual eram submetidos, eles tinham aparência de pessoas de 10 anos.

Hospitall
Jovem no colo da mãe, que parece uma criança, tem 22 anos. (Foto: Reprodução/g1)

Oliveira relatou que o suspeito alegou aos policiais que não tinha feito nada de errado. “Ele nos disse que os filhos eram doentes mentais e precisavam estar presos. O ambiente da casa é um horror. A gente que já pensa que viu de tudo nessa vida, nunca imagina que haja algo tão assustador!”, declarou o capitão.

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A vítima contou que desde o início do relacionamento foi impedida de trabalhar e estudar. Após a prisão do homem, os vizinhos relataram que tinham tentado pedir ajuda ao poder público, mas, sem nenhuma resposta, passaram a alimentar a mãe e seus dois filhos escondidos. Às vezes, Luiz barrava as ajudas. “As ‘crianças’ ficavam presas, amarradas. Na quarta-feira, eu trouxe pão, mas a mulher contou que o Luiz viu e jogou fora, contou que ele queria bater nela, que achou ruim, e que eles não comeram nada”, contou Sebastião Gomes da Silva ao RJ2.

“Chorei quando vi a [a jovem de 22 anos] saindo [da casa]. Você olhava e dava uns 8 anos para ela”, explicou uma vizinha que não quis ser identificada. “Ele é um cara forte, fala grosso. Simplesmente ficava aí dentro, ligava o som alto para abafar a situação. Foi denunciado várias vezes. Hoje chegou ao final”, disse Álvaro dos Santos, também morador da região. Luiz foi levado para a cadeia pública José Frederico Marques, no Rio. A 43ª DP já realizou a perícia no local e deve encerrar o inquérito em até 10 dias.

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Vítimas estavam em estado de desnutrição grave. (Foto: Reprodução/g1)

Entenda o caso

Luiz Antônio Santos Silva foi preso acusado de manter a mulher e dois filhos em cárcere privado por 17 anos, nesta quinta (28), em Guaratiba, no Rio de Janeiro. Segundo a Polícia Militar, o homem conhecido como DJ, tinha esse apelido devido a um motivo macabro.

O “DJ” era famoso na vizinhança da rua em que morava por colocar o som muito alto. As músicas tinham o objetivo de esconder algo terrível: os possíveis gritos de socorro da família. “Aqui é difícil ouvir alguma coisa porque as crianças gritavam e ele botava o som bem alto. Tanto é que chamavam ele de DJ”, contou uma vizinha ao RJ2.

Familia
Homem mantinha esposa e filhos em condições deploráveis. (Foto: Divulgação)

“Ele tinha uma aparelhagem de som muito grande aí dentro. Tipo assim, parece que para abafar a situação que estava acontecendo”, disse outra testemunha. Os vizinhos contam que também ouviam choros vindos da casa e gente pedindo comida. “Ele mantinha ela e as duas ‘crianças’ em cárcere privado e é até emocionante estar falando. Vimos o estado que as duas ‘crianças’ saíram daqui e, mais uma semana, acho que não iriam mais sobreviver”, lamentou a vizinha Marizete Dias.

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Mulher e jovens estavam desnutridos e desidratados. (Foto: Reprodução/g1)

A mãe e os filhos viviam em condições sub-humanas, estavam em quadro de desidratação grave, amarrados e sem higiene. Após uma denúncia anônima, policiais militares foram até a casa checar a informação, mas tiveram que remover as vítimas para o Hospital Rocha Faria para que elas se restabelecessem. Assista:

“A situação era estarrecedora”, disse o policial que prestou socorro. A Secretaria Municipal de Saúde declarou que eles estão recebendo todos os cuidados clínicos necessários, além do acompanhamento dos serviços social e de saúde mental. Moradores revelaram que outras denúncias foram feitas ao posto de saúde do bairro e ao Conselho Tutelar, mas que de nada adiantou.

O Conselho Tutelar de Guaratiba argumentou que acompanha o caso há dois anos, que chamou o Ministério Público e a polícia, contudo, nenhuma ação tinha sido feita até então. A 43ª DP e a Delegacia da Mulher de Campo Grande vão investigar o caso. Luiz Antônio Santos Silva vai responder por sequestro ou cárcere privado; vias de fato; maus-tratos e crime de tortura.

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