Padre é filmado agredindo homem que o acusa de violência sexual; Igreja e sacerdote se manifestam

Padre Ismael Video

Nesta terça-feira (14), o UOL divulgou um vídeo no qual o padre Ismael Almeida Santana, de 31 anos, aparece ameaçando e agredindo um ex-seminarista, João (nome fictício), de 28 anos. A vítima acusa o sacerdote de violência sexual. Segundo a reportagem, as imagens foram gravadas em fevereiro, no Seminário Propedêutico Nossa Senhora do Socorro, em Mogi das Cruzes (SP) – instituição na qual Ismael era o reitor.

O registro das agressões mostra João em lágrimas, pedindo para sair da casa do padre, que fica dentro do seminário. Ele anda de uma lado para o outro e insiste que Ismael abra a porta. Mas o clérigo puxa o ex-seminarista pelo braço e o empurra. “Você está me machucando!”, repete o homem três vezes. Então, o religioso pega no queixo de João, aperta e novamente o empurra.

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O vídeo mostra padre Ismael agredindo o homem que o acusa de abuo sexual. (Fotos: Reprodução)

Num segundo momento, o vídeo registra que Ismael tranca a porta, retira a chave e apaga a luz. No escuro, João tenta andar pelo cômodo. Posteriormente, o padre pega no pescoço do homem, que logo se assusta. “Você está me enforcando. Você vai me matar”, afirma João. Porém, a tela fica preta pouco depois, quando o ex-seminarista teria sido derrubado.

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Suspensão do padre e investigação da Igreja

Com o vídeo em mãos, o ex-seminarista fez sua denúncia do caso ao tribunal eclesiástico da diocese de Mogi das Cruzes. Ainda no dia 26 de fevereiro, o padre foi suspenso e afastado de suas funções. Ismael acumulava os cargos de reitor do Seminário Propedêutico Nossa Senhora do Socorro, de notário atuário do tribunal eclesiástico diocesano, de membro da comissão diocesana de tutela de menores, cuidava do programa semanal da diocese na Rádio Metropolitana FM, e ainda era assessor diocesano da Pastoral do Menor.

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Padre Ismael foi suspenso de seus cargos e é alvo de uma investigação na Igreja. (Foto: Reprodução)

“O sacerdote foi imediatamente suspenso do uso de ordens e destituído dos ofícios eclesiásticos por tempo indeterminado e até que sejam devidamente apurados os fatos e responsabilidades mediante procedimentos jurídicos canônicos imediatamente instaurados e em andamento”, disse em nota a diocese de Mogi das Cruzes. O órgão também pontuou que acatará as decisões das esferas eclesiástica e civil.

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Segundo a reportagem, a Igreja está conduzindo uma investigação sobre o caso. Em seu depoimento ao tribunal eclesiástico, Ismael alegou que teve um envolvimento afetivo com o ex-seminarista e que João supostamente não teria aceitado o fim do relacionamento. Os documentos dessa investigação afirmam que o padre reconheceu que errou, se arrependeu, e pediu perdão à Igreja. Ele também negou ter se relacionado sexualmente com outros seminaristas.

João entrou com processos na Justiça contra a própria diocese de Mogi das Cruzes, contra o bispo dom Pedro Luiz Stringhini e contra o vigário geral da cúria, monsenhor Antônio Robson Gonçalves. O ex-seminarista alega que houve acobertamento do caso por parte de alguns clérigos, bem como da instituição. Já a defesa do padre Ismael afirmou que “o processo tramita em segredo de Justiça e somente se manifestará no curso do processo”. De acordo com a publicação, os advogados também ameaçaram tomar medidas cabíveis caso alguma reportagem fosse publicada. Assista ao vídeo abaixo:

Como tudo começou?

Foi através das redes sociais que João e o padre Ismael se conheceram, no ano de 2019 – época em que o ex-seminarista estudava no Seminário Propedêutico, da Arquidiocese de São Paulo, enquanto o padre era reitor em Mogi das Cruzes. Com o tempo, eles se tornaram próximos e o religioso teria conquistado a simpatia da família de João. A mãe dele recebia cestas básicas e até trabalhou como faxineira no seminário de Ismael.

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Com a proximidade do padre Ismael, João afirma que as agressões teriam surgido. (Foto: Reprodução)

Contudo, João revela que a proximidade abriu portas para agressões. Ele teria sido obrigado a se submeter a violações sexuais. “Eu não conseguia revidar as agressões do Ismael porque na minha cabeça ali não estava um homem qualquer. Para nós, católicos, para mim, ali estava a pessoa do Cristo, não estava apenas o padre Ismael. Aí eu não conseguia bater nele ou revidar. Eu fugia para ele não me pegar. Eu acreditava que aquilo ia cessar”, declarou o homem.

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Segundo o ex-seminarista, as supostas agressões teriam acontecido quando ele se negava a satisfazer os desejos sexuais do padre. “Quando eu não fazia, ele apertava o meu pescoço e eu desfalecia. Ele me batia, me fragilizava emocionalmente. Se ainda assim ele não conseguisse o ato sexual, ele me batia, me deixava mole e conseguia tudo o que ele queria”, mencionou.

A princípio, o padre teria se mostrado arrependido e triste. “Não tinha um monstro do meu lado. Tinha um cara chorando e me pedindo perdão. Mas na semana seguinte ele faria de novo”, contou João. Depois, o sacerdote teria mudado de postura e dito que o ex-seminarista merecia as agressões. Ismael também teria comentado que tinha influência no Judiciário local: “Ele dizia que se eu o denunciasse, nada aconteceria com ele”. O clérigo teria até intimidado João ao dizer que tiraria a própria vida, citando que a culpa cairia sobre o homem.

Reação dos clérigos e processo cível

Em 26 de fevereiro, João se surpreendeu com a reação dos religiosos ao levar o caso ao bispo dom Pedro Luiz Stringhini e ao vigário geral da cúria, monsenhor Antônio Robson Gonçalves. “Ele [Dom Pedro] começa me intimidando. Ele: ‘Você sabe que o padre Ismael só trouxe alegrias à nossa diocese. Você sabe que isso que você vai fazer não vai dar em nada’. Aí eu tiro o celular do bolso e dou na mão dele o vídeo. Ele fala assim: ‘Agora eu tenho uma reunião, depois eu vejo isso. Mostra pro Monsenhor Antônio Robson’. No momento, parece que ele vai fazer as coisas como deve. Mas depois ele suprime tudo. Ele tenta amenizar o lado do padre”, desabafou o ex-seminarista.

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Após as acusações, padre Ismael afirmou que teria vivido um relacionamento com João, mas que este não teria aceitado o término. (Foto: Reprodução)

“Dom Pedro Luiz Stringhini disse que rezaria por mim. Meu intuito não era expor a imagem da Igreja, era que eles fizessem a Justiça sem precisar expor as mazelas, que eles impedissem que pelo menos pelas mãos do padre Ismael ninguém mais fosse abusado, fosse obrigado a se submeter sexualmente e sofresse intimidações e ameaças”, contou João.

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Receoso de que a Igreja não tomaria as providências que imaginava, João entrou com um processo na área cível. Nesta ação, ele processa o padre Ismael, o bispo dom Pedro, e o monsenhor Antônio Robson. O ex-seminarista alega ter sofrido ameaças, violência física, além de abuso sexual e psicológico por parte do padre. Ele ainda pede indenização de R$ 560 mil por danos morais e acusa os membros da diocese de acobertarem o caso.

A defesa do padre Ismael alega que seu cliente é inocente, afirmando que ele teria vivido um relacionamento homoafetivo e consensual com João, por isso, não teria cometido abuso sexual, ameaça ou violência. Para os advogados do religioso, as denúncias seriam apenas por ciúme e interesse financeiro. A defesa dos outros envolvidos também usa dos mesmos argumentos, negando acobertamento e defendendo que a Igreja teria agindo assim que tomou conhecimento do caso. A instituição religiosa reforçou ainda que está apurando os fatos.

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Processo criminal

Houve ainda um processo criminal, que a acusação fez contra o padre Ismael em abril. Após analisar o caso, a promotora Roberta Andrade da Cunha, do Ministério Público, interpretou que havia indícios de crime sexual, lesão corporal e outros crimes não especificados. Ela indicou a abertura de um inquérito policial, determinou a proibição de contato entre os acusados e João, e pediu que a documentação retornasse para a comarca de Mogi das Cruzes

No entanto, depois de tudo isso, a promotora Déborah Cristina Benetti pediu o arquivamento do caso. Ela declarou que não havia indícios de crime sexual, nem de lesão corporal ou ameaça. Segundo a promotora, não haveria “meios fraudulentos” no ato porque ambos são maiores de idade, e para ela, não se configuraria uma relação abusiva, por esse contato deles ter se dado em um longo prazo. Os advogados de João recorrem da decisão do MP de Mogi das Cruzes.