STJ anula confissão de mulher acusada de matar o marido após fala de perita em podcast; entenda e assista

Ministra Daniela Teixeira determinou que os órgãos competentes apurem a conduta funcional dos peritos Telma e Leandro

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou nula a confissão dada por uma mulher acusada de matar o marido, segundo o g1, nesta terça-feira (10). O site informou que a decisão saiu após uma das peritas que trabalhou no caso dizer que forçou a declaração da ré, ao participar de um podcast.

De acordo com os autos, em 2018, a suspeita Adriana Pereira Siqueira matou o companheiro a facadas e ateou fogo ao corpo ao desconfiar de suposta traição conjugal. Ela foi presa em flagrante no dia seguinte ao crime, depois de confessar o assassinato à equipe da Polícia Civil.

Confissão forçada

Em março de 2022, a fotógrafa técnico-pericial Telma Rocha e o perito criminal Leandro Lopes estiveram no podcast Inteligência Ltda. e revelaram alguns detalhes do caso. À época, a profissional comentou que ao conversar com Adriana na cena do crime, percebeu que ela estava com a unha e calça sujas, aparentemente de sangue.

“Eu falei: ‘Olha, deixa eu te falar uma coisa, eu vou conversar com você bem devagar. Você não me responde enquanto eu estiver falando, você vai pensando na resposta’. E aí o doutor sinalizou como quem está dizendo: ‘Vai embora’. [Disse]: ‘Eu vi que tem sangue embaixo da sua unha’. Ela falou: ‘Mas eu estou menstruada’. Eu falei: ‘Não precisa me responder, mas não esqueça que você está falando com uma mulher, porque eu também menstruo'”, recordou Telma.

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A perita também confessou ter prolongado a situação. “Fui enrolando ela um pouco, falando que às vezes a gente quer tomar uma atitude, mas, no calor da emoção, a gente toma outra atitude e isso não está previsto. Que ela não ia sair de lá esculachada, algemada ou no camburão da viatura. E ela: ‘Não fui eu, não fui eu’. Eu falei: ‘Calma, deixa eu acabar de falar'”, narrou.

Foi então que Telma entregou ter forçado a confissão da suspeita. “E aí a gente deu mais uma forçadinha. […] Eu falei: ‘Só que você confessar agora para a autoridade policial vai te trazer um benefício’. E aí ela falou: ‘Fui eu’. Naquela hora que a pessoa fala ‘fui eu’… Dentro de você aparecem dois pom-pons falando: ‘Uh, caralho!'”, completou a fotógrafa.

Assista:

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Decisão do STJ

De acordo com o g1, as falas de Telma e Leandro no podcast motivaram a decisão do STJ. Após a veiculação do conteúdo, a defesa de Adriana solicitou um habeas corpus, pedindo a anulação do processo por violação de direito do silêncio. A Justiça, porém, não acatou o requerimento.

No entanto, a ministra Daniela Teixeira, da 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça, consentiu em parte o instrumento processual. “É possível ver e ouvir o relato da Sra. Telma, que detalha como convenceu a paciente a confessar o crime, sem informar de seu direito ao silêncio, bem como a busca e apreensão realizada na casa da paciente logo após a conversa”, declarou.

“O print também nos permite concluir pela identidade dos peritos Telma Rocha e Leandro Lopes, alocados no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo. A paciente não foi advertida de seu direito ao silêncio e ainda foi pressionada a confessar a prática delitiva, na contramão do princípio do devido processo legal e o direito ao silêncio de todo acusado”, explicou magistrada.

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“Desse modo, verifico a nulidade da confissão extrajudicial da acusada e a busca domiciliar realizada na casa da paciente, uma vez que ela foi concedida sem o conhecimento de seus direitos e sem voluntariedade, de modo que declaro ilícitas tais provas”, justificou Daniela. Ela determinou, ainda, que os órgãos competentes apurem a conduta funcional de Telma e Leandro.

Para a ministra, a atuação dos peritos no caso é “extremamente censurável por expor um caso que não foi julgado nos meios de comunicação, utilizando palavreado inadequado, em ambiente com bebida alcoólica e violando o dever de impessoalidade que se exige dos servidores públicos”.

Em nota ao g1, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que os agentes são investigados por meio de procedimento administrativo instaurado pela Corregedoria, que tramita sob sigilo, conforme a Lei Orgânica da instituição.

Peritos revelaram em podcast que forçaram a confissão de uma suspeita por assassinato (Reprodução/Youtube)

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Status do caso

O STJ manteve a decisão de pronúncia em face da acusada, ou seja, levar a causa a julgamento pelo júri popular. Isso porque a ré também prestou depoimento em juízo, seguindo os ritos legais. O tribunal tem data prevista para 30 de janeiro de 2025.

Após a prisão em flagrante de Adriana em 2018, a Justiça publicou sentença de pronúncia em 2019 e concedeu liberdade provisória à mulher. Na sexta-feira (6), a 3ª Vara do Júri da Capital reiterou que “não há de se falar em reconsideração da decisão que recebeu a denúncia, e que as partes devem aguardar a data do júri”.

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