Vídeo: PMs apontam armas para adolescentes negros filhos de diplomatas no Rio; meninos descrevem momentos de medo

Após o ocorrido, o Itamaraty pediu desculpas formais aos embaixadores

Os filhos dos diplomatas do Canadá, do Gabão e de Burkina Faso, foram alvo de uma abordagem da Polícia Militar nesta quarta-feira (3), em Ipanema, no Rio de Janeiro. Os adolescentes contaram que os PMs exigiram que eles abaixassem as calças a fim de revistar as partes íntimas em busca de possíveis objetos roubados.

Ao g1, os menores de idade, de 13 e 14 anos, relataram como foi a abordagem. O menor de 14 anos é filho de uma assistente do embaixador do Canadá no Brasil. Ele e outros quatro jovens, sendo dois brasileiros brancos e dois filhos dos embaixadores do Gabão e de Burkina Faso, ambos negros, estavam caminhando pela rua Prudente de Moraes, em Ipanema, quando foram abordados por policiais militares.

No início, eu achava que era uma zoeira. Então, eu estava até rindo. Mas, depois de um tempo, eu vi meus amigos com medo. E aí, eu vi que era uma coisa séria. Eles empurraram na parede, com força. Até que machucou um pouco”, disse o canadense. O adolescente brasileiro, que é branco, disse que houve mais truculência com os amigos negros. “Muito mais tensão vindo para eles, com muito mais agressividade, os encostando na parede, levantando o braço, do que comigo”, afirmou o adolescente.

Não sei se faz parte do protocolo, mas mandaram a gente mostrar o saco. Todos foram obrigados a mostrar”, disse um dos meninos. Ele lembrou que a todo tempo um dos policiais questionava onde estava um objeto. “Quando a gente deixava um dos meus amigos na casa dele, a polícia passou correndo atrás, nos empurrando, apontando a arma e nos puxando. Começaram a perguntar de onde estávamos vindo e a nos revistar. Em seguida, pediram para mostrar o saco. Eu não entendia. A todo tempo perguntavam: ‘Cadê? Cadê?! Onde vocês esconderam?!’”, contou.

Imagens de câmeras de segurança registraram o momento em que os policiais apontam armas para os jovens. O vídeo foi publicado no X pelo jornalista Guga Noblat, que é tio de um dos meninos. Ele também postou o relato de Raiana Rondhon, sua cunhada e mãe de um dos adolescentes, que contou que o grupo de quatro meninos está de férias no Rio e deixava um amigo na porta de casa quando foi abordado.

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Às 19h, voltando para casa em Ipanema, foram deixar um amigo na porta de casa, na Rua Prudente de Moraes, quando foram abruptamente abordados por policiais militares, armados com fuzis e pistolas, e sem perguntar nada, encostaram os meninos (menores de idade) no muro do condomínio. Três, dos quatro adolescentes, são NEGROS! Com arma na cabeça e sem entender nada, foram violentados. Foram obrigados a tirar os casacos, e levantar o ‘saco’. Após a abordagem desproporcional, testemunhada pelo porteiro do prédio, é que foram questionados de onde eram, e o que faziam ali. Os três negros não entenderam a pergunta, porque são estrangeiros, filhos de diplomatas, e portanto não conseguiram responder. Caetano, o menino branco e meu filho, disse que eram de Brasília e que estavam a ‘turismo’. Após ‘perceberem’ o erro, liberaram os meninos, mas antes alertaram as crianças que não andassem na rua, pois seriam abordados novamente.”, explicou Raiana.

Ela ainda afirmou que não há dúvida de que a abordagem teve componentes raciais. “As imagens, os testemunhos e o relato das crianças são claros. Não há dúvida. A abordagem foi RACIAL e CRIMINOSA. Há anos frequentamos o Rio e nunca presenciei nada parecido no quadradinho de Ipanema com meus filhos. É um lugar aparentemente seguro. Depende pra quem“, escreveu. Assista e leia a íntegra: 

Itamaraty pediu desculpas

O Ministério das Relações Exteriores recebeu nesta sexta-feira (5) os diplomatas do Gabão e de Burkina Faso. Eles foram recebidos pelo chefe do cerimonial do Itamaraty, ministro Mauro Furlan. O embaixador do Canadá não compareceu.

Na reunião, o Itamaraty pediu desculpas formais aos embaixadores e disse que acionará o governo do Rio para pedir “apuração rigorosa e responsabilização adequada dos policiais envolvidos“. “O Ministério das Relações Exteriores informa que recebeu, na manhã de hoje, os Embaixadores do Gabão e de Burkina Faso em Brasília, a propósito da abordagem policial a menores que são filhos de diplomatas acreditados junto ao Estado brasileiro“, disse a nota divulgada pelo governo.

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Na reunião, foi entregue em mãos dos Embaixadores estrangeiros nota verbal com um pedido formal de desculpas pelo lado brasileiro, e o anúncio de que o Ministério de Relações Exteriores acionará o governo do estado do Rio de Janeiro, solicitando apuração rigorosa e responsabilização adequada dos policiais envolvidos na abordagem“, continuou o comunicado.

Eles concluíram dizendo que um comunicado seria entregue ao embaixador do Canadá: “Nota de teor idêntico será entregue em mãos, ainda hoje, ao Embaixador do Canadá“. As embaixadas dos três países ainda não comentaram o episódio.

A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar afirmou que os policiais envolvidos na ação portavam câmeras corporais e as imagens serão analisadas para constatar se houve algum excesso por parte dos agentes. “Em todos os cursos de formação, a Secretaria de Estado de Polícia Militar insere nas grades curriculares como prioridade absoluta disciplinas como Direitos Humanos, Ética, Direito Constitucional e Leis Especiais para as praças e oficiais que integram o efetivo da Corporação“, acrescentou a corporação.

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