Vítima de estupro revela que teve aborto negado em 4 hospitais de SP, e pergunta feita por médico que a deixou chocada: “Saí de lá chorando”

A paciente explicou que foi sugerido que ela prosseguisse com a gestação

Uma vítima de estupro que teve o aborto legal negado em quatro hospitais da cidade de São Paulo, disse que um dos médicos a forçou a saber o sexo do bebê, apesar de ela não ter dado consentimento. A declaração foi dada em entrevista à Globo News.

A consulta aconteceu na terça-feira (25), no Hospital Municipal do Campo Limpo, na Zona Sul da capital, quando a equipe se recusou a fazer a interrupção da gravidez como prevê a lei. “Ele (médico) me perguntou se eu queria saber o sexo do neném. Mesmo ele sabendo que era de uma violência sexual, ele falou: ‘Mas você não quer saber? Assim você já vê um nome, caso você não consiga (fazer o aborto)’. E eu falei: ‘Não, não quero saber’. E mesmo assim, ele falou. Foi muito difícil“, contou.

A paciente contou para a Globo News que descobriu a gestação após perceber mudanças no corpo e que precisou de um tempo para tomar coragem e pedir ajuda. Por duas semanas, ela afirma que recebeu quatro negativas para a realização do aborto legal, presencialmente e por telefone.

Em 14 de junho, a mulher procurou o Hospital da Mulher, unidade estadual de referência no atendimento de vítimas de violência sexual. Ela fez exame de sangue e ultrassonografia e foi informado à ela que sua idade gestacional era de 24 semanas, o que impediria o procedimento na unidade.

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No dia 17 de junho, a paciente retornou ao hospital para consulta com a assistente social e psicóloga, quando foi informada novamente que o aborto não seria feito e que ela não conseguiria fazê-lo no estado de São Paulo. “A assistente social me disse que em São Paulo eu não ia conseguir fazer porque os hospitais estavam se negando, mesmo eu tendo direito em lei. A ginecologista também reforçou que é muito difícil fazer em São Paulo e como estava no meio daquela votação do novo projeto de lei, estava dificultando mais ainda. Então eu já sabia, pelo que elas estavam falando, que ia ser um pouco difícil… Mas eu não imaginava o quão difícil seria, o quão difícil está sendo“, relatou a mulher.

No dia 25 de junho, ela foi atendida no Hospital Municipal do Campo Limpo e teve o aborto legal negado mais uma vez. Um relatório entregue pela equipe médica do hospital cita que a paciente estava com 26 semanas e 3 dias, de acordo com uma ultrassonografia feita no dia 21 de junho, e nega o atendimento.

Hospital Municipal do Campo Limpo negou o aborto duas vezes. (Foto: Reprodução/g1)

Além disso, a paciente explicou que foi sugerido que ela prosseguisse com a gestação. “A psicóloga me disse: ‘Se você não conseguir (fazer o aborto legal), você sabe que você vai ter que criar. Então seria mais fácil você já começar um pré-natal?’. E eu falei: ‘Não, porque o que eu estou pedindo é algo que eu tenho direito diante a lei, então eu não quero pensar que eu não vou conseguir, porque eu estou atrás de um direito meu’. Somente não sabia que era tão difícil, né? Não é só o meu caso, eu imagino que tenha tantos outros casos que também estão sendo difíceis. E também há muita desinformação“, declarou.

O documento entregue no Hospital Municipal do Campo Limpo e obtido pela Globo News aponta que a mulher se recusou a fazer “pré-natal de alto risco e acompanhamento psicossocial“. Sem indicar ou encaminhá-la para outra unidade municipal que pudesse realizar o aborto legal como determinou a Justiça de São Paulo, o hospital formalizou no relatório que a orientação era que fosse procurada a Defensoria Pública.

Foi muito frustrante, eu saí de lá chorando. Eu só estou querendo uma coisa que eu tenho direito por lei, eu não quero nada mais do que isso. O que eu passei, eu não quero que outra pessoa passe, também não quero que outra pessoa escute isso. Porque já é um caminho muito, muito difícil de ser percorrido. Então eu queria ser acolhida, só isso é muito difícil“, lamentou.

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A paciente agora aguarda a resposta da Prefeitura sobre o local de atendimento, como determinou a Justiça. “Pra mim é uma esperança. Eu espero muito que dê certo“, concluiu ela.

O aborto é legalizado no Brasil em caso de estupro. A legislação brasileira determina que a mulher violentada sexualmente pode recorrer ao aborto legal em qualquer período. Após as 22 semanas de gestação, é feita a assistolia fetal – que consiste em uma injeção de produtos que induz à parada do batimento do coração do feto antes de ser retirado do útero da mulher. O procedimento é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Recentemente, a Câmara dos Deputados quis aprovar uma lei para punir a mulher estuprada que abortasse após 22 semanas, mas o projeto está parado e a discussão só deve retomar no segundo semestre.

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