Colombiana se torna 1ª pessoa no mundo a fazer cirurgia inédita para depressão crônica; saiba como funciona

Lorena Rodríguez passou por uma cirurgia de estimulação cerebral profunda para reverter um quadro de depressão

Lorena Rodríguez, de 37 anos, é a 1ª paciente no mundo a passar por uma cirurgia de estimulação cerebral profunda (DBS) para tratar depressão resistente. Após mais de 20 anos sem resposta dela a tratamentos, o procedimento inovador foi realizado na Colômbia com abordagem inédita em múltiplos alvos cerebrais. Lorena relatou a melhora significativa e as mudanças em sua vida.

Lorena Rodríguez, de 37 anos, se tornou a primeira pessoa no mundo a passar por uma cirurgia de estimulação cerebral profunda para reverter um quadro de depressão. Nesta quinta-feira (14), em entrevista ao g1, ela relatou que viveu mais de duas décadas entre crises de ansiedade e episódios depressivos, testando diferentes tratamentos, sem obter êxito.

A administradora de empresas e mestre em marketing e gestão comercial contou que os primeiros sinais surgiram ainda na adolescência. “Era como viver por obrigação, no piloto automático. Sentia tristeza, vazio e uma ansiedade que não passava. Mesmo em momentos que deveriam ser felizes, eu não conseguia estar presente”, ponderou.

Com o tempo, ela passou a ter enxaquecas e dificuldade para executar tarefas simples, como levantar da cama. “Entendi que não era uma fase, mas uma condição clínica. Meu próprio cérebro parecia me trair”, disse. Lorena foi diagnosticada com transtorno misto de ansiedade e depressão, resistente a terapias convencionais.

Ela fez uso de mais de cinco tipos de antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores do humor. Também passou por psicoterapias diversas, meditação, medicina funcional, mudanças de país e práticas espirituais. Alguns métodos trouxeram o alívio temporário, mas a melhora não chegou a ser duradoura.

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A cirurgia

O procedimento foi feito em abril deste ano, em Bogotá. Segundo o neurocirurgião responsável, William Contreras, são em casos como o de Lorena que a estimulação cerebral profunda (DBS) é indicada. “Quando todos os tratamentos convencionais falham, a DBS oferece modulação contínua e reversível dos circuitos cerebrais ligados ao humor e à motivação. O objetivo é ajustar a atividade elétrica dessas áreas para aliviar os sintomas”, explicou.

A possibilidade de cirurgia surgiu por acaso. A administradora conheceu o trabalho de Contreras ao acompanhar a sobrinha em uma consulta com ele. Contudo, ao descobrir que o neurocirurgião também operava casos de transtornos do humor, abriu o seu quadro para ele, em dezembro de 2024.

A cirurgia consiste na implantação de eletrodos na área subgenual do córtex cingulado (SCG25) – uma região associada à tristeza profunda – e no braço anterior da cápsula interna, uma via que conecta áreas do pensamento racional a estruturas emocionais, como o núcleo accumbens.

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“Usamos quatro eletrodos, dois por hemisfério, para atingir simultaneamente essas regiões. É a primeira vez no mundo que essa abordagem multitarget, direcionada a múltiplos alvos, é feita para depressão resistente”, destacou Contreras. Conforme o g1, até a cirurgia de Lorena, não havia nenhuma publicação científica relatando procedimentos similares.

Como funciona a DBS?

O procedimento começa com um mapeamento detalhado do cérebro, feito por exames de ressonância magnética e uma técnica chamada tractografia, que mostra como as fibras nervosas se conectam. A partir dessas imagens, os médicos identificam os pontos exatos onde será feita a estimulação.

Em seguida, são implantados eletrodos com precisão de milímetros em áreas profundas do cérebro. Esses fios são ligados a um neuroestimulador, um pequeno aparelho colocado no tórax, que envia impulsos elétricos constantes para “regular” a atividade dos circuitos cerebrais.

Lorena realizou uma cirurgia de estimulação cerebral profunda para reverter um quadro de depressão. (Foto: Divulgação/Willam Contreras)

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Os resultados, por sua vez, nem sempre são iguais. Entre 40% e 60% dos pacientes apresentam melhora significativa dos sintomas, e de 20% a 30% chegam a uma remissão duradoura, ou seja, ficam sem sinais da doença por longos períodos.

No caso de Lorena, ela sabia que seria um procedimento invasivo, uma vez que precisaria ficar acordada boa parte do tempo para que os cirurgiões testassem os estímulos. “Tinha medo. Mas se não tentasse, estaria traindo a parte de mim que ainda acreditava na vida. Entrei no centro cirúrgico com medo, mas também com fé”, recordou.

A operação, realizada no Hospital Internacional da Colômbia, foi guiada por ressonância magnética de alta resolução e mapeamento das conexões cerebrais.

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“A novidade no caso da Lorena é que realizamos uma cirurgia baseada diretamente nos sintomas. A condição dela incluía vários circuitos cerebrais: ruminação, culpa, ansiedade e tristeza. Cada um envolvendo redes diferentes. Um único eletrodo por hemisfério, que é o padrão para esse tipo de cirurgia, seria insuficiente”, declarou Contreras.

“Por isso, usamos quatro pequenos sensores que medem a atividade elétrica do cérebro e analisam como as áreas se conectam entre si. Assim, conseguimos ajustar a estimulação de forma personalizada para cada região envolvida. No dia seguinte à cirurgia, ela me disse que sentia como se tivesse tirado um peso do peito”, completou o neurocirurgião.

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Processo de recuperação

A colombiana contou que sentiu dores de cabeça e cansaço nos primeiros dias, mas também percebeu mudanças. “É como voltar a ver a luz, como se a luz estivesse entrando por frestas que antes estavam fechadas”, refletiu. Conforme ela e o médico, os ajustes no neuroestimulador têm proporcionado momentos inéditos de estabilidade.

Operada há quatro meses, Lorena listou as melhorias em sua vida: “Voltei a fazer planos sem medo. Ainda sou eu, mas agora tenho espaço para viver, não só resistir”. Para ela, a cirurgia foi como o próprio renascimento. “Escolhi a vida mais uma vez. E, desta vez, com esperança real”, celebrou.

Já William Contreras reforçou como procedimentos como este são um marco para a medicina latino-americana. “Mostram que temos capacidade científica e tecnológica para oferecer tratamentos de ponta sem que o paciente precise ir para fora do continente”, concluiu.

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