Pacientes revelam sintomas graves após uso de caneta emagrecedora falsificada e fazem alerta: ‘Quase morri’

Especialistas também listaram os agravantes àqueles que compram e fazem uso das canetas emagrecedoras falsificadas

Pacientes relataram os sintomas que tiveram após fazer o uso de canetas emagrecedoras falsificadas, que não seguem as normas da Anvisa. Especialistas ainda apontaram os agravantes, enquanto a fabricante do Mounjaro se pronunciou.

O chef de cozinha Paulo Marin, 50 anos, quase morreu após usar tirzepatida, princípio ativo do Mounjaro, falsificado. Nesta quinta-feira (11), ao g1, ele contou que optou pela caneta emagrecedora após uma amiga comentar no salão de beleza que “todo mundo estava emagrecendo horrores”.

Em poucos dias, Marin recebeu o contato de um suposto médico que aplicava a medicação em um consultório improvisado. O local tinha apenas uma maca, uma mesinha e duas cadeiras. Além disso, nenhuma ampola, lote ou receita eram mostrados.

“Ele aplicava a dose e pronto. Eu não via o frasco. Ele dizia que era endocrinologista, mas nunca vi CRM. Custava R$ 250 por semana”, disse o chef.

Na primeira aplicação, ele já apresentou náuseas fortes, tontura, vômito e um hematoma roxo na barriga. Porém, decidiu tentar mais uma vez na semana seguinte. Os sintomas se intensificaram e, além deles, não perdeu peso.

Anúncio ao qual Paulo teve acesso (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Meses antes, Paulo já havia vivido outro episódio também motivado pela promessa de emagrecimento rápido. Uma conhecida vendia a suposta “caneta do Paraguai”, com quatro aplicações por R$ 1.200, parcelados na maquininha. Ele aplicou em um dia pela manhã, e não demorou para apresentar os mesmos sinais.

“Horas depois, tontura, diarreia, vômito, enxaqueca. Fui parar no hospital. Joguei o resto fora”, recordou. As reações, por sua vez, já são conhecidas por quem monitora o mercado clandestino. Ao portal, especialistas abordaram a venda do Mounjaro falsificado, não atendendo às normas previstas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

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Maria Fernanda Barca, doutora em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), relatou que, ao analisar essas canetas em laboratório, já foram identificados: soluções com pureza muito abaixo do aceitável, frascos sem esterilidade mínima, insumos de origem desconhecida, tentativas de imitar a concentração usada pela indústria sem qualquer precisão técnica, e presença de sibutramina, proibida para uso injetável.

Segundo ela, muitos danos começam na cadeia de produção. As canetas falsificadas, por exemplo, são feitas em ambientes que não seguem normas de assepsia, com matérias-primas baratas e dificilmente rastreáveis. Logo, os frascos superconcentrados, vendidos para múltiplos pacientes, ampliam o risco de contaminação.

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O endocrinologista do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Cohen, Clayton Macedo, abordou a gravidade dos casos. Ele explicou que, em testes independentes, frascos vendidos como tirzepatida apresentaram purezas entre 7% e 14%, quando o medicamento real exige 99%. “É outra substância. É um composto instável. Não se comporta como tirzepatida e não tem como gerar o efeito terapêutico esperado”, detalhou.

“Quando o produto sequer contém tirzepatida — ou traz ingredientes não declarados — estamos diante de falsificação”, reforçou Barca. Quando não são seguidas as condições rígidas fixadas pela Anvisa, cria-se um cenário de preparação irregular.

Outros especialistas também afirmam que o mercado clandestino opera justamente nessas duas zonas proibidas. Quase nunca há rastreabilidade, controle de esterilidade ou a pureza adequada. Tal fato abre caminho para diluições improvisadas, contaminações e dosagens completamente erradas.

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O barato sai caro

Outro caso que chamou atenção foi o da aposentada Ivete de Freitas, 69 anos. Embora tivesse uma prescrição legítima de Mounjaro, se deixou levar por uma conversa entre amigas sobre economizar dinheiro. Um conhecido disse que “importava da Argentina” o medicamento e ofereceu uma carona no pedido.

O frasco chegou sem nome comercial, apenas com uma composição impressa. Mesmo desconfiada, Ivete aplicou. Minutos depois, seu corpo foi coberto por placas vermelhas. “Parecia sarampo, subiu da cintura para o pescoço. À noite piorou”, descreveu. Ela fez a aplicação outras quatro vezes e só interrompeu quando percebeu que os sintomas cutâneos e o mal estar se intensificaram. A médica que a acompanha confirmou que o quadro poderia ter sido ainda mais grave.

Medicamento importado e usado por Ivete (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Barca citou que outras reações comuns em pacientes envolvem surtos psicóticos, diverticulite e reações gastrointestinais violentas — sendo estas as mais frequentes. O risco de infecções também aumenta e as alterações na composição química podem levar a quadros neurológicos e cardiovasculares. Em casos mais graves, há risco de morte.

O que diz a fabricante

Ao g1, a Eli Lilly, fabricante do Mounjaro, garantiu seguir as normas da Anvisa. De acordo com a empresa, qualquer solução líquida vendida como tirzepatida fora dos canais oficiais deve ser considerada falsificada.

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Em nota, a farmacêutica confirmou já ter identificado ampolas clandestinas contendo substâncias desconhecidas, além de presença de impurezas, ausência completa de tirzepatida e até misturas com outros ativos, como estimulantes e derivados não declarados.

A Lilly enfatizou que não existe versão em “caneta avulsa”, frascos multidoses ou apresentações vendidas por atravessadores. O Mounjaro legítimo só é distribuído em canetas descartáveis, seladas e rastreáveis, mediante prescrição médica. “A integridade química e microbiológica desses produtos não pode ser garantida. Não há controle de qualidade, esterilidade, cadeia fria nem rastreabilidade da origem dos insumos”, concluiu a fabricante.

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