Modelos e profissionais da moda acusam estilistas Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço de racismo e conduta abusiva, e eles se pronunciam; saiba os detalhes

Os movimentos antirracistas ao redor do globo têm abalado as estruturas da sociedade. Depois do mundo do entretenimento refletir sobre a desigualdade racial publicamente, a indústria da moda teve seu lado nada glamouroso desmascarado nas redes sociais. Os renomados estilistas Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço foram acusados de racismo, enquanto modelos desabafaram sobre casos lamentáveis de preconceito vividos nos bastidores fashion.

Motivada pelas mobilizações do movimento #VidasNegrasImportam e outras tags que discutem o racismo na sociedade, a modelo Thayná Santos abriu um espaço em seu perfil no Instagram para denunciar casos de preconceito na moda. A atitude foi tomada principalmente por conta do comportamento incoerente das empresas, que estavam se posicionando a favor da comunidade negra na web, mas em sua grande maioria possuem práticas racistas.

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Em alguns casos de forma anônima — e outros publicamente mesmo —, muitas mulheres pretas que trabalham no segmento foram expondo nomes de estilistas e empresários que as discriminaram por conta da cor da pele. Os stories, salvos nos destaques do perfil da modelo, reúnem histórias chocantes de pessoas pretas.

Thayná Santos percebeu que o posicionamento de muitas marcas contra o racismo, não condizia com histórias dos bastidores. Foto: Reprodução/Instagram

Muitas meninas foram maltratadas durante a seleção de modelos para desfiles, algumas não eram escolhidas por não terem “cara de rica”, e muitas ouviram comentários ofensivos sobre seus cabelos, principalmente aquelas com fios cacheados, ou que usavam black power.

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A grande “coincidência” nestes casos era que grande parte deles se referiam aos nomes de Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço. “Gloria sempre foi extremamente preconceituosa e não aceitava nem [modelos] morenas, tinham que ser brancas. Quando morava na casa de modelos em época de semana de moda, eles nem mandavam as mais escuras para o casting dela, porque todos já sabiam que ela não queria no casting”, desabafou uma modelo anonimamente.

Foto: Reprodução/Instagram

Gloria optou por entrar em contato diretamente com Thayná. “Sinto muitíssimo que você ou qualquer outra menina tenha se sentido desprivilegiada ou sem acesso às mesmas oportunidades dentro da minha marca e do sistema de moda. Reconheço que por muitos séculos a moda privilegiou padrões de beleza eurocentristas, e que eu ou pessoas da minha equipe no passado possamos ter compactuado com isso, ou sido interpretados dessa forma”, escreveu.

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“Estou aqui me comprometendo a ser melhor, a garantir que minha equipe seja melhor. Está nas nossas mãos desmantelar o racismo sistêmico. Eu tenho genuína e profunda admiração pela beleza, criatividade e ancestralidade preta e indígena. Recentemente a capa do meu catálogo de Verão 2019/2020 foi estampada por uma modelo preta, a Savannah… Estou comprometida em ouvir, me educar, educar aos que me rodeiam, e incluir mais criatividade e diversidade em minha marca”, prometeu.

Foto: Reprodução/Instagram
Foto: Reprodução/Instagram

Com Reinaldo, a situação teve um alcance ainda maior. O Instagram “Moda Racista” tem reunido diversas publicações expondo marcas e profissionais com conduta racista e abusiva nos bastidores da moda brasileira. O estilista, que é ex-marido de Gloria Coelho, é um dos nomes mais citados nas denúncias, com histórias dignas do filme “O Diabo Veste Prada”.

“Já vi ele jogar coisas nos outros, xingar, humilhar todo mundo que ele considerava inferior. Quando ele estava na sala, por exemplo, você não podia sentar nunca, era uma regra. Só ele sentava e você tinha que ficar de pé, independente do tempo”, relatou uma ex-funcionária.

https://www.instagram.com/p/CBJwSXLJs4x/

https://www.instagram.com/p/CBLwParp8fE/

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Procurado pela revista Veja, Reinaldo se pronunciou: “Eu errei. Tenho consciência de que me faltou empatia e compreensão em relação às modelos negras e aos outros profissionais de moda. Desculpem-me. As recentes críticas e observações de quem se sentiu constrangido em algum casting, backstage ou desfile suscitaram autorreflexão. Eu vou mudar, assim como o sistema da moda será obrigado a mudar também”.

Uma das principais influenciadoras digitais do país, Lala Rudge, que é proprietária de uma marca de lingeries, foi citada por alguém no perfil de Thayná por não contratar meninas que não fossem brancas. Em resposta, ela explicou que a atitude fazia parte de um posicionamento da marca para refletir sua própria imagem nas campanhas publicitárias.

“Em todas as minhas campanhas sempre coloquei modelos que lembrassem o meu perfil para associarem a marca a mim… Não sei se entendeu direito, mas em resumo: nunca tínhamos trabalhado com negras porque seguíamos sempre o mesmo perfil… Não tem ruiva e praticamente nenhuma morena, mas no ano passado resolvemos não seguir mais esse caminho e fizemos a campanha que postei… Quero cada vez mais ter representatividade. Não somente negras, mas ruivas, japonesas para todas se identificarem”, explicou.

Foto: Reprodução/Instagram
Foto: Reprodução/Instagram

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Outro profissional exposto pelo “Moda Racista” foi Daniel Hernandez, maquiador de grandes modelos e celebridades, como Gisele Bündchen, Giovanna Ewbank, Sabrina Sato e Grazi Massafera. Além de ser acusado por gordofobia, o profissional disse em uma ocasião que o cabelo afro, das mulheres pretas, era ruim. Em sua defesa, ele alegou que foi uma “brincadeira” de mau gosto do passado, e que hoje em dia não faz mais isso.

https://www.instagram.com/p/CBHYFFtp3rQ/

“Eu sei que não é brincadeira, eu falei que no passado era brincadeira. Hoje em dia faz muito tempo que eu não faço esse tipo de brincadeira. Eu tomei consciência faz um bom tempo e no momento eu tô bem consciente. Nessas duas últimas semanas eu tô mergulhado a fundo em tudo isso que tá acontecendo pra entender melhor, pra ser mais empático. Fiquei muito triste quando vi isso hoje”, declarou.

https://www.instagram.com/p/CBJELZ9pYE9/

https://www.instagram.com/p/CBJFDw0AcaI/

Com a iniciativa de Thayná Santos, Paulo Borges, criador do São Paulo Fashion Week, realizou uma live no Instagram no sábado (6), apenas com modelos negras. A jovem foi uma das participantes e se emocionou profundamente nos stories com todo o movimento que estava acontecendo. “Eu tô muito grata e orgulhosa com tudo isso que está acontecendo. Queria agradecer ao Paulo por disponibilizar o seu Instagram, a escutar o que a gente tinha pra falar. Queria agradecer a todo mundo que mandou mensagens de carinho, apoio”, disse, enquanto chorava.

https://www.instagram.com/tv/CBGg_i8BYQH/?utm_source=ig_web_copy_link

https://www.instagram.com/p/CBG8Eykg7Kz/?utm_source=ig_web_copy_link

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O posicionamento de Gloria Coelho na íntegra:

“Sinto muitíssimo que qualquer menina tenha se sentido desprivilegiada ou sem acesso às mesmas oportunidades dentro da minha marca e do sistema de moda. Reconheço que por séculos a moda privilegiou padrões de beleza eurocentristas, e que eu ou pessoas da minha equipe no passado possamos ter compactuados com isso, ou sido interpretados dessa forma. Estou aqui me comprometendo a ser melhor, a garantir que minha equipe seja melhor. Está nas nossas mãos desmantelar o racismo sistêmico.

Eu tenho genuína e profunda admiração pela beleza, criatividade e ancestralidade afrodescendentes e indígena. Estou comprometida em ouvir, me educar, educar aos que me rodeiam, e incluir mais criatividade e diversidade em minha marca. Estou ouvindo todas vocês, e quero que tenhamos este canal aberto para fortalecermos essa luta e traçarmos um novo caminho, mais justo e inspirador, para a moda brasileira.

Me comprometo a incluir mais modelos afrodescendente, indígenas nos meus desfiles. Me comprometo a partir de agora. Eu e minha equipe estamos unindo forças para ampliar nosso casting e garantir que todas as meninas tenham experiências positivas em castings e fittings. Me comprometo a incluir meninas pretas em todas as campanhas futuras, e que o Instagram da marca represente igualmente pretas ,índias brancas , morenas e orientais.

Estamos também trabalhando para encontrarmos mais candidatos e candidatas afrodescendente para contratações nas áreas criativas, além das outras áreas da empresa. Esse já era um movimento que estávamos fazendo e vamos nos esforçar ainda mais.

Mais uma vez, peço perdão a quem eu magoei”.

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O posicionamento de Reinaldo Lourenço na íntegra:

“Eu errei. Tenho consciência de que me faltou empatia e compreensão em relação às modelos negras e aos outros profissionais de moda. Desculpem-me. As recentes críticas e observações de quem se sentiu constrangido em algum casting, backstage ou desfile suscitaram autorreflexão. Eu vou mudar, assim como o sistema da moda será obrigado a mudar também. Comprometo-me a promover inclusão efetiva, com mais modelos negras na passarela e nas campanhas. Quero contribuir para que as mulheres negras também sejam respeitadas como consumidoras da moda nacional. Não medirei esforços a fim de ampliar a representatividade e valorizar a diversidade racial brasileira por meio da minha marca. Em relação às modelos negras e aos outros profissionais de moda. Desculpem-me”.