Neste domingo (19), o caso de Kawara Welch foi tema de reportagem no “Fantástico“. A mulher, que se apresenta como artista plástica nas redes sociais, foi presa no início de maio pelo crime de ‘stalking’ contra um médico de Ituiutaba, no Triângulo Mineiro. Ao dominical, o profissional narrou os terrores que sofreu ao longo dos cinco anos de perseguição, nos quais foi submetido a mais de 1300 mensagens por dia e cerca de 500 ligações consecutivas.
A prática de “stalking” se tornou crime em 2021, quanto foi incluída no Código Penal. Ela configura perseguição por meio de mensagens, ligações, comentários invasivos nas redes sociais e até perfis falsos usados para acompanhar o alvo da obsessão, bem como seus amigos e familiares. Além disso, incluí também situações em que o perseguido nota o perseguidor no mesmo local que ele frequentemente, forçando-o a mudar sua rotina.
Este foi o caso do médico, alvo de Kawara, que preferiu manter sua identidade em segredo. “Ela ficava me esperando na esquina do meu trabalho, ela invadiu a minha vida, eu fui perseguido várias vezes”, começou.
Os dois teriam se conhecido em 2018, em uma consulta num hospital particular, quando a mulher apresentou problemas de depressão. “Ela falou que aquilo não era uma coincidência, que ninguém salva a vida do outro tantas vezes do nada, que aquilo tinha alguma coisa a mais”, recordou o profissional.
Após outros dois atendimentos, Kawara então foi atrás da clínica onde o médico trabalha, o que deu início ao “stalking”. “Ela teve acesso ao meu celular e ela começou a passar mensagens para mim. Ela começou a passar fotos perturbadoras mesmo, amarrando lençol, cordas no pescoço e se despedia de mim… eu entrei em pânico”, confessou a vítima.
Kawara passou a enviar mensagens em tom de ameaça ao médico: “Ela começou a falar: ‘Olha, você é um cara casado e tem conversas nossas’. Ela começou a falar que ela ia mostrar nossas conversas pra minha esposa, que a nossa conversa, segundo ela, é uma conversa desnecessária, que um homem casado não teria com uma paciente, então ela começou a usar isso contra mim”.
Em uma tentativa de colocar um fim à situação, o profissional parou de atender a mulher em sua clínica. Entretanto, Kawara insistiu e foi atrás dele no hospital particular durante seus plantões. Nestas ocasiões, o médico pedia que outro profissional a atendesse, para evitar qualquer contato com a mulher.
Todavia, a situação se agravou ainda mais. “Em uma situação especial, ela chegou a me passar 1300 mensagens num dia e ligações, ela chegou a me ligar mais de 500 ligações em um único dia. Eu troquei de número de celular umas três ou quatro vezes, mas eu parei de trocar, porque eu vi que era totalmente inútil, ela tinha uma facilidade incrível em achar meu número novo”, relatou a vítima.
Em certo ponto, a reportagem mostra uma conversa entre o médico e Kawara na época em que tudo aconteceu. “Vamos sentar e conversar?”, pede ela, com a voz chorosa, antes que o médico desligue.
Ao dominical, o profissional de saúde explica o conteúdo das mensagens às quais foi submetido. “Como se tivesse num relacionamento e como ela se sentia frustrada, porque ela via que o relacionamento não era viável como ela pensava, e aí mudava para cunho de chantagem mesmo. ‘Olha, tudo o que eu tenho aqui eu vou pôr na internet, eu vou fazer a sua esposa ler tudo'”, detalhou.
Além do médico, sua esposa e seu filho também foram alvos das ligações insistentes da stalker. “Ela não perdoa nem uma criança. É uma ameaça. Eu me sinto muito ameaçada”, contou a esposa. “Ela ligava quando ele tinha sete, oito anos e ele não entendia. Ele falava: ‘Papai, tem uma mulher me ligando aqui, perguntando se eu tô na escola, onde que eu tô, se eu estou sozinho'”, disse a vítima.
Segundo a investigação, Welch também fez montagens e as publicou nas redes sociais para dar a impressão de que o envolvimento romântico entre ela e o médico era real. Não satisfeita com a perseguição via telefone e web, Welch também passou a procurar o médico em público e foi flagrada por câmeras de segurança.
Para escapar, ele foi forçado a dirigir na contramão em certas situações. “Eu tive momentos de horror, eu entrava em pânico porque ou ela aparecia ou ela fazia alguma coisa inesperada”, confessou.
Uma dessas coisas foi viajar para encontrar o profissional enquanto ele fazia cursos em outros estados. Desde 2019, a vítima registrou cerca de 42 boletins de ocorrência contra Kawara. Em 2020, a stalker chegou a assinar um acordo no Ministério Público de Minas Gerais, concordando em deixá-lo em paz. Entretanto, de nada adiantou.
Ao longo dos anos em que atormentou o médico, Welch foi presa duas vezes pelo crime de stalking, mas foi solta sob uma condição: a de não manter contato com a vítima.
Porém, o caso evoluiu a ponto de resultar em agressão, quando Kawara invadiu seu consultório, em 2022, enquanto uma paciente era atendida. Na ocasião, ela trocou golpes com a esposa do médico. Em 2023, no mesmo local, ela voltou a atacar novamente, desta vez com xingamentos e até acusações de roubo. “Você tomou o celular pra quê?”, questiona o médico. “Porque as provas tão tudo lá! Eu só quero conversar, eu mudo até de cidade. Mas você vai ser homem, porque você me prometeu o céu e o mundo”, dispara a stalker.
Em março de 2023, a Justiça determinou a prisão preventiva de Kawara, após descumprir novamente as medidas cautelares. Ela ficou mais de um ano foragida até ser presa na semana passada, numa faculdade em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Ela estudava nutrição na instituição.
Jean Filipe Alves, a defesa da stalker, alega que houve um envolvimento entre ela e o médico. “Houve uma situação muito mal aceita e desgostosa por parte da companheira e tal da suposta vítima. Ela não praticou nenhuma desses crimes que estão sendo alegados a ela, ela só está indo atrás da pessoa que também a quer”, disse o advogado.
Entretanto, a vítima nega que tenha mantido qualquer relação com ela. A polícia, inclusive, endossa. “Nós acreditamos que não houve esse relacionamento. E, mesmo se houvesse, não justifica de forma alguma esse tipo de ação, esse tipo de conduta da Kawara”, afirma o delegado Rafael Faria, que ainda investiga como a stalker conseguiu disparar mensagens de 2 mil números diferentes. A polícia apura se a mesma teve ajuda de um hacker para clonar os números.
Segundo o psiquiatra Daniel Barros, a prática de stalking pode ou não ter relação com transtornos psíquicos. Porém, no processo, não foi apresentado qualquer laudo sobre as condições mentais de Kawara. Já o médico e a esposa foram submetidos a tratamento para controlar o pânico. Assista à reportagem completa:
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