Nesta quinta-feira (8), a Agência Mundial Antidoping (WADA) revelou um esquema conduzido pela Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA) nos últimos anos, que permitiu que atletas pegos no doping competissem sem sofrer punições.
O anúncio foi feito em meio a uma crescente disputa entre os times da China e dos Estados Unidos nas Olimpíadas de Paris. Os principais nadadores chineses enfrentaram uma série de acusações de doping, seguidas por alegações polêmicas dos EUA de que a WADA estaria encobrindo casos.
A China apontou, ainda, que seus atletas olímpicos foram testados duas vezes mais do que os de outras nacionalidades, interpretando isso como uma tentativa deliberada de prejudicá-los na competição. A Agência Chinesa Antidoping (CHINADA) chegou a requisitar mais testes em atletas norte-americanos e acusou os Estados Unidos de ocultarem abusos “sistêmicos” de seus atletas e autoridades.
Com as acusações trocadas, a WADA confirmou que estava ciente de um esquema da USADA, que envolvia pelo menos três atletas irregulares em eliminatórias olímpicas e eventos internacionais. Esses atletas atuavam como “agentes secretos da USADA”, identificando outros competidores que usavam substâncias proibidas.
Sem citar nomes, a entidade destacou o caso de um atleta de elite que, mesmo admitindo o uso de esteroides, competiu por anos com a permissão da Agência Antidoping dos Estados Unidos.
A WADA contou que foi encorajada pela USADA a não revelar o caso e se viu “de mãos atadas” dada a complexidade da situação: “Seu caso nunca foi publicado, os resultados nunca foram desqualificados, o prêmio em dinheiro nunca foi devolvido e nenhuma suspensão foi cumprida. O atleta foi autorizado a competir contra seus competidores desavisados como se nunca tivessem trapaceado. Nesse caso, quando a USADA finalmente admitiu à WADA o que estava acontecendo, ela aconselhou que qualquer publicação de consequências ou desqualificação de resultados colocaria a segurança do atleta em risco e pediu à WADA que concordasse com a não publicação. Sendo colocada nessa posição impossível, a WADA não teve escolha a não ser concordar”.
Por fim, a organização acusou a agência norte-americana de “hipocrisia” em vista das frequentes acusações contra competidores de outros países, como a China e a Rússia. “É irônico e hipócrita que a USADA grite quando suspeita que outras Organizações Antidoping não estão seguindo as regras à risca, enquanto não anunciou casos de doping por anos e permitiu que trapaceiros continuassem competindo”, disparou a entidade.
Leia a nota na íntegra:
“A Agência Mundial Antidoping (WADA) responde a uma reportagem da Reuters de 7 de agosto de 2024 expondo um esquema pelo qual a Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA) permitiu que atletas que se dopararam competissem por anos, em pelo menos um caso, sem nunca publicar ou sancionar suas violações das regras antidoping, em violação direta do Código Mundial Antidoping e das próprias regras da USADA.
Este esquema da USADA ameaçou a integridade da competição esportiva, que o Código busca proteger. Ao operá-lo, a USADA estava em clara violação das regras. Ao contrário das alegações feitas pela USADA, a WADA não aprovou esta prática de permitir que trapaceiros de drogas competissem por anos com a promessa de que tentariam obter evidências incriminatórias contra outros.
Dentro do Código, há uma disposição pela qual um atleta que fornece assistência substancial pode posteriormente solicitar a suspensão de uma proporção de seu período de inelegibilidade. No entanto, há um processo claro para isso, que não envolve permitir que aqueles que trapacearam continuem a competir enquanto podem ou não reunir evidências incriminatórias contra outros e enquanto podem reter um efeito de melhoria de desempenho das substâncias que tomaram. Quando a WADA finalmente descobriu sobre essa prática não conforme em 2021, muitos anos depois de ter começado, ela imediatamente instruiu a USADA a desistir.
A WADA agora está ciente de pelo menos três casos em que atletas que cometeram violações graves das regras antidoping foram autorizados a continuar competindo por anos enquanto agiam como agentes secretos da USADA, sem que a WADA fosse notificada e sem que houvesse qualquer disposição permitindo tal prática sob o Código ou as próprias regras da USADA.
Em um caso, um atleta de elite, que competiu em eliminatórias olímpicas e eventos internacionais nos Estados Unidos, admitiu ter tomado esteroides e EPO, mas foi autorizado a continuar competindo até a aposentadoria. Seu caso nunca foi publicado, os resultados nunca foram desqualificados, o prêmio em dinheiro nunca foi devolvido e nenhuma suspensão foi cumprida. O atleta foi autorizado a competir contra seus competidores desavisados como se nunca tivessem trapaceado. Nesse caso, quando a USADA finalmente admitiu à WADA o que estava acontecendo, ela aconselhou que qualquer publicação de consequências ou desqualificação de resultados colocaria a segurança do atleta em risco e pediu à WADA que concordasse com a não publicação. Sendo colocada nessa posição impossível, a WADA não teve escolha a não ser concordar (após verificar com seu Departamento de Inteligência e Investigações que a ameaça à segurança era crível). O doping do atleta, portanto, nunca foi tornado público.
Em outro caso de um atleta de alto nível, a USADA nunca notificou a WADA sobre sua decisão de suspender a suspensão provisória de um atleta, o que é uma decisão apelável, apesar de ser obrigada a fazê-lo sob o Código. Se a WADA tivesse sido notificada, ela nunca teria permitido isso.
Como outros atletas devem se sentir sabendo que estavam competindo de boa-fé contra aqueles que eram conhecidos pela USADA por terem trapaceado? É irônico e hipócrita que a USADA grite quando suspeita que outras Organizações Antidoping não estão seguindo as regras à risca, enquanto não anunciou casos de doping por anos e permitiu que trapaceiros continuassem competindo, na remota possibilidade de que pudessem ajudá-los a pegar outros possíveis violadores. A WADA se pergunta se o Conselho de Diretores da USADA, que governa a USADA, ou o Congresso dos EUA, que a financia, sabiam sobre essa prática não conforme que não apenas minou a integridade da competição esportiva, mas também colocou a segurança dos atletas cooperantes em risco”.
USADA responde
Após resposta da WADA, a USADA se pronunciou e defendeu o uso de infratores como informantes. Em nota, a agência justificou a decisão afirmando que, em um dos casos, o atleta forneceu informações para uma investigação do FBI sobre esquema de tráfico de pessoas e drogas.
“É uma maneira eficaz de lidar com esses problemas maiores e sistêmicos”, declarou o presidente-executivo da USADA, Travis Tygart, à Reuters.
O Código Mundial Antidoping, do qual a USADA é signatária, estabelece que um atleta que forneça “ajuda substancial” em uma investigação sobre doping pode solicitar a redução de sua suspensão após o processo. No entanto, de acordo com a reportagem da Reuters, não há nenhuma cláusula que permita que atletas infratores continuem competindo sem enfrentar processo ou sanção.
Tygart, por sua vez, apoia a utilização de tais atletas como uma forma de reunir informações sobre criminosos envolvidos com doping e tráfico esportivo.
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