Não tem como falar da novela ‘Segundo Sol’ sem passar pelo personagem cheio de conflitos internos e diríamos até personalidade duvidosa que é Edgar. Quem empresta o corpo e o talento ao “mimado” pai de Rochelle (Giovanna Lancellotti) é alguém reconhecido por sua gentileza e sensibilidade: Caco Ciocler.
A feição de bom moço e o corpão de dar inveja do ator faz com que muita gente simpatize de cara com o personagem. Do lado de fora das telas, Caco Ciocler também é o tipo de pessoa que encanta só com o olhar, mas vai bem além disso. Aos 46 anos, ele se tornou avô e com a chegada da neta Elis redescobriu o universo digital e da escrita também. E foi neste clima que Caco respondeu as nossas perguntas. Vem com a gente!
HG: Como um típico personagem de João Emanuel Carneiro, o Edgar foi mudando muito ao longo da novela. Como você enxerga essa trajetória e o que você espera para ele?
A delicia desses personagens é que não são chapados. Passam por transformações, sim, mas são complexos em cada estágio, cheios de contradições, cheios de humanidade. Edgar é um dos mais difíceis que já fiz na televisão. Toda semana, a cada bloco de capítulos que recebo, fico tentando juntar as peças, tentando justificar as atitudes dele. A gente tem que trabalhar muito nessa construção. Se você trata um personagem de João Emanuel com menosprezo, se você acha que já “entendeu” ele, pode ter certeza que vai levar um tombo. As cenas soam frágeis se você não cava as camadas que haviam ali, ocultas , sabe? Edgar, nesse exato momento, está passando por um período difícil! Inclusive na aceitação do público, pelo menos é o que vejo nas redes sociais nessas últimas semanas. Ele tem sido muito duro com a esposa, voltou a trair Karen com Cacau. É um coitado, um cara mimado, completamente despreparado emocionalmente, inseguro, machista. No começo da novela eu caprichei nos traços que mostravam que ele era uma vitima da tirania do pai porque sabia que seria um personagem difícil de ser amado, e super funcionou, as pessoas torciam por ele, mesmo sendo um fraco. Mas essa inabilidade emocional acaba esbarrando no caráter também, não tem jeito, então chega uma hora que não dá mais para defender, para aguentar a vitimização, para aguentar traição. Mas logo logo ele vai passar por uma redenção, vai assumir mais a vida, vai se conectar com suas vontades mais íntimas, vai tentar ser correto.
HG: O que te fez aceitar esse papel? O que despertou a sua vontade de dar vida para este personagem?
Um conjunto de coisas, já tinha trabalhando com o João Emanuel na série A CURA, mas nunca numa novela. E sempre tive essa vontade. O elenco era maravilhoso, O Denis e a Maria eram amigos de longa data com quem eu queria voltar a formar parceria…O personagem pesou menos nessa escolha, porque sabia pouco dele no inicio mas, em se tratando de João Emanuel, eu tinha certeza que estaria bem servido nesse sentido.
HG: Essa mudança física aconteceu por conta do personagem. Obviamente, você já passou por várias transformações ao longo da carreira em virtude de papéis… Teria sido essa, a mais difícil?! Qual foi a mais complicada? De qual você se lembra com mais carinho?
Não acho que essa tenha sido a mais difícil. Lembro de ter sofrido bastante no filme QUASE DOIS IRMÃOS, fazia um prisioneiro politico e precisei emagrecer muito.Mas não podia fazer ginástica, tinha que ser um magro raquítico mesmo. Não foi nada fácil. Isso de ficar forte eu tinha feito já, tanto no REI DO GADO, quanto no filme FAMÍLIA VENDE TUDO. Mas era mais jovem, então tudo ia mais rápido. A transformação física que me lembro com mais carinho foi para o QUINTO DOS INFERNOS, porque tinha uma composição facial e corpórea também, perfeitamente integradas com a caracterização, não foi uma transformação apenas externa, da forma.
HG: Depois que acabar a novela, você continuará se exercitando e tentando manter o corpo como está?! (Até que surja um novo personagem…) Você tomou gosto pela coisa?
Eu acabei de voltar na minha médica, depois de seis meses fazendo essa dieta e me exercitando e descobri que minha saúde melhorou muito. Estava pré diabético, com algum risco de infartar, prestes a começar a tomar remédio caso não conseguisse emagrecer e agora todos os exames voltaram ao normal. Não tenho mais gordura no fígado, gordura visceral, açúcar no sangue, nada. Então, o que começou com um objetivo puramente estético, porque precisava aparentar vinte anos mais moço para a primeira fase da novela, acabou me trazendo benefícios inimagináveis para a saúde. Claro que não consigo manter o mesmo ritmo, claro que já não resisto a tudo o que deveria resistir, claro que não treino mais todos os dias da semana, mas não quero perder essas conquistas.
HG: Você teve medo do seu físico para este papel falar mais alto que a sua atuação na percepção do público?
Não, o que aconteceu foi que eu não esperava essa reação tão assustadora nas primeiras semanas, só se falava disso, então uma hora comecei a me incomodar, mas porque parecia que eu tinha resolvido dar uma repaginada do nada, para ficar mais bonito, ninguém parecia entender que a transformação tinha sido pelo personagem, pior, ninguém parecia entender que eu estava imprimindo uma energia específica, para além da mudança física, que era construída, que fazia parte do trabalho. O fisico ajuda, claro, mas o que imprime (ou não) é a energia que você escolhe, o ator que você é. Então, o que me incomodava é que ninguém percebia meu trabalho, como se ser ator fosse apenas emagrecer, ou engordar, ou cortar o cabelo, entende? Mas isso durou pouco, em poucas semanas o assunto virou, começaram a falar da qualidade das cenas, dos surtos maravilhosos do Edgar contra o pai… Depois começaram a pedir mais surtos, depois reclamaram que tinha surto demais, depois pediam para ele ficar com Luzia, depois para ficar com Cacau, agora não querem ele com Cacau…rs…aprendi que essas reações nas redes são, em sua maioria, de uma geração muito imediatista, são demandas aflitas e superficiais, é uma geração acostumada a ler manchete, não livro. Não entendem a “curva” dramática, não tem paciencia…foi uma experiência bastante nova e maluca para mim.
HG: Você notou alguma diferença no assédio nas ruas desde que surgiu na TV como Edgar?
Sim, mas a grande diferença é mesmo o assédio nas redes sociais.
HG: Você consegue transitar bem entre cinema, TV e teatro. Como você lida com isso? Já deixaram de acreditar em você por ter feito algo não muito valoroso na TV?
A questão é que as pessoas ficam querendo, precisam, te colocar em gavetas. E isso é um saco para o ator. Tudo o que a gente quer é ser plural, é exercitar justamente o plural. No começo da carreira sentia mais isso, ficavam tentando entender se eu era um ator de cinema, se era um ator de TV, ou p porquê de eu ter escolhido fazer uns filmes mais comerciais ao mesmo tempo que fazia uma peças “cabeça”. Ora, justamente porque eu estava querendo me exercitar. Nunca fiz teatro para ganhar dinheiro, nunca fiz cinema para ganhar dinheiro, aliás, nunca ganhei dinheiro fazendo teatro, e nem cinema, eu só queria me exercitar. Em tudo. Hoje em dia acho que melhorou. Não sei. A Tv está importando gente de cinema, o cinema está importando gente da TV, a TV tá indo buscar gente no teatro. E eu parei de me importar com o exercício, agora tenho um discurso, como ser humano e como artista, e é isso o que me interessa.
HG: Tem algum papel ou novela que você não teria feito se pudesse voltar no tempo?! Por quê?
Que eu não teria feito, não, mas que teria feito diferente, com certeza. Posso citar como exemplo a novela DUAS CARAS, do Aguinaldo Silva. Errei totalmente no tom. O personagem era, por definição, um ser sem brilho. Mas caí na imaturidade de fazer Claudius, realmente sem brilho. Então, ele sumiu. Era para ser um co-protagonista, uma vez que disputava a mocinha com o protagonista vilão, mas acabou virando um coadjuvante sem graça. O erro foi todo meu.
HG: Alem do papel em “Segundo Sol”, você também está confirmado na segunda temporada de “Unidade Básica”, série da TV paga. Como foi fazer a primeira leva de episódios e quando você começa a gravar a nova?
Foi maravilhoso. Um personagem complexo, que tinha que carregar nas costas o risco dramaturgico que a gente correu fazendo uma série médica sem o frisson e a adrenalina, que são os pilares das séries médicas. Um volume de trabalho imenso mas muito concentrado. Tive muita liberdade para contribuir com os roteiros, com a direção e com a edição, coisa que sempre defendi. Acho importantíssimo que o ator tenha no mínimo acesso ao raciocínio dos roteiristas, dos diretores e dos editores. Uma fala, a escolha de um posicionamento de câmera, a escolha de tirar ou não um tempo, um silêncio, mexe diretamente no trabalho do ator. Silêncio é fala. Mexer nos tempos da cena é mudar o nosso trabalho, é violento, então preciso entender de ante mão quais são as demandas, ir para o set querendo a mesma coisa que todo mundo. A segunda temporada começa a ser gravada em Janeiro de 2019.
HG: Só este ano na Globo, você pôde ser visto em três produções – “Carcereiros”, “Deus Salve o Rei” e “Segundo Sol”. Como você lida com esse excesso de trabalhos e com a preservação da sua imagem?
Eu adoro trabalhar. Vivo melhor trabalhando do que sem trabalho. Quanto à preservação da minha imagem, se você assistir Carcereiros, Deus salve o Rei e Segundo Sol, vai ver que eu não corro esse risco. São personagens sem ponto nenhum de intersecção.
HG: Você escreveu um livro sobre as gerações de pais e avós. Seu avô, inclusive, teria sido a maior inspiração pra essa obra. O que você traz do seu avô para a sua relação com sua neta?
Meu avô sempre foi minha maior referencia afetiva. E nem era tão próximo, no sentido de ser amigo, de ver muito, de contar as coisas, mas foi quem me ensinou o que era sentir amor. Então, para minha neta, quero poder ensinar isso também, mas estando próximo, sendo amigo, se é que isso será possível.
HG: Você é um ator premiado, já atuou como diretor no cinema e no teatro, foi elogiado pelo livro… há algo no qual você também se destaque que ainda não conhecemos?! O que você ainda quer mostrar para o público?
Quero estar cada vez mais conectado com um discurso íntimo artístico. Que pode vir em forma de muitas peças ainda, filmes, livros, pinturas, desenhos, poesias, músicas. E que esse discurso possa encontrar seu público, seja ele como e quanto for, não o contrário.
HG: Você redescobriu as redes sociais recentemente. Tem sido divertido para você ver a repercussão do público por este meio? O que você aprendeu de mais interessante até agora?
As redes sociais são um troço estranho. Ainda estou tentando entender como me relacionar com elas. A grande novidade para mim foi o Twitter. Ao mesmo tempo que é uma ferramenta útil, porque você pode acompanhar as reações quase que instantaneamente à exibição das cenas, pode entender como o personagem está chegando, se as pessoas estão entendendo o que você está tentando propor, se gostam, se rejeitam, etc…pode virar uma loucura na sua vida porque, como disse, a maioria parece ter uma percepção e uma demanda da obra e dos personagens bastante imediatista, rasa e quase esquizofrenica. A sensação que dá é que entendem pouco de dramaturgia. Fica tudo na seara imediatista e subjetiva do “gostei” ou “não gostei”. do “quero” e do “não quero”. E, basear o rumo de um trabalho tão complexo nesse tipo de percepção é um risco, é tolo, então acaba que não serve de nada, entende? Tem que tomar muito cuidado com o que se lê e com como ler. Fora a demanda pessoal. Se você curte os comentários dizem que você curte tudo, se você não curte, ficam tristes porque você não curte. Se você nem procura saber o que andam dizendo, te acusam de omisso e arrogante, se procura, te ridicularizam porque está fazendo “Egosearch ” (palavra que descobri essa semana). Tem gente que manda um Oi e fica super ofendido porque não recebe resposta, e aí começa a xingar, a chamar de preconceituoso…
HG: Na web as pessoas estão shipando o Edgar com a Luzia. Você torce por esse casal?
Achei curioso porque isso nasceu de uma única troca de olhares entre Edgar e Luzia, numa única cena. E de repente todo mundo começou a shipar. Mas acho muito difícil que o casal aconteça. João Emanuel tem a obra muito bem estruturada, nas mãos, formar esse casal não serviria de nada, ao contrários, causaria um rebuliço gigantesco e sem sentido, ainda mais agora que Edgar está se envolvendo outra vez com Cacau, irmã de Luzia. Acho que essa Shipada já perdeu o prazo de validade. Risos.