A atriz Juliana Lohmann, que está na recente novela da RecordTV “Amor Sem Igual”, publicou um forte relato na revista Cláudia na noite dessa segunda-feira (13). Em seu depoimento, a artista revelou que foi vítima de estupro de um diretor de cinema aos 18 anos e, depois, foi agredida por um ex-namorado. Ela apontou que apenas agora, aos 30, entendeu que não teve nenhuma culpa pelo que sofreu.
Juliana – que já acumulou uma série de trabalhos na TV Globo e na própria Record – começou a trabalhar na televisão aos 11 anos e contou ter visto seu corpo se modificando em frente às câmeras. “Demorou pra eu entender que não podia mais sair abraçando os colegas de trabalho ou sentando em seus colos, como antes. Aos dezoito, fui sexualizada em um ensaio fotográfico pra que me dessem ‘papéis mais adultos’. Em nenhum momento ouvi, mesmo de pessoas mais próximas, que eu não precisava mostrar o corpo pra provar ou conseguir nada. Era o que tinha que ser feito, não havia questionamento”, lamentou ela.
No mesmo ano, a atriz disse que foi convidada para fazer um teste por um famoso que dirigia seu primeiro longa. “Ele me ligou e me chamou diretamente. Era em São Paulo e eu sou do Rio de Janeiro. Perguntei se podia levar minha mãe. Não, ele não poderia pagar mais uma passagem. Pediu desculpas. Fui mesmo assim. Era a primeira vez que viajava sozinha, me senti uma desbravadora de novos horizontes, pronta pra fazer cinema”, descreveu.
Lohmann relembrou como se preparou para o teste, estudando a personagem, pensando em ideias e perguntas. A artista contou que, a pedido do diretor, ela o encontrou em seu quarto de hotel para falar sobre o roteiro. “O papo foi mais sobre outros assuntos do que sobre o próprio filme, ele se mostrou divertido e parecia querer me deixar à vontade com suas tiradas de humor”, recordou.
Após ‘passar’ o texto duas ou três vezes, Juliana ouviu do diretor que a personagem exigia ‘mais loucura’ e se sentiu sem saída quando ele sugeriu que eles fumassem maconha. “Fiquei reticente, mas acabei aceitando. Dizer não para um diretor não é algo que uma atriz de dezoito anos sabe exatamente fazer. Um trago foi o suficiente pra que eu ficasse completamente chapada. Em determinado momento, percebi que o contato que ele fazia comigo excedia o profissional. Minha inexperiência com a erva não me deixou em condições de avaliar com mais clareza o que de fato estava acontecendo”, pontuou ela.
Foi nesse momento que o homem decidiu beijá-la. “Eu me assustei, disse que não queria. Foi uma completa surpresa acreditar que aquele homem, com sua boa imagem midiática de família margarina, pudesse se aventurar com outras mulheres. E ainda mais comigo. Não fazia a menor ideia de que eu seria atraente pra um homem como ele. Nós, mulheres, somos acostumadas a medir nosso valor de acordo com o desejo masculino. Era pra eu estar feliz por aquele homem poderoso, bonito e tão desejado estar me desejando. Mas eu não queria e não sabia como fazer pra me desvencilhar do diretor do filme cujo teste, àquela altura, iria acontecer somente no dia seguinte, por causa da disponibilidade dos produtores”, escreveu ela no relato.
O diretor ainda teria dito à Juliana que aquilo não havia sido premeditado, mas que ela o “havia encantado”. “Eu o tinha deixado maluco, não havia o que ele pudesse fazer. Peguei o texto e, muito nervosa, pedi que voltássemos à leitura. Ele tirou o roteiro da minha mão e me apertou com força contra o corpo dele. Eu pedi pra parar, mas ele me apertou mais forte. Fiz força para sair e não consegui. Imobilizada, eu disse que ia gritar. Ele respondeu em um tom doce que, se eu gritasse, ninguém iria ouvir”, desabafou.
“Pensei em gritar mesmo assim, mas, se alguém escutasse e fosse me socorrer, seria um escândalo. Todos iriam saber que eu estava ali, com aquele homem casado e famoso em seu apart hotel. O que eu tinha ido fazer lá? Eu tinha me colocado naquela situação. Tinha aceitado viajar sem minha mãe, tinha fumado maconha com essa pessoa, tinha um ensaio sensual meu na internet. Eu tinha provocado. ‘Fica calma, eu só quero dançar com você’, ele disse. E, ainda me imobilizando, me jogou calmamente de um lado pro outro”, lembrou ela, sobre o sentimento de culpa que a tomou desde então.
“Fiz o que ele queria. Tive que insistir muito pra ele pelo menos colocar a camisinha, o que fez somente depois de algum tempo de penetração. Havia um quadro na parede em cima da cama. De trás do quadro ele retirou um saco plástico com alguns preservativos. Aquilo me deu a sensação de que eu não era a única pela qual ele ‘tinha se encantado’. Colocou a proteção, mas retirou logo em seguida, ejaculando dentro de mim”, revelou ela. Juliana seguiu, falando que o diretor insistiu para que ela dormisse ali e, no dia seguinte, foi acordada pelo membro dele “invadindo [sua] vagina“. “Lembro de ficar na mesma posição, deitada de lado, e apenas enfiar meu rosto no travesseiro pra que ele não percebesse as lágrimas que caíam sem controle. Ele ejaculou dentro, de novo”, descreveu.
Lohmann contou que o diretor – antes de se despedir – disse que ela teria lançado a ele “um olhar de desejo, deixando-o louco” na primeira vez em que eles se viram. Ele ainda deu um cheque para ressarcir o valor da passagem e contou que o teste não iria rolar naquele dia porque os produtores estavam ocupados. “Ele assinou o cheque, me entregou, me levou até a porta, colocou a mão no meu queixo e disse: ‘Uma delícia você. Vou querer mais'”, contou ela, afirmando que o homem chegou a ligar outras vezes, mas que ela parou de atendê-lo.
As consequências do abuso assombraram a artista durante vários anos seguintes. “Toda vez que sentia um pouco de agressividade numa relação sexual, engatava num choro compulsivo. Quando tive coragem de contar esse episódio a um namorado, ouvi que se eu realmente não quisesse ter transado, eu teria jogado um abajur na cara do sujeito. ‘Você quis’, ele dizia”, lamentou ela. Foi nesse relacionamento, em seus 20 e poucos anos, que ela sofreu novas violências, psicológicas, verbais e físicas.
“Sempre muito ciumento, ele me tolhia no meu modo de dançar, de me vestir, de trabalhar e de me comunicar com as pessoas. As violências físicas começaram aos poucos: recebia apertões fortes e disfarçados quando ele queria que eu parasse de falar na frente de alguém e, quando estávamos à sós, ao se irritar, levava a mão fechada em direção ao meu rosto, mas socava a superfície atrás de mim. Uma vez, ele me empurrou no chão e caí uns três ou quatro metros depois. Fiquei mancando alguns dias, o que me fez ter que inventar uma desculpa no trabalho. Ele colocou a tesoura no meu pescoço e disse que ia me cortar inteirinha. E me trancou no banheiro de uma festa e ameaçou jogar uma garrafa de whisky na minha cabeça”, descreveu Juliana.
A atriz disse que as agressões eram frequentes e que, qualquer coisa que fizesse, poderia desencadear uma situação perigosa. “Ele dizia que ia me matar, me machucava, depois dizia que ia se matar. E eu tinha que acudi-lo em vez de me acolher. Depois, ele voltava com flores, dizia que ia mudar, eu aceitava. Tive muito medo de morrer. Tinha medo de pedir ajuda, de contar pra alguém”, explicou ela.
Por fim, Juliana refletiu sobre as dificuldades de se entender como vítima em ambos os casos. “Faz muito pouco tempo que tive a certeza de que de fato nunca houve teste nenhum a ser feito em São Paulo. Eu passei doze anos, quase metade da minha vida até aqui, na dúvida. Eu me questionei se realmente eu não quis, me questionei se de fato não foi premeditado o interesse dele por mim, se realmente não havia o teste que, por um ‘infortúnio’, foi cancelado. Doze anos não ouvindo o que havia dentro de mim. Doze anos vivendo como se nada disso tivesse acontecido, ou como se tudo isso estivesse muito bem resolvido dentro dessa mulher tão bem resolvida que sou”, relatou.
“Este diretor usou de sua posição de poder, não só por ser um homem branco muito mais velho, mas principalmente por ser o diretor do filme, responsável por decidir se eu trabalharia ali ou não. Eu, uma atriz de dezoito anos recém-feitos e que ainda começava a entender como me posicionar profissionalmente sem minha mãe por perto. Ele me enganou, me drogou e me estuprou, violando minha dignidade sexual e deixando marcas que carregarei pro resto da vida. E o namorado a seguir também se utilizou da sua posição para me violentar física, verbal e psicologicamente, me fazendo acreditar que o amor é exatamente a submissão, o silenciamento e a destruição de toda potência, liberdade e beleza feminina”, completou ela.
Juliana ainda explicou por que decidiu se abrir agora. “Eu poderia não estar aqui contando essa história. Mas estou, e é por isso que não me silenciarei mais. Exponho esse relato no intuito de que outras mulheres possam ler, talvez se identificar, e refletir sobre suas existências e seus relacionamentos. E, falando sobre o meu ofício: nós, atrizes, que trabalhamos com a exposição de nossos corpos, precisamos ser protegidas e respeitadas de fato. Não pode mais haver espaço para que sejamos assediadas por diretores, atores, produtores, ou qualquer homem que esteja em uma situação de poder maior que a nossa, seja pela desigualdade estrutural de gênero ou pela posição hierárquica que habita”, escreveu.
Ela explicou que não prestou queixa no primeiro evento, entre 2007 e 2008, nem na relação abusiva “porque não entendia o que estava passando”, nem sabia quais eram seus direitos como mulher. “Quando finalmente elaborei os acontecimentos vividos, soube que tais crimes, para a justiça, já haviam prescrito. Perdi meu direito de ter direitos sobre minhas dores. Talvez, se eu tivesse lido um relato como esse, pudesse ter compreendido melhor a situação e eles não estariam impunes. Talvez a namorada seguinte do meu ex não tivesse sofrido o que sofreu. Também tenho certeza de que não fui a única a ser violentada sexualmente naquele quarto de hotel em São Paulo”, apontou.
ATENÇÃO: Lembre-se que, caso você ou alguma mulher que você conhece esteja passando por qualquer situação de violência no relacionamento, é possível denunciar por meio de uma ligação gratuita e confidencial no número 180. Oferecido pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), esse canal de denúncia funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana e, além de registrar denúncias de violações contra mulheres, encaminhá-las aos órgãos competentes e realizar seu monitoramento, o Ligue 180 também dissemina informações sobre direitos da mulher, amparo legal e a rede de atendimento e acolhimento.