Dez dias após dar um forte depoimento, revelando ter sido estuprada aos 18 anos e ter vivido um relacionamento abusivo, Juliana Lohmann concedeu uma entrevista ao jornal “O Globo” falando sobre como tem sido a recepção de outras mulheres a seu relato. A atriz, que está na recente novela da RecordTV “Amor Sem Igual”, também explicou como foi o processo para que ela finalmente superasse a culpa irracional e se entendesse como vítima.
“O processo de isolamento social foi fundamental pra que eu retomasse a conexão com esses abusos. Essas memórias sempre estiveram ali, presentes, mas nunca tive coragem suficiente de encará-las”, declarou. “Agora, aos trinta anos, pude compreender melhor o que vivi e tomar alguma atitude. O processo de elaboração de vítimas pode ser muito longo e, infelizmente, tomar tempo o suficiente para que os crimes prescrevam, como o meu caso”, lamentou.
A artista, então, explicou novamente que decidiu se abrir para que outras mulheres pudessem identificar situações de abuso mais rápido e, assim, denunciar o quanto antes. Na entrevista, ela revelou que foi justamente lendo outros depoimentos que entendeu o que havia passado. “Eu tive a certeza que vivi um abuso sexual e que fui vítima de violência doméstica quando outros relatos começaram a vir à tona e quando consegui contar os ocorridos à outras pessoas. Formar um grupo de apoio é muito importante pra que a vítima possa se enxergar como vítima e compreender melhor o que ela viveu, ou vive”, ressaltou.
Felizmente, seu objetivo foi concretizado. Juliana contou que, nos últimos dias, já recebeu mensagens de muitas mulheres que, a partir do seu relato, entraram em contato com suas próprias histórias de abuso. “Muitas disseram que também carregaram a dúvida durante muitos anos e que, lendo o que escrevi, puderam se enxergar como vítimas. É muito triste ver a quantidade de mulheres violentadas”, desabafou. “Soube de uma moça que, a partir do que escrevi, criou coragem e denunciou o abusador e ele está preso agora. É para isso que resolvi falar. Eu não posso mais fazer justiça, mas há muitas que podem. É preciso que criemos uma rede de apoio”, declarou ela.
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A atriz de 30 anos refletiu sobre o motivo pelo qual ela e outras vítimas tendem a demorar tanto para assimilar experiências de violência e abuso sexual. “Tudo na nossa sociedade patriarcal é feito pra mulher duvidar de si mesma. Somos sempre as loucas, as que estão de TPM, as que só querem atenção porque estão carentes, taxadas de histéricas. E, até quando a mulher tem certeza e se posiciona, duvidam da sua palavra, questionam seu comportamento, sua roupa, ratificam qualquer argumento que continue validando a cultura do estupro”, expôs.
No caso dela, o fato de ter acontecido há tantos anos também influenciou. “Eu tinha acabado de completar 18 anos quando fui abusada sexualmente, tinha acabado de me mudar pro Rio de Janeiro e estava entendendo como me posicionar profissionalmente sem minha mãe”, recordou Lohman sobre a violência cometida por um famoso – que na época dirigia o primeiro filme dele. “Não sabia o que era feminismo, o que era relação de poder, o que era estrutura patriarcal. No relacionamento abusivo a seguir também. Vivi a angústia que toda mulher vive quando está sob violência doméstica e manipulação psicológica, transitava entre ter medo de morrer, ter medo de contar pra alguém, me sentir culpada, aceitar as desculpas dele e acreditar que ele vai mudar, até outro episódio de violência acontecer de novo”, descreveu.
Mesmo mais para frente, quando começou a entender mais sobre o assunto, ela ainda teve dificuldades para lidar com o que havia vivido. “Tentava silenciar tais memórias. O feminismo me trouxe mais firmeza e entendimento do meu lugar no mundo, mas ainda faltava me deparar com minhas próprias vivências”, explicou, citando novamente o fato de ter conhecido outras namoradas de seu ex-agressor que também haviam sofrido no relacionamento com ele.
“Quando soube que outras namoradas do homem que me relacionei também tinham sofrido abusos, tudo fez sentido. A culpa definitivamente não era minha. Por isso é tão importante ouvirmos as mulheres e validarmos seus discursos. Se eu tivesse denunciado quando podia, talvez essas outras parceiras do mesmo abusador não tivessem sofrido o que sofreram. Entendi que não adiantava ser a favor dos direitos das mulheres só no discurso, era preciso agir”, afirmou.
Juliana ainda ponderou sobre por que as mulheres ainda, infelizmente, se sentem culpadas dentro de um relacionamento abusivo. “A mulher que sofre abuso sempre se indaga se poderia ter agido diferente, se em algum momento não deu brecha… sempre busca argumentos pra justificar a situação da qual é vítima porque foi assim que aprendeu”, refletiu. “Na relação abusiva, faz parte da violência a lavagem cerebral na qual o homem possui o domínio da narrativa”, acrescentou.
Na relação que teve quando tinha cerca de 20 anos, a atriz ainda era induzida a se sentir culpada pelo agressor. “Ele tinha muito ciúme e a razão pra isso era a minha existência, ponto. Não importa o que eu fizesse, eu sempre estaria fazendo algo errado, e ele me fazia acreditar por A + B que eu estava errada, que eu era uma p*ta e que dava mole pra geral, e que por isso ele tinha razão de me agredir. Recebi três socos na cara porque, ao me despedir de um conhecido, ele colocou a mão no meu rosto. Aquilo, pra ele, era a prova de que eu tinha dado mole. E se alguém que me lê nesse momento chegou a pensar que ‘dei margem’ pra que isso acontecesse, é aí que se revela o machismo. É nesse ponto que precisamos chegar”, descreveu.
Por fim, Juliana analisou como, enfim, se enxergou como vítima. “Na época não se falava sobre “relacionamento abusivo”. Eu não sabia o que estava vivendo exatamente. Faz pouco tempo que consegui externalizar que sim, fui vítima de abuso sexual e de violência doméstica. E isso, ao invés de enfraquecer, fortalece”, ressaltou. “Entendi o que já deveria ser absolutamente óbvio, mas que infelizmente ainda não o é: quando não há consentimento, é estupro. E o estupro acontece não só como forma de satisfação sexual do abusador, mas também com o gozo de se sentir no controle. Hoje vejo que a relação de poder que permeava a situação deixa claro a opressão sob a qual eu estava submetida”, explicou ela.
Que seus relatos continuem ajudando outras mulheres, Juliana! Nossa gratidão por você ter decidido se abrir sobre suas experiências.
ATENÇÃO: Lembre-se que, caso você ou alguma mulher que você conhece esteja passando por qualquer situação de violência no relacionamento, é possível denunciar por meio de uma ligação gratuita e confidencial no número 180. Oferecido pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), esse canal de denúncia funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana e, além de registrar denúncias de violações contra mulheres, encaminhá-las aos órgãos competentes e realizar seu monitoramento, o Ligue 180 também dissemina informações sobre direitos da mulher, amparo legal e a rede de atendimento e acolhimento.