Jornada de 10h, morcegos, fezes e camas improvisadas: MTE detalha rotina dos trabalhadores resgatados de fazenda de Leonardo; advogado se manifesta

Fiscais encontraram alojamento onde funcionários ficavam em situação precária, sem banheiro e com camas improvisadas

Um relatório produzido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e divulgado pelo g1 nesta quarta-feira (9), revelou a rotina dos seis trabalhadores resgatados em uma das fazendas do cantor Leonardo. Eles foram encontrados em condições análogas à escravidão. Segundo o grupo, a jornada de trabalho chegava a 10 horas diárias, não havia um contrato e nem descanso semanal remunerado.

Leonardo foi incluído na “lista suja” do ministério, divulgada na segunda-feira (7), após uma fiscalização retirar os trabalhadores da Fazenda Lakanka, em Jussara, no noroeste goiano. Entre eles, havia um adolescente de 17 anos de idade, conforme o portal da Globo. Em um relatório, o grupo contou que catava raízes para limpar uma área do terreno.

O documento revelou que os seis funcionários dormiam em uma casa abandonada, localizada a 2 quilômetros da sede da Fazenda Lakanka. De acordo com os fiscais, o local era “precário”, sem banheiros, com camas improvisadas em tábuas de madeira. Eles também identificaram infestação de morcegos e outros animais, e fezes.

Também foi reportado que os homens improvisaram um chuveiro com uma mangueira e faziam suas necessidades ao ar livre, já que o banheiro estava inoperante. Por fim, destacou-se que a única água disponível era essa captada no poço, que também estava desprovido de qualquer manutenção.

A fiscalização ocorreu em novembro de 2023 em duas fazendas do artista: a Lakanka e a Talismã, que é avaliada em R$ 60 milhões. A segunda é citada porque fica em uma área contígua, e faz parte do mesmo conjunto de operações agrícolas da primeira.

Casa onde ficavam os seis trabalhadores resgatados em uma das fazendas de Leonardo (Foto: Reprodução/Relatório Fotográfico da Inspeção)

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Rotina de trabalho e pagamento

Os funcionários descreveram que a atividade envolvia a remoção de restos de árvores, raízes e outros materiais do solo para prepará-lo para o cultivo. Em depoimento, eles disseram que cumpriam uma jornada diária que começava às 7h e terminava às 17h, com uma pausa de 1 hora para o almoço. Além disso, foi informado o pagamento fixo de R$ 150,00 por dia trabalhado.

Os trabalhadores acordavam às 5h40, deixavam o alojamento às 6h10, e tomavam café perto da sede da fazenda. O deslocamento até a área de atuação era feito em um trator, em que eles iam em pé na carreta. A jornada começava às 7h da manhã, e o trabalho era realizado até as 11h30 ou meio-dia, quando faziam uma pausa para o almoço. Depois de uma hora de descanso, retornavam ao posto e trabalhavam até 17h, quando voltavam para a casa.

O documento salientou que o grupo não recebia o pagamento em dias não trabalhados, fossem estes de folga ou em que não houvesse trabalho por algum outro motivo, inclusive se estivessem doentes. Ainda foi relatado que os catadores de raízes reportaram uma atualização na rotina: que o trabalho aos domingos, quando cessado ao meio-dia, seria remunerado com meia diária, ou seja, R$ 75,00.

Funcionários improvisaram camas e chuveiro em alojamento (Foto: Reprodução/Relatório Fotográfico)

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Contudo, alguns funcionários disseram que não era incomum trabalharem sete dias por semana, pois precisavam receber. Portanto, como apontou o relatório, eles não tiravam o descanso semanal que é garantido por lei. Além disso, os fiscais afirmaram que os catadores de raízes estavam completamente informais.

Eles não tinham contratos registrados e suas carteiras de trabalho não eram assinadas, o que lhes privavam de benefícios e proteção trabalhista, como acesso a direitos previdenciários.

Segundo o MTE, a contratação e o pagamento dos catadores de raízes eram feitos por Leonardo através de outros funcionários, como os gerentes das fazendas. Um contratado do arrendatário também coordenava as atividades de limpeza do solo, mas as autoridades entenderam que a responsabilidade final recaía sobre o cantor sertanejo.

Foto de banheiro em situação precária no alojamento dos trabalhadores (Foto: Reprodução/Relatório Fotográfico da Inspeção)

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Mais funcionários resgatados

Ao todo, a fiscalização identificou 18 trabalhadores nas fazendas Talismã e Lakanka. Salvo os seis já mencionados, os outros 12 estavam em atividades diversas, como preparo do solo para o plantio de soja e manutenção de cercas.

O documento acrescentou que, apesar de também atuarem de maneira informal, as condições de vida e trabalho deles não foram consideradas tão degradantes a ponto de configurar uma situação de trabalho análogo ao de escravo.

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Terreno arrendado

Em nota ao g1, o Ministério Público do Trabalho confirmou que Leonardo já pagou as indenizações e o caso foi arquivado em abril deste ano. O artista, por sua vez, declarou não saber da situação até ser notificado pelas autoridades, pois a área fiscalizada está arrendada para outra pessoa.

O músico cedeu o local para uso por meio do pagamento de um valor acordado. O documento descreveu que Leonardo tinha como obrigação contratual entregar uma parte da Fazenda Lakanka pronta para o plantio, garantindo que o solo estivesse limpo e preparado.

Já o arrendatário era responsável por executar o plantio e o manejo das atividades agrícolas, uma vez que a área estivesse adequada para isso. Sendo assim, de acordo com o MPT, embora o arrendatário tivesse responsabilidades sobre o plantio, as etapas de preparação do solo ainda eram de responsabilidade do artista, tanto em termos de execução quanto de pagamento aos trabalhadores envolvidos​.

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Fazenda Talismã é citada no relatório

Conforme o Ministério do Trabalho, a Talismã foi citada, pois está próxima da Fazenda Lakanka, e ambas fazem parte do mesmo conjunto de operações agrícolas. O documento também explicou que alguns dos funcionários encontrados na Fazenda Talismã estavam alojados em melhores condições do que os que foram resgatados na outra. A outra razão é que as duas estão sob o controle de Emival Eterno da Costa, nome de batismo do cantor Leonardo.

Defesa de Leonardo se pronuncia

Pedro Vaz, advogado do sertanejo, falou ao g1 que a inclusão do nome do artista na “lista suja” causou “estranheza”. De acordo com a defesa, desde 22 de agosto de 2022, a área em questão está arrendada para outra pessoa realizar o cultivo de soja. Com o acordo, não caberia mais a Leonardo a responsabilidade de gerir os funcionários envolvidos.

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A equipe jurídica declarou, ainda, que um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado, e “todos os problemas foram resolvidos”. Vaz acrescentou que as indenizações devidas foram pagas, e o acordo proposto pelo Ministério Público foi aceito, resultando no arquivamento dos processos.

“Como a matrícula estava em nome do Leonardo, o Ministério Público do Trabalho propôs a ação. Na audiência, a gente apresentou o contrato de arrendamento e aí tudo foi esclarecido. Mas pra que evitasse qualquer tipo de problema, nós pagamos todas as verbas indenizatórias naquele momento mesmo e tudo ficou sanado”, explicou o advogado. Por fim, ele salientou que “estão sendo tomadas as medidas necessárias para remover o nome de Leonardo da lista mencionada”.

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