“Caótico” e “tóxico” foram alguns dos termos usados para caracterizar o ambiente de trabalho na Yeezy, marca de Kanye West, principalmente em relação às mulheres. Em uma carta obtida pela Rolling Stone e divulgada nesta quarta-feira (23), funcionários acusaram Ye de mostrar pornografia “hardcore” durante o horário de trabalho, algumas envolvendo Kim Kardashian, além de usar “medo e manipulação para reafirmar o domínio”.
Em um dos episódios narrados, uma mulher pediu para mudar de setor dentro da Adidas, após uma reunião com o rapper. Segundo o relato, os membros de alto escalão da empresa estavam cientes do comportamento violento de West, inclusive um vice-presidente. “Na ocasião, West começou a gritar que os Yeezys ainda não estavam de acordo com seus padrões, então se aproximou de uma funcionária sênior, olhou para o pé, olhou para ela e disse: ‘Quero que você me faça um sapato que eu possa f*der'”, conta a carta.
No relato, os funcionários ainda dizem que, ao longo dos anos, West usou táticas de intimidação com a equipe que eram provocativas, frequentemente sexualizadas e direcionadas às mulheres. O cantor também teria exibido vídeos de sexo explícito durante as reuniões, fotos íntimas da ex-esposa Kim Kardashian em entrevistas de emprego e até suas próprias “sex tapes”.
Na carta enviada aos membros do conselho da Adidas e obtida pela publicação, os funcionários exigem que a empresa aborde “o ambiente tóxico e caótico que Kanye West criou”, bem como um “padrão doente de comportamento predatório em relação às mulheres”. “O comportamento mais preocupante que deveria ter sido sinalizado pela equipe executiva logo no início da parceria é sua abordagem manipuladora e baseada no medo, ao mesmo tempo em que tenta afirmar o domínio sobre os funcionários da Adidas em salas fechadas”, afirmou o documento.
De acordo com os envolvidos, os comandantes da Adidas estavam cientes do comportamento de Kanye, mas “desligaram sua bússola moral”. Na carta, a equipe afirma que eles poderiam ter intervido na situação problemática há muito tempo: “Não houve prestação de contas. Momentos difíceis aconteciam, com executivos na sala – de nível vice-presidente ou superior – e nada era feito. Você ainda tinha que aparecer para trabalhar no dia seguinte”.
“Nos últimos anos, ele explodiu com as mulheres na sala, com comentários ofensivos, e recorria a referências sexualmente perturbadoras ao fornecer feedback de design. Esse tipo de resposta de um parceiro da marca é algo ao qual os funcionários da Adidas nunca devem ser submetidos, nem a liderança da empresa jamais deve tolerar”, continua o texto.
Os autores do relato acusam a Adidas de falta de responsabilidade: “Kanye é apenas Kanye. Por mais que todos nós adorássemos culpar exclusivamente ele, a verdade inegável é que a equipe executiva da Adidas e o conselho têm sido grandes facilitadores [deste comportamento]“.
Entre os episódios narrados pelos funcionários, Kanye convidou um membro da equipe para visitar sua casa. Enquanto conversavam, o rapper teria colocado vídeos de sexo na tela. “Ele me mostrou o vídeo de Francesca Le, uma estrela pornô com um vibrador transando com outra garota. Ele fica: ‘O que você acha disso?’. Sem rir de jeito nenhum. Na época, achei estranho, mas pensei que era da personalidade de artista ousado. Agora, vendo isso por um padrão maior, sinto que foi uma tática para estabelecer lealdade inabalável a ele, testando e destruindo os limites das pessoas”, disse.
Dois outros membros da equipe de design afirmam que West mostrou vídeos pornográficos – incluindo gravações dele se envolvendo em atividades sexuais. Em outra ocasião, Ye teria feito uma jovem estilista se sentar no chão durante uma reunião que durou horas. “Você não merece se sentar à mesa”, disse o funcionário, lembrando a fala do rapper que, segundo ele, “jogava jogos mentais” com a equipe. “Steve Jobs ou Elon Musk tinham responsabilidade perante os acionistas. Kanye é 100% dono de suas marcas, ele pode fazer o que quiser, e estamos lá apenas para servir a ele”, acrescentou.
Um ex-funcionário afirmou que foi avisado por executivos da Adidas sobre a exibição de pornografia nas reuniões. “Ele estaria em uma reunião e falaria com você, enquanto mexia no notebook para exibir um vídeo pornô. E ele dizia: ‘Eu sei que é desconfortável, mas eu meio que preciso disso em segundo plano para me manter focado'”, contou. De acordo com o relato, vídeos íntimos eram exibidos pelo menos cinco vezes durante uma reunião.
Em uma entrevista de emprego, enquanto “examinava” uma candidata, Kanye teria tentando intimidá-la com falas explícitas: “Se você ficar travada criativamente, apenas assista a pornografia por 10 minutos. Se você vai fazer parte da Yeezy, dizemos m*rda aqui. Você tem que aguentar. Continuamos nos movendo e continuamos criando. Criamos produtos de paixão. Eu literalmente quero f*der meus sapatos. Não um tênis de brinquedo sexual, mas algo que você gosta tanto que gostaria de ter um relacionamento íntimo. É assim que eles são bons”.
Na carta, a equipe afirma que os membros do conselho não sabiam como lidar com o cantor. “Parecia que eles simplesmente não sabiam o que fazer ou dizer naqueles momentos chocantes, ou como lidar com Kanye sem provocá-lo ainda mais, ou agir de forma que não comprometesse sua posição ou a parceria. Então, em vez disso, os membros do conselho e a equipe executiva desligaram sua bússola moral, ignorando o comportamento de Kanye e as reclamações da equipe em relação à dinâmica problemática”, diz o documento.
Em outra ocasião, enquanto aguardava a equipe para uma reunião, Kanye teria mostrado uma foto íntima da então esposa, Kim Kardashian. “Foi muito revelador e pessoal. Eu realmente não reagi”, contou o rapaz. Segundo os relatos, pelo menos mais de uma vez, em 2018, West teria mostrado um vídeo explícito da empresária para os membros da equipe criativa da Yeezy.
O relatório também inclui um episódio em que West teria enviado uma mensagem de texto a uma funcionária sobre um protótipo de tênis quase esquecido em 2019. “Realmente precisamos que este sapato seja feito porque tudo o que penso é na bunda de Kim e neste sapato”, dizia o texto. “Nós irritamos muito a Adidas para fazer e projetar isso”, contou o funcionário. O modelo, no entanto, nunca chegou ao mercado.
Segundo a equipe, os executivos da Adidas deixavam claro que os funcionários podiam sair, caso se sentissem incomodados. “Você não precisa ficar, mas imagine se Kanye está falando e você se levanta e sai. Não é como se ele fosse um profissional – ele provavelmente o chamaria ali mesmo”, disse.
West também teria feito pedidos inusitados para a equipe: “Ele pode pedir a um chef para fazer uma música e a um arquiteto para ser seu assistente pessoal. Ele pode pedir a um produtor musical para projetar uma escola, e no dia seguinte ela se torna um orfanato, e nos outros dias se torna um aeroporto. Ele não tem medo de mostrar imagens explícitas ou falar sobre situações que devem ser mantidas em sigilo“, desabafou.
“Ele é obcecado por poder e tem todo o poder e dinheiro para fazer alguém cortar o cabelo, para fazer alguém perder peso. Para a mesma pessoa, ele pode dizer coisas como: ‘Sua vagabunda gorda’, e então essa pessoa ainda será forçada a ficar, porque é assim que ela ganha dinheiro. Eles têm um aluguel a pagar. A Adidas permitiu muito desse tipo de comportamento”, contou outro.
Na carta, os funcionários envolvidos lamentam “a ação atrasada da liderança da Adidas e o silêncio prolongado, pedindo ao conselho da empresa que revise os contratos com os parceiros da lista A, com regras firmes para rescisão de uma parceria quando surgir um comportamento problemático”. Além disso, a equipe solicita que a empresa peça desculpas publicamente à equipe Yeezy pelo que eles chamam de “comportamento aterrorizante de Kanye”.
Com a publicação, os representantes da Adidas emitiram um comunicado, afirmando que estão prestando apoio aos funcionários. “A Adidas não tolera discurso de ódio e comportamento ofensivo e, portanto, encerrou a parceria com a Adidas Yeezy. Estivemos e continuamos a conversar ativamente com nossos funcionários sobre os eventos que levaram à nossa decisão de encerrar a parceria. Eles têm todo o nosso apoio e, enquanto trabalhamos nos detalhes da rescisão, deixamos claro que queremos manter o talento e as habilidades de nossos funcionários dentro da organização”, diz a nota.
No comunicado, eles também afirmaram que não vão comentar sobre o que levou ao fim da parceria: “A empresa não discutirá conversas privadas, detalhes ou eventos que levaram à nossa decisão de encerrar o parceria com a Adidas Yeezy e se recusa a comentar qualquer especulação relacionada”. Em outubro deste ano, a Adidas rompeu o contrato bilionário com o rapper.
Siga a Hugo Gloss no Google News e acompanhe nossos destaques