Marco Pigossi comenta bastidores de revelação da sexualidade, e relembra crise de pânico com fake news sobre Rodrigo Simas

Em poderoso relato feito à revista Piauí, o ator lembrou da aflição de assumir a homossexualidade ao longo da carreira, falando ainda de fake news antiga sobre ele e Rodrigo Simas, e de racha com o pai, após voto em Bolsonaro.

Em novembro do ano passado, Marco Pigossi “quebrou a internet” ao revelar o relacionamento com o cineasta italiano Marco Calvani. Até então, o ator nunca havia falado abertamente sobre sua orientação sexual. Em conversa com o repórter João Batista Jr, da revista Piauí, o galã das novelas abriu o coração sobre sua jornada de autoaceitação, até finalmente declarar a homossexualidade publicamente.

Em seu testemunho, Pigossi lembrou do primeiro grande papel que conseguiu na emissora. Trata-se de Cássio, personagem gay que marcou a novela “Caras & Bocas”, de Walcyr Carrasco, com o bordão “fiquei rosa chiclete”. “Aos 20 anos, eu estava realizando o grande sonho de trabalhar como ator na maior indústria de entretenimento do país, mas vivia um drama pessoal: sentia calafrio só de pensar que o público poderia desconfiar que a sexualidade do personagem e do ator era a mesma. Essa possibilidade me aterrorizava”, declarou.

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Ao ser abordado por fãs nas ruas, o astro até mesmo engrossava o tom de voz para não “levantar suspeitas”: “Era como se estivesse usando uma máscara de heterossexual. A alegria de fazer um personagem que caiu no gosto do público me trouxe aflição. Precisei de ajuda. Recorri à terapia durante a gravação da novela. Fazia análise três vezes por semana. Eu sofria por não ser 100% verdadeiro, mas o fato de ter um corpo e modos que se encaixam num certo ‘padrão de heterossexualidade’, que não denunciam minha orientação, acabou me dando o que chamo – ironicamente – de ‘privilégio do armário’. Isso me ajudava a proteger minha carreira e a mim mesmo da hostilidade e violência tão comuns no trato das populações LGBTQIAP+ no Brasil”.

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Marco Pigossi como Cássio, em “Caras & Bocas”. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Resistência dentro da Globo

As pressões vinham de todos os lados, e uma delas o atingiu como um verdadeiro soco no estômago, com uma entrevista insensível do então diretor de dramaturgia da Globo, Silvio de Abreu, para a Folha de São Paulo. “Ele dizia que atores gays não deviam assumir sua sexualidade publicamente, pois as donas de casa e telespectadoras em geral enxergam o galã como ‘machão’. Ele dizia que um ator assumido era um ‘bobo’, pois a revelação fatalmente prejudicaria sua carreira. Foi uma entrevista muito marcante para mim. Era uma declaração clara de que não era bem-vindo que um ator homossexual abordasse o assunto em público – e isso vinha da boca de uma figura de grande proeminência na emissora”, pontuou.

Segundo o ator, seus dias em set vinham acompanhados do sentimento de “temor”. “Sonhei inúmeras vezes que os diretores da novela me chamavam para dar uma prensa, dizendo: ‘Pigossi, você precisa ser mais machão… Seu personagem está ficando gay’. À medida que eu subia degraus na profissão, atuando como protagonista de algumas novelas, mais medo eu sentia. A mera possibilidade de que soubessem da minha vida sexual me paralisava, pois eu tinha a percepção clara de que minha carreira seria destruída. E ser ator me cura, me preenche. Eu seria um vácuo, um vazio, se as portas se fechassem”, comparou.

Boatos de affair com Rodrigo Simas

Ainda em seu relato, Pigossi falou sobre uma notícia que circulou na internet em 2011, de que ele e Rodrigo Simas teriam vivido um affair, nos bastidores da Globo. “Quando estava no ar com a novela ‘Fina Estampa’, viajei para o Rio de Janeiro, onde faria gravações. Quando desembarquei no aeroporto, abri meu celular e li uma notícia: que eu estava tendo um relacionamento com um ator da mesma novela. Era mentira absoluta. Chegava a dizer que nós nos ‘pegávamos’ nos bastidores. Era tudo invenção, mas as pessoas acreditam no que querem acreditar. Eu fiquei travado ao ler aquilo”, confessou.

O desespero e nervosismo foram tamanhos que desencadearam uma crise de pânico. “Comecei a tremer e suar. Fui para o banheiro do aeroporto, me tranquei em uma cabine e comecei a vomitar. Liguei para meu parceiro, chorando. Eu dizia para mim mesmo que minha carreira tinha acabado. Não conseguia sair dali. Meu companheiro teve que pegar um voo de São Paulo ao Rio para me buscar. Fiquei horas trancado dentro da cabine, até ele chegar. A crise me deixou com sequelas. Passei a tomar antidepressivos e ansiolíticos. O pânico de sair do armário contra minha própria vontade ficou ainda maior”, recordou ele, que deixou a TV Globo em 2018 para assinar um contrato com a Netflix.

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Afastamento do pai após voto em Bolsonaro

Também durante a conversa, Pigossi abordou o relacionamento com o pai, que votou em Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, político declaradamente homofóbico. “Meu pai e eu tínhamos o hábito de pilotar moto. Juntos, chegamos a viajar de São Paulo à Patagônia, percorrendo mais de 5 mil km. Mas, apesar da proximidade física nas viagens, sempre houve um abismo. Minha vida amorosa era um não assunto. E, quando meu pai votou em Bolsonaro, senti uma dor profunda, uma tristeza profunda. Afinal, Bolsonaro era o sujeito que dissera preferir um filho morto a um filho gay. Que gay é resultado da falta de surra”, mencionou, citando frases perversas proferidas pelo atual presidente.

“Sempre tive dificuldade de entender como um pai escolhe votar num político que insulta seu próprio filho de modo tão visceral. Meu pai e eu ficamos sem nos falar durante o ano da eleição – e até hoje temos contatos apenas esporádicos. O abismo, que já era grande, tornou-se ainda maior. Meu pai é um cara afetivo, sensível. Sou o primeiro gay com quem ele lida. Pouco a pouco, espero que ele aprenda a lidar com naturalidade”, almejou

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Foi nesse contexto, então, que o artista viu necessidade de marcar suas posições: “Ficar em silêncio, não me posicionar, não abrir o peito diante da trincheira foi deixando de ser uma possibilidade. O papel de mocinho de novela não poderia me definir. Comecei a me questionar inclusive sobre o dinheiro. Será que era o dinheiro que me fazia continuar preso dentro do grande armário social e artístico? Meu dinheiro, afinal, vinha do meu trabalho como ator. Nunca fui um artista requisitado para grandes campanhas publicitárias. Imagino que havia receio por parte dos anunciantes. Deviam pensar: ‘Esse cara nunca namora uma mulher, vai que lançamos o produto com ele e depois sai a notícia de que é gay…'”.

A libertação

Por fim, Marco recordou do dia em que se abriu sobre a sua verdade íntima e anunciou o namoro com Marco, que conheceu durante uma viagem por Provincetown, Massachusetts, em 2019. “Estamos juntos há um ano e meio. Foi Marco que, no feriado norte-americano de Ação de Graças, postou uma foto nossa de mãos dadas. Ele me avisou antes. Eu topei, mas senti uma certa apreensão. Qual seria a reação das pessoas? Ele postou, e ficamos esperando. Começaram a pipocar comentários, então decidi repostar a foto com um stories na minha própria rede. Escrevi ‘choca zero pessoas’ para tirar onda com os comentários do tipo ‘ah, mas eu já sabia’. Postei e fiquei com um frio na barriga”, confessou.

Marco compartilhou o clique em suas redes sociais. (Foto: Reprodução/Instagram)
Marco compartilhou o clique em suas redes sociais. (Foto: Reprodução/Instagram)

Para alívio do ator, a recepção de fãs e colegas foi bastante carinhosa e acolhedora — como deveria ser em todos os casos. “Logo comecei a receber muitas, muitas mensagens de amigos, de colegas de trabalho, de fãs. Recebi mais parabéns do que no dia do meu aniversário. Foi uma libertação. Uma festa. Nada como viver às claras, ser o que se é em privado e em público. Talvez os futuros galãs não sintam o mesmo medo que eu senti de perder minha carreira. Naquele feriado, as respostas foram um alento imenso, o acolhimento de um mundo inteiro. Marco e eu convidamos uns amigos para comemorar. Tomei um porre. E hoje me sinto invencível”, encerrou.

Leia o relato de Pigossi para a Piauí na íntegra, clicando aqui.