O novo filme da Pixar, “Soul”, vem dando o que falar – além de emocionar o público com a história tocante do professor de música nova-iorquino, Joe Gardner. A animação é a primeira do estúdio a ter um protagonista negro. Assim como ele, a maior parte dos personagens também é afro-americana e, por esse motivo, a escolha de atores brancos para a dublagem do longa, em Portugal, vem causando grande polêmica nas redes.
Na versão original da produção, o estúdio honrou a representação visual da comunidade afro-americana também no áudio, escolhendo apenas pessoas negras para darem voz às animações. Dentre os artistas escalados, estão grandes nomes de Hollywood, como Jamie Foxx (Joe Gardner), Daveed Diggs (Paul), Questlove (Curly), Phylicia Rashad (Libba Gardner) e Angela Basset (Dorothea). No Brasil, quem deu vida ao professor de música foi o ator Jorge Lucas, intérprete do médico Dr. Mauri da novela “Bom Sucesso”.
A decisão de honrar a identidade da animação se repetiu na dublagem na maioria dos países. Infelizmente, em Portugal, a representatividade perdeu força e espaço, já que o elenco de dubladores responsáveis pela versão lusitana de “Soul” é composta, quase em sua totalidade, por atores brancos.
A escolha causou grande debate no país e repercutiu ao redor do mundo, ganhando cada vez mais força na web. A exclusão de artistas negros da dublagem, em um momento em que Portugal e o mundo vem enfrentando crescentes tensões raciais, não caiu bem e um time de figuronas da cultura local iniciou um movimento para concertar o erro do estúdio. Jorge Mourato, que dá voz ao personagem principal, foi acusado de racismo e o ator se pronunciou sobre o assunto durante entrevista para o programa online “Na Casa do Unas”.
Após publicação no Instagram defendendo-se das críticas, Jorge voltou atrás e, durante a entrevista, afirmou ter errado. “Sim, errei na resposta que dei e na forma como abordei a coisa”, admitiu. “Depois do que eu sei hoje, provavelmente daria oportunidade a outras pessoas, neste caso a colegas meus negros”, disse ele, explicando que só aceitaria o papel caso fosse feito um casting e se chegasse à conclusão que não existia nenhum ator negro perfeito para o papel em questão. Mourato ainda afirmou que, quando aceitou dublar o protagonista, não tinha conhecimento sobre a trama e o marco histórico que a animação representava para a cultura negra.
Disney se manifesta sobre a polêmica
A casa do rato mais famoso do mundo se pronunciou sobre o assunto em uma declaração à revista semanal portuguesa Sábado. “Esforçamo-nos para ser inclusivos nos nossos castings, contudo reconhecemos que há trabalho a fazer e estamos comprometidos em diversificar os talentos nas nossas dublagens, independentemente da geografia onde atuamos”, informou a empresa.
Uma aventura sem alma
O cantor Dino D’Santiago foi um dos primeiros a questionar a decisão do braço português do estúdio responsável pela animação. Por meio de uma publicação no Instagram feita no dia 30 de dezembro, o artista acusou que a versão lusitana da produção não tinha alma. “SOUL. Uma Aventura SEM Alma. SOUL estreia a nível mundial neste ano de 2020, que representou um dos anos mais importantes na história da humanidade na luta contra o racismo, e NÃO EXISTE REPRESENTATIVIDADE DA CULTURA AFRO-PORTUGUESA. Num elenco que conta com mais de 20 personagens e apenas 1 é negra??!!!”, indignou-se. “Portugal violou por completo o princípio que deu vida a este que, para NÓS, seria mais do que um filme de animação…”, acusou ele.
Confira as declarações completas do artista:
Ver essa foto no Instagram
Acompanhado por Mayra Andrade e Sara Tavares, além da modelo Ana Sofia Martins e do líder da ONG “SOS Racismo”, Mamadou Ba, Dino D’Santiago iniciou um abaixo assinado pedindo que a dublagem portuguesa de “Soul” seja refeita – dessa vez, com artistas negros que realmente representem o que está sendo mostrado na tela.
“Reclamamos por uma nova versão Portuguesa do filme ‘Soul’ da Disney e Pixar, respeitando a intenção original e reconhecendo a importância histórica deste momento. Porque este filme não é apenas mais um filme e o que ele representa importa”, relata o texto do abaixo-assinado.
O grupo de artistas afirma se preocupar com a representatividade e o legado da cultura negra representados pela versão original e afirma que não houve o mesmo cuidado com a dublagem portuguesa. “Não está em causa o habitual bom trabalho em dublagens feitas em Portugal ou a qualidade dos atores da versão portuguesa, mas há aqui a expectativa de respeito pela intenção original e pelo que este representa historicamente: ser o primeiro filme de animação com um protagonista negro, interpretado por vozes negras. As palavras respeito, representatividade e intenção são chave aqui”, reforça o texto.