Hugo Gloss

Francês que drogava a esposa para que fosse estuprada por outros homens presta depoimento e choca com confissão

Dominique Pélicot, francês acusado de drogar a esposa, Gisèle Pélicot, ao longo de dez anos para que estranhos a estuprassem enquanto estava desacordada, prestou depoimento nesta terça-feira (17). Durante audiência em Avignon, na França, ele assumiu todas as acusações e chocou ao falar sobre a vítima.

O julgamento do caso começou em 2 de setembro e deve se estender pelos próximos quatro meses. Pélicot foi acusado de drogar a esposa com tranquilizantes potentes, deixando-a desacordada, para que estranhos a violentassem. Ao todo, foram registrados por Dominique, em vídeo, 92 estupros, cometidos por 72 homens diferentes, desde 2011, quando ambos viviam em Paris. Entretanto, os crimes se tornaram mais frequentes a partir de 2013, quando o casal se mudou para Mazan, totalizando 4.000 vídeos, dos quais metades dos estupros eram executados pelo próprio Dominique. 22 dos responsáveis não foram formalmente identificados e, por isso, a acusação indiciou 50 réus, além do francês.

Pélicot depôs hoje, pela primeira vez, diante do tribunal em Avignon. Às testemunhas, ele disse ter sido vítima de abuso por um enfermeiro quando tinha 9 anos, além de expor outras experiências traumáticas que passou na infância. Questionado sobre os crimes, ele assumiu todas as acusações: “Sou um estuprador como os outros nesta sala”, declarou ele, referindo-se aos outros 50 acusados.

Durante o interrogatório, o homem também foi indagado sobre o casamento de quase 50 anos. Dominique alegou que considerou suicídio após descobrir que a esposa, Gisèle, estava tendo um affair. Ele afirmou que “queria bater o carro contra uma fileira de árvores”, mas não teve coragem de seguir em frente. “Talvez eu devesse ter feito isso”, pontuou.

Gisèle esteve presente para todos os depoimentos. (Foto: Reprodução/NBC News)

Ao descrever seus sentimentos pela vítima, Pélicot reforçou ser “louco” por Gisèle. “Eu a amava imensamente, e ainda a amo”, afirmou. “Eu a amei bem durante 40 anos e muito durante 10”, acrescentou, em uma referência velada aos 10 anos de estupros.

Durante a audiência, as autoridades apresentaram documentos que indicam que Dominique admitiu à polícia que sentia satisfação ao assistir outros homens estuprando a esposa enquanto ela estava desacordada. Questionado então sobre a violência que infligiu a ela, o homem assumiu que gravou os estranhos em parte por “prazer”, mas também “como garantia, desde hoje é graças [aos vídeos] que conseguimos encontrar as pessoas que participaram nisto”.

Ele insistiu que, apesar de alguns contestarem a acusação de estupro contra eles, alegando acreditar estar participando de uma fantasia sexual consensual do casal, “todos sabiam [que ela não estava ciente do que acontecia], não podem dizer o contrário”. Sobre sua ex-mulher, Dominique acrescentou: “Fui muito feliz com ela. Ela não merecia isso”.

A vítima, que estará presente para todos os dias do julgamento, lamentou a fala do ex-marido. “É difícil para mim ouvir isso”, declarou Gisèle, que teve a oportunidade de responder. “Durante 50 anos, vivi com um homem que nunca imaginei que pudesse ser capaz disso. Confiei nele completamente”, declarou ela.

Gisèle contou que o casamento com Dominique havia sido “no geral, feliz” até então. Juntos, eles teriam superado uma série de dificuldades financeiras e de saúde. O caso veio à tona em 19 de setembro de 2020, depois que Dominique foi flagrado filmando sob as saias de três mulheres em um supermercado. Ela teria até mesmo perdoado a situação, depois que o então marido afirmou que a situação não passava de um “incidente isolado”.

No entanto, Gisèle relembrou como descobriu sobre os crimes cometidos contra ela. Foi em novembro de 2020, quando foi convidada pela polícia para comparecer a um interrogatório ao lado do marido. Ao tribunal, ela afirmou que acreditava que o encontro com a polícia era uma formalidade relacionada ao incidente de upskirting (gravação por debaixo da saia).

“Mas depois de uma hora, o policial disse: ‘Vou lhe mostrar algumas coisas que você não achará agradáveis’. Ele abriu uma pasta e me mostrou uma fotografia”, detalhou. “Não reconheci nem o homem, nem a mulher dormindo na cama. O policial perguntou: Senhora, esta é sua cama e mesa de cabeceira?’. Foi difícil me reconhecer vestida de uma forma que não era familiar. Então, ele me mostrou uma segunda foto e uma terceira. Pedi para ele parar. Era insuportável. Eu estava inerte, na minha cama, e um homem estava me estuprando. Meu mundo desmoronou”, declarou a vítima.

“Tudo o que construímos juntos se foi. Nossos três filhos, sete netos. Costumávamos ser um casal ideal”, lamentou ela. “Eu só queria desaparecer. Mas tive que dizer aos meus filhos que o pai deles estava preso. Pedi ao meu genro para ficar ao lado da minha filha quando contei a ela que o pai dela tinha me estuprado e feito com que eu fosse estuprada por outros. Ela soltou um uivo, cujo som ainda está gravado na minha mente”, recordou.

Durante o momento de resposta, Gisèle Pelicot também reforçou ao tribunal que “nunca foi cúmplice” das violências e nunca fingiu estar dormindo. Ela declarou, ainda, que renunciou ao seu direito ao anonimato durante o julgamento para transferir a “vergonha” de volta para os acusados e para que ela pudesse falar por “todas as mulheres que foram drogadas sem saber, para que nenhuma mulher tenha que sofrer”. Saiba mais sobre o caso, clicando aqui.

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