Freira brasileira considerada “bonita demais” é afastada de cargo em mosteiro na Itália; irmãs se revoltam após expulsão

Aline Pereira Ghammachi afirma que sofreu machismo da instituição após ser acusada de maus-tratos

A madre-abadessa Aline Pereira Ghammachi foi deposta do cargo no Mosteiro San Giacomo di Veglia, próximo a Veneza, na Itália, após denúncias de maus-tratos e manipulação enviadas ao Vaticano. Segundo a brasileira, ela passou por situações vexatórias por ser “bonita demais”. O documento do caso foi obtido pela Folha de S. Paulo.

Aline deixou a instituição no dia 28 de abril deste ano, junto a outras 11 freiras, o que reduziu o número de irmãs no mosteiro pela metade. Ela ocupava o cargo desde fevereiro de 2018, quando se tornou a mais jovem da Itália a ser madre-abadessa, com 33 anos.

Em 2023, o Vaticano deu início a uma auditoria na instituição após receber uma denúncia anônima feita por quatro religiosas. Uma carta enviada ao Papa Francisco acusava Aline de maltratar e manipular as freiras, além de ocultar informações orçamentárias sobre o mosteiro. Ao jornal Gazzettino, ela contou que o documento foi enviado ao Dicastério, que decidiu colocar o convento sob administração especial. O caso foi arquivado após uma primeira inspeção, porém foi reaberto meses depois.

Aline afirma que a retomada do processo sofreu influência externa do abade-chefe da ordem responsável pelo mosteiro, frei Mauro Giuseppe Lepori. “Ele dizia que eu era bonita demais para ser abadessa, ou mesmo para ser freira. Falava em tom de piada, rindo, mas me expôs ao ridículo”, disse.

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O vaticano realizou visitas ao mosteiro para apurar o caso. Após uma segunda visitadora apostólica comparecer à instituição em 2024, Aline foi retirada do cargo. “Ela não fez nenhum teste conosco, não fez absolutamente nada, apenas teve uma conversa. E chegou à conclusão de que eu era uma pessoa desequilibrada e que as irmãs tinham medo de mim”, afirmou.

A freira Madre Martha Driscoll assumiu a liderança do instituição no lugar de Aline em 21 de abril, dia da morte do Papa Francisco. “Isso aconteceu num dia de luto para a Igreja, e num dia em que nós não poderíamos recorrer a ninguém. Chega essa comissária e se diz representante de uma pessoa que não existe mais”, reclamou Aline.

Em nota enviada ao jornal Corriere della Serra, a Ordem de Cister confirmou a nomeação e declarou que a brasileira “pediu para se ausentar do mosteiro por um período de tempo”.

Religiosa brasileira foi afastada do cargo. (Foto: Unsplash)

Ela alega ter perdido o cargo por discriminação. “Eu não tive direito de defesa. Fui colocada para fora do mosteiro, sem motivação. Estamos até recorrendo no Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica. Por que aconteceu? Porque eu sou mulher, porque eu sou jovem e porque, principalmente nesse contexto, sou brasileira”, disse. “Aí mostra a questão sexista, machista. Porque uma pessoa jovem e bonita deve ser burra. Não pode ser inteligente, tem que ficar calada”, completou.

Após a saída da ex-abadessa, metade das religiosas também deixaram o local. Uma delas, Maria Paola Dal Zotto, defendeu Aline publicamente em uma entrevista no jornal Gazzettino. “Foi inaugurado um tratamento medieval, um clima de calúnias e acusações infundadas contra a irmã Aline que, por sua vez, é uma pessoa muito séria e escrupulosa e que nos últimos anos se tornou o ponto de referência para a comunidade”, afirmou.

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O frei Lepori comentou o caso com em uma declaração à imprensa. “A ex-abadessa está se libertando, acreditando que pode recuperar o poder e a vaidade por meio de mentiras e manipulação da mídia”, acusou.

Aline se disse esperançosa com relação à escolha do novo Papa Leão XIV. “Eu acredito que seja positivo, porque ele luta pelos direitos humanos. E ele é um papa canonista, ou seja, é formado em direito canônico. Então, ele vai entender a lei. Isso para mim já fala muito. Eu não estou pedindo nada mais do que a lei”, disse.

A freira Aline Pereira Ghammachi. (Foto: Arquivo pessoal)

Nascida no Amapá, Aline é formada em administração e trabalhou como tradutora e intérprete da Igreja Católica antes de assumir o cargo abadessa.

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