Líderes de start-up que promovia “culto ao orgasmo” vão a julgamento; promotores as acusam de coagir funcionários a fazer sexo com milionários

O processo começou em junho de 2023 e se estende até hoje

Nicole Daedone e Rachel Cherwitz, líderes da startup de bem-estar OneTaste — empresa dedicada à chamada “libertação sexual feminina” — estão sendo processadas pela Justiça de Nova York, acusadas de manipular vítimas de traumas sexuais. O julgamento teve início nesta segunda-feira (5), e ambas respondem por impor um suposto esquema de trabalho forçado que teria ocorrido entre 2006 e 2018.

Segundo a Bloomberg, a empresa — descrita como uma “manifestação da cultura social de São Francisco” — se apresentava como uma organização voltada à libertação sexual feminina por meio de práticas subversivas. A OneTaste promovia uma vida em comunidade e oferecia aulas de “meditação orgásmica”, com a proposta de incentivar o empoderamento feminino.

No entanto, de acordo com promotores federais, essa filosofia seria apenas uma fachada para um esquema muito mais sombrio. Daedone e sua ex-diretora de vendas são acusadas de recrutar pessoas vulneráveis, especialmente vítimas de traumas sexuais, para trabalhar na empresa. As duas teriam explorado membros da comunidade e funcionários, coagindo-os a trabalhar sem remuneração e a realizar atos sexuais com investidores da marca.

Vítimas também alegam que Daedone e Cherwitz controlavam aspectos da vida pessoal dos funcionários e os levavam ao endividamento. Ambas se declararam inocentes, mas, se forem condenadas, podem enfrentar até 20 anos de prisão. O julgamento está sendo realizado no Brooklyn, em Nova York.

Cena do documentário “Orgasmos à Venda: O Lado Sombrio da OneTaste”, produção da Netflix que explora as acusações por trás da empresa. (Foto: Reprodução/Netflix)

A empresa

A OneTaste foi fundada por Nicole Daedone em 2004, com a proposta de reduzir a “lacuna de satisfação sexual entre homens e mulheres”. O nome da companhia foi inspirado em uma expressão budista, que, segundo a fundadora, significa: “assim como o oceano tem um único gosto de sal, também o tem o gosto da libertação”.

A partir daí, Daedone passou a promover o ritual da “meditação orgásmica” — uma prática que chegou a ser mencionada por celebridades como Khloe Kardashian e Gwyneth Paltrow. O ritual consistia em uma mulher, nua da cintura para baixo, deitada sobre almofadas enquanto um homem estimulava seus genitais.

Em uma palestra no TEDx, em 2011, Daedone disse que os participantes chegavam às aulas com “uma sensação de fome que corroía”. “Existe um transtorno de déficit de prazer neste país. Mas eu realmente acho que existe uma cura, e essa cura é o orgasmo”, declarou.

Nos anos seguintes, a OneTaste expandiu suas operações. Além de São Francisco, abriu sedes em Nova York, Los Angeles, Londres e outras cidades. Nessas unidades, eram oferecidos cursos introdutórios, além de retiros intensivos que podiam durar mais de uma semana — muitos deles custando dezenas de milhares de dólares.

Segundo a investigação, os alunos eram pressionados a contrair dívidas para pagar pelos cursos, fazendo uso desenfreado de cartões de crédito e até empréstimos. Cherwitz, responsável pelas vendas, liderou as operações comerciais por anos, especialmente durante o auge da empresa, em 2017, quando a OneTaste declarou uma receita de US$ 12 milhões.

Conforme a empresa crescia, surgiam também acusações de abuso por parte de ex-membros e funcionários, que passaram a comparar a OneTaste a uma seita. Em uma reportagem da Bloomberg Businessweek, publicada em 2018, ex-integrantes relataram terem sido incentivados a trabalhar de graça como demonstração de devoção à ideologia da empresa. Eles também afirmaram ter sido vigiados dentro das casas comunitárias da organização. No mesmo ano, a empresa encerrou suas atividades presenciais nos EUA.

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Revés inesperado

Durante a investigação, os promotores reuniram milhares de páginas de provas, incluindo mensagens de texto, e-mails e postagens em redes sociais, nas quais vítimas os supostos abusos e condutas sexuais inadequadas eram discutidos.

Entretanto, em março deste ano, a defesa de Daedone e Cherwitz conseguiu excluir algumas dessas evidências, após argumentar por meses que uma das principais testemunhas da acusação, Ayries Blanck, havia falsificado os diários que alegou ter escrito durante sua passagem pela empresa.

Os relatos de Blanck apareceram em um documentário da Netflix sobre o caso, de 2022, intitulado “Orgasmos à Venda: O Lado Sombrio da OneTaste”, além da reportagem da Businessweek. De acordo com documentos judiciais, a irmã de Blanck recebeu US$ 25 mil para participar da produção do streaming.

Os advogados das rés criticaram o caso e a credibilidade das testemunhas, classificando o processo como “um castelo de cartas prestes a ruir”. Eles reforçam a inocência de Daedone e Cherwitz e a legitimidade da empresa. “Pretendemos demonstrar que a OneTaste operava de forma legal, transparente e com a intenção de empoderar — e não prejudicar — sua comunidade”, disse Juda Engelmayer, porta-voz das acusadas.

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Em entrevista à NBC, Daedone afirmou que pretende testemunhar no julgamento e reforçou que as acusações do governo “não são verdade”.

O julgamento, que começou a seleção do júri ontem (5), está previsto para durar seis semanas. Promotores e advogados de defesa devem recolher as declarações iniciais ainda nesta terça-feira (6). A expectativa é que o julgamento dure até seis semanas. Uma das responsáveis pela defesa de Daedone é Jennifer Bonjean — que também defende Harvey Weinstein em seu novo julgamento por crimes sexuais.

A juíza federal Diane Gujarati, ex-promotora federal em Manhattan entre 1999 e 2020, foi a escolhida para presidir o caso. Ela foi indicada ao cargo pelo presidente Donald Trump em 2019.

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