Um livro didático alemão virou assunto nas redes sociais nesta quinta-feira (13), após retratar o brasileiro como alguém que “não estuda” e “busca comida no lixo”. O caso gerou revolta e resultou em uma nota de repúdio da embaixada do Brasil em Berlim, na Alemanha. Uma família que mora no país europeu chegou a denunciar a publicação por retratar “estereótipos xenofóbicos”.
O livro “ABC der Tiere” (ABC dos Animais, em português), da editora Mildenberger Verlag, é usado por crianças do quarto ano do ensino fundamental. Na atividade em questão, ele compara uma criança alemã com uma brasileira. “Olá, meu nome é Marco. Eu não vou à escola. Eu moro no Rio de Janeiro, sou brasileiro. De manhã, procuro restos de comida nas latas de lixo. Quero me tornar um jogador de futebol profissional”, narra.
Veja:

O material, inclusive, preocupou famílias que moram na Alemanha após seus filhos serem alvos de bullying. Renato Galisteu, pai de um menino de 11 anos e natural da cidade de São Paulo, relatou que a criança sofreu provocações na escola. Segundo ele, o filho disse que outro aluno perguntou se ele foi procurar comida no lixo.
“O bullying nunca existiu. Meu filho chegou em casa e comentou com a gente, estarrecido, que em uma lição na escola foi falado de uma criança brasileira que não ia para a escola, pois tinha que procurar comida no lixo. Meu filho não viu como um ataque a ele, mas, sim, como algo que as pessoas questionariam, tendo em vista que estava no livro da escola”, disse ao g1.
Renato acrescentou que a mãe do garoto comentou em um grupo nas redes sociais sobre a história. Ele também admitiu temer que o estereótipo xenofóbico pudesse virar bullying futuramente. “A preocupação da minha esposa era, essencialmente, se em outras escolas esse também era o livro e se as crianças passavam por algo”, desabafou.
Embaixada brasileira se pronuncia
De acordo com o UOL, o livro didático fez com que crianças brasileiras fossem vítimas de ataques dos colegas. Alguns pais salientaram que, segundo seus próprios filhos, crianças alemãs levavam comida para eles nos intervalos das aulas. As declarações repercutiram e culminaram em um posicionamento da embaixada brasileira em Berlim sobre o caso.
A embaixada apontou que, no Brasil, a taxa de escolarização de crianças entre 6 e 14 anos chega a 99,4%, como consta na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2023. “A Embaixada do Brasil em Berlim repudia a referência que se atribui a um fictício personagem infantil brasileiro no livro pretensamente didático ‘ABC der Tiere – Sprachbuch 4’, da editora Mildenberger, em uso em escolas na Alemanha, que propaga imagem distorcida e preconceituosa acerca das crianças do Rio de Janeiro e do Brasil”, destacou.
“A existência de elevada taxa de inequidade é um problema reconhecidamente grave no Brasil, que vem sendo enfrentado por sucessivos governos brasileiros ao longo das últimas décadas e ao qual o Presidente Lula atribui particular relevância desde seu primeiro governo. Os esforços empreendidos para garantir que crianças tenham acesso adequado a educação e saúde são reconhecidos como referência para outros países em desenvolvimento pelo Banco Mundial, pela OIT e pela FAO”, detalhou.
Em seguida, a embaixada citou os programas em prol da comunidade brasileira. “A implementação de grande número de políticas públicas de longo prazo (como os programas ‘Bolsa Família’, ‘Criança Alfabetizada’, ‘Escola em Tempo Integral’ e ‘Proinfância’) tem permitido significativos avanços no acesso à educação de qualidade, na luta contra a pobreza e no combate à fome. O programa de merenda escolar, que garante a adequada alimentação de alunos brasileiros, também é exemplar e tem sido mencionado como referência pelas competentes autoridades do governo alemão”, pontuou.
“O programa ‘Bolsa Família’, criado em 2003, se tem ampliado de forma sucessiva ao longo dos anos e condiciona o recebimento de recursos à realização de exames pré-natal por gestantes, ao cumprimento de calendário de vacinas estabelecido pelo governo federal e ao acompanhamento do estado nutricional das crianças menores de sete anos. Além de frequência escolar mínima para crianças e adolescentes de 4 a 18 anos”, listou o órgão.
“Ao associar-se às inúmeras mensagens de repúdio da comunidade brasileira na Alemanha à publicação, a embaixada esclarece que está buscando contatos com a editora e com autoridades alemãs para a adoção de providências a respeito do texto em questão”, concluiu o comunicado. Confira:
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Editora se pronuncia e altera livro
Após a onda de críticas, a Editora Mildenberger Verlag se retratou e assumiu a responsabilidade pelo erro. “Recebemos feedback válido sobre a retratação de uma criança brasileira em um de nossos livros escolares. Nunca foi nossa intenção reforçar estereótipos negativos ou transmitir uma representação unilateral. Lamentamos que isto ainda tenha acontecido”, declarou.
Uma mudança também deverá ser feita. “Gostaríamos de pedir sinceras desculpas à comunidade brasileira e a todos os leitores afetados. Estamos a receber este feedback e vamos rever o manual. Nós ajustamos imediatamente a página e disponibilizamos a nova versão para download com o artigo na loja web”, informou a editora.
No entanto, não foram dados mais detalhes sobre correções nos livros físicos. Na nova página, a criança brasileira ainda se apresenta como o carioca Marco, mas agora afirma que sua matéria preferida é educação física e que sonha em ser jogador de futebol. “Nosso objetivo é capacitar as crianças na sua abertura e respeito por um mundo diversificado e culturas diferentes. Agradecemos as suas dicas e empenho, porque somente através do diálogo podemos aprender e melhorar juntos”, completou.
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