Mulher drogada pelo marido para ser violentada por outros homens durante 10 anos fala pela primeira vez em julgamento: “Como se estivesse morta”

O caso veio à tona em setembro de 2020, mas o julgamento só começou nesta segunda (2)

Nesta quinta-feira (5), a francesa Gisèle Pélicot se manifestou pela primeira vez sobre os abusos que sofreu do marido. Ao longo de dez anos, ela foi drogada por ele para que estranhos a estuprassem enquanto estava desacordada. A fala da vítima aconteceu no quarto dia do julgamento do ex, Dominique Pélicot, e de outros 50 homens, também responsáveis pelos abusos. As informações são do g1 e da AFP.

O caso, que chocou a França, veio à tona em 19 de setembro de 2020. Dominique foi flagrado filmando sob as saias de três mulheres em um supermercado. A esposa foi intimida pelas autoridades francesas a depor na delegacia, e foi então que um policial revelou imagens dos estupros encontradas no computador de Dominique.

O casal estava junto desde 1971 e tem três filhos e sete netos. “Em 50 anos não tivemos uma vida linear, mas sempre nos mantivemos unidos. Problemas financeiros, problemas de relacionamento, problemas de saúde… Sempre apoiei meu marido. Tenho um sentimento de nojo, tínhamos tudo para sermos felizes, tudo. Não entendo como ele conseguiu chegar a isso”, desabafou ela.

Dominique Pélicot
Dominique Pélicot assumiu os crimes. (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal/The Standard)

O julgamento do caso começou na segunda-feira (2) e deve se estender pelos próximos quatro meses. Pélicot foi acusado de drogar a esposa com tranquilizantes potentes, deixando-a desacordada, e levar homens para que eles pudessem estuprá-la em Mazan, no sul de França, onde o casal morava.

Ao todo, foram registrados por Dominique, em vídeo, 92 estupros, cometidos por 72 homens diferentes, desde 2011, quando ambos viviam em Paris. Entretanto, os crimes se tornaram mais frequentes a partir de 2013, quando o casal se mudou para Mazan. 22 dos responsáveis não foram formalmente identificados e, por isso, a acusação indiciou 50 réus, além de Dominique.

Pela primeira, Gisèle vivenciou os horrores aos quais foi submetida, já que estava completamente desacordada durante os estupros. “Assisti a todos os vídeos. Não são cenas de sexo, são cenas de estupro; dois, três deles sobre mim. Fui sacrificada no altar do vício. Quando vemos essa mulher, drogada, maltratada, morta na cama… Claro que o corpo não está frio, está quente, mas eu estou como se estivesse morta. Esses homens estão me contaminando, aproveitando-se de mim”, declarou ela sobre a violência.

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Dominique confessou, na terça-feira (3), ser culpado de todas as acusações e pode enfrentar uma pena de até 20 anos de prisão. No tribunal, entre os 50 acusados, 35 afirmaram ser inocentes e 13 se declararam culpados. Um dos réus está foragido e outro não compareceu ao julgamento. Além disso, 18 dos acusados foram colocados em prisão preventiva.

Com idades variando entre 26 e 74 anos e perfis bastante distintos, os homens eram contatados diretamente por Dominique através do site de encontros coco.fr. Segundo a investigação, ao longo dos dez anos de abusos, a grande maioria dos acusados frequentou a casa do casal em Mazan, no sul da França, pelo menos uma vez. Dez deles estiveram no local até seis vezes.

As autoridades francesas revelam que Dominique a deixava dopada, desacordada e à mercê dos “convidados”. Ele não pedia dinheiro em troca das relações sexuais, mas orientava os homens a não usar perfume ou tabaco, além de aquecer as mãos com água quente e tirar a roupa na cozinha, para evitar que itens fossem esquecidos no quarto.

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Os 50 acusados foram submetidos a avaliações psicológicas e, segundo especialistas, nenhum deles apresenta patologias significativas. No entanto, muitos demonstraram um sentimento de “onipotência” sobre o corpo feminino. Alguns alegaram acreditar que estavam participando das fantasias sexuais do casal, argumento que foi rebatido por Dominique. Segundo o principal acusado, todos estavam cientes de que Gisèle estava drogada sem o seu consentimento.

Ainda de acordo com a investigação, “cada um dispunha de seu livre arbítrio” e poderia ter “partido” ao perceber a situação.

Gisèle ficou presente para todos os depoimentos. (Foto: Reprocução/NBC News)

Questionada sobre os homens que negaram culpabilidade no caso, a vítima foi veemente em apontar os estupradores. Ela destacou, ainda, que mesmo os que se dizem inocentes nunca denunciaram o que ela vinha sofrendo.

“Que eles reconheçam os fatos, o contrário é insuportável. Que eles tenham, pelo menos uma vez na vida, a responsabilidade de reconhecer seus atos. Estes senhores permitiram-se entrar na minha casa, não me violaram com uma arma apontada à cabeça. Estupraram-me com toda a consciência. Por que não foram à delegacia? Até um telefonema anônimo poderia salvar minha vida”, declarou Gisèle.

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O caso foi revelado por escolha de Gisèle. Segundo seus advogados, ela renunciou ao seu direito ao anonimato para que “isso nunca mais aconteça” e porque um julgamento a portas fechadas era “o que seus agressores queriam”. “Hoje ela percebe que da sua própria história há muitas lições a serem aprendidas, e o seu primeiro desejo é obviamente que isso seja conhecido. O silêncio é, em última análise, o que os agressores querem, os acusados, mas também quem ainda está do lado de fora e continua com esse tipo de comportamento”, afirmou Antoine Camus.

Segundo a imprensa que acompanha o caso, durante todo seu depoimento, que durou duas horas antes de um intervalo para almoço, a francesa se mostrou firme. Todavia, ao juiz, ela admitiu sua dor: “Dentro de mim sou um campo de ruínas. A fachada é sólida, mas por trás dela…”

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Além dos registros dos abusos contra a esposa, foram encontradas imagens da filha do casal, Caroline, no computador de Dominique, em uma pasta intitulada “minha filha nua”. A revelação veio à tona na terça-feira (3), e deixou Caroline aos prantos.

A imprensa francesa apontou que a jovem saiu da audiência tremendo, acompanhada dos dois irmãos. Ela só retornou depois de 20 minutos.

Sua mãe, Gisèle, não deixou o local, nem mesmo durante os relatos dos abusos. O ex-marido e principal agressor “permaneceu impassível”, enquanto seus crimes eram expostos ao tribunal.

Em uma entrevista ao jornal “Le Parisien”, Caroline admitiu ter medo de que o pai também pudesse ter convidado homens para estuprá-la, após descobrir um clique em que aparece com “a calcinha de outra pessoa”. “Estou convencida de que fui drogada, mas ele nunca vai admitir”, lamentou.

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