Nesta terça-feira (5), a Guarda Costeira dos Estados Unidos divulgou o relatório final sobre a implosão do submarino Titan, da empresa Oceangate. De acordo com o documento, a tragédia foi causada por um projeto estrutural inadequado da embarcação, além de “graves falhas” nos protocolos de segurança adotados pela companhia.
O acidente, que ocorreu em junho de 2023, teve repercussão mundial. No dia 18 daquele mês, o então CEO da Oceangate, Richard Stockton Rush, embarcou com um copiloto e três bilionários em uma expedição aos destroços do Titanic. No entanto, ao atingir cerca de 3.350 metros de profundidade, o submersível implodiu devido à pressão da água. Todos os ocupantes morreram instantaneamente.
O relatório classifica a tragédia como “evitável” e atribui a principal causa à perda de integridade estrutural do casco de fibra de carbono do submarino.
“A principal causa [da implosão] é o fato de a Oceangate não ter seguido protocolos de engenharia estabelecidos para segurança, testes e manutenção do submersível. (…) Por vários anos antes do incidente, a empresa usou táticas de intimidação, o argumento de que realizava operações científicas e sua reputação positiva para escapar da fiscalização. Ao criar e explorar de forma estratégica uma confusão acerca das regras e supervisões, a empresa conseguiu operar o Titan totalmente fora dos protocolos estabelecidos para mergulhos em grandes profundidades”, afirmou a Guarda Costeira americana.
Além das falhas estruturais, a análise aponta problemas nos processos de certificação, manutenção e inspeção do submersível. Segundo testemunhas, a liderança da empresa também fomentava um ambiente de trabalho tóxico.

Os principais fatores apontados pelo relatório incluem:
– O design do Titan não respeitava princípios básicos de engenharia nem passava por testes adequados, comprometendo a resistência do casco em ambientes de alta pressão;
– A estrutura de fibra de carbono apresentava falhas em diversos aspectos técnicos, como enrolamento, cura, colagem, espessura e padrões de fabricação;
– A Oceangate ignorou incidentes anteriores que afetaram a integridade do casco, mantendo o submersível em operação sem inspeções rigorosas;
– Não foram realizados estudos sobre a vida útil do casco nem manutenções preventivas durante o período em que a embarcação ficou inativa antes da última expedição;
– A empresa confiava excessivamente no sistema de monitoramento em tempo real, sem interpretar corretamente os dados obtidos;
– Relatos indicam que funcionários experientes eram demitidos ou ameaçados ao levantarem preocupações sobre segurança, fortalecendo uma cultura de medo e silenciamento.

Histórico problemático
As conclusões da Guarda Costeira corroboram depoimentos colhidos em uma audiência pública realizada em setembro de 2024 pelo Conselho de Investigação Marítima dos EUA. Ex-funcionários da Oceangate revelaram detalhes alarmantes sobre a negligência da empresa e as fragilidades do Titan.
David Lochridge, ex-diretor de operações da companhia, relatou ter alertado, ainda em 2018, sobre a insegurança do submersível em grandes profundidades. Após sugerir novos testes com o casco de fibra de carbono, ele foi demitido.
Em testemunho à Justiça dos EUA, Roy Thomas, engenheiro-chefe do American Bureau of Shipping, explicou que, embora seja leve e resistente, a fibra de carbono é “suscetível a falhas por fadiga” sob pressurização repetida e pode ser comprometida por água salgada.
Outro ponto crítico levantado pelo relatório é que o Titan nunca passou por uma revisão independente, procedimento comum em veículos do tipo. O cofundador da Oceangate, Guillermo Sohnlein, chegou a alegar que o projeto contava com apoio técnico da NASA e da Boeing, mas funcionários dessas instituições disseram que a participação foi limitada, uma vez que a empresa não seguiu recomendações técnicas.
Houve também relatos de que estalos altos foram ouvidos em expedições anteriores. Don Kramer, engenheiro do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes (NTSB), afirmou que o casco do Titan já havia sofrido danos cerca de um ano antes da implosão.
De acordo com Steven Ross, ex-diretor científico da empresa, o submarino também apresentou falhas dias antes do acidente fatal. Em um mergulho de teste, a instabilidade foi tanta que os passageiros foram arremessados de um lado para o outro. O resgate da embarcação levou cerca de uma hora.

Negligência e ganância da Oceangate
O relatório final também destaca a pressa da Oceangate em colocar o projeto em operação, ignorando alertas técnicos em nome de lucro.
Um ex-funcionário, que preferiu não se identificar, afirmou que a empresa enfrentava dificuldades financeiras e dependia das expedições como fonte de receita — cada cliente pagava US$ 250 mil (cerca de R$ 1,36 milhão) pela viagem.
Tony Nissen, ex-diretor de engenharia da Oceangate, recusou-se a pilotar o Titan a pedido de Stockton Rush. “Não vou entrar nele”, disse, ao relatar que foi pressionado a acelerar os testes, mesmo com dúvidas sobre a segurança do veículo.
David Lochridge, por sua vez, afirmou sentir-se usado pela empresa, que o teria contratado apenas para dar um verniz científico às operações. “O objetivo principal da empresa era ganhar dinheiro. (…) Havia muito pouco em termos de ciência”, concluiu Lochridge.
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