Mike Jeffries, ex-CEO da marca de roupas Abercrombie & Fitch, foi liberado sob fiança de US$ 10 milhões (R$ 57,1 milhões) ao final de terça-feira (22), mesmo dia em que havia sido preso. O juiz responsável pelo caso, Bruce E. Reinhart, determinou que ele ficasse em prisão domiciliar com monitoramento por GPS. O empresário também não poderá viajar sem autorização e terá seu passaporte retido.
Jeffries chegou a ser fotografado pelo jornal The New York Post ao deixar o tribunal federal em West Palm Beach, na Flórida, com sua equipe jurídica. Ele sorriu para os paparazzi e depois foi visto usando uma tornozeleira eletrônica. Clique AQUI para ver as fotos.
O ex-CEO da marca de roupas é acusado pela Justiça dos Estados Unidos de tráfico sexual e prostituição interestadual de diversos jovens entre 2008 e 2015. Segundo o Gabinete do Procurador dos EUA para o Distrito Leste de Nova York, Mike também responde por exercer “poder, riqueza e influência” para ter praticado os atos criminosos por mais de uma década.
A pena de Jeffries pode variar de 15 anos à prisão perpétua, caso seja condenado. Já a queixa de prostituição interestadual tem pena máxima de 20 anos. Matthew Smith, parceiro do empresário, também foi detido e teve uma audiência judicial na Flórida, por ser considerado cúmplice nos crimes. Jim Jacobson, que havia sido preso em Wisconsin, foi solto após pagar fiança de US$ 500.000 (R$ 2,8 milhões).
Segundo as investigações conduzidas pelo FBI e pela Unidade de Vítimas Especiais da Polícia de Nova York, o ex-CEO se aproveitou de seu cargo na empresa para aliciar jovens para encontros sexuais, com a promessa de que poderiam se tornar modelos da Abercrombie & Fitch. Ao todo, o trio enfrenta 15 acusações de prostituição interestadual.
O esquema
De acordo com as investigações do caso, Jeffries e Smith “pagaram dezenas de homens” para viajarem pelos Estados Unidos e até para o exterior, “com o propósito de envolvê-los em atos sexuais comerciais”. Jacobson, por sua vez, seria o principal intermediário do aliciamento e teria feito “testes” com candidatos em potencial.
Ou seja, exigia que as vítimas mantivessem relações sexuais com ele antes de serem encaminhadas ao ex-CEO e seu companheiro. Porém, caso se recusassem ao ato, sofriam ameaças de uma retaliação que “arruinaria suas vidas profissionais”.
As autoridades mostraram que os rapazes recebiam acordos de confidencialidade para assinar e tinham os celulares “apreendidos para evitar vazamentos e relatos”. Os modelos ainda teriam sido dopados com “álcool, relaxantes musculares, lubrificante e Viagra” antes de serem abusados. A acusação destacou que as vítimas tiveram a integridade física violada, por meio do contato sexual invasivo com membros do corpo e objetos.
O procurador Breon Peace relatou que o trio usou “força, fraude e coerção para traficar esses homens para sua própria satisfação sexual”, acrescentando que eles não foram informadas sobre o propósito dos “eventos” para os quais eram convidadas. “Eles gastaram milhões de dólares em uma infraestrutura enorme para dar suporte a essa operação”, explicou para o Distrito Sul de Nova York, em uma coletiva.
Peace afirmou que ao menos 15 vítimas já foram identificadas, e suas identidades seguem em sigilo até o momento. No entanto, os investigadores estimam que haja “dezenas e dezenas” de outros homens abusados por Jeffries, Smith e Jacobson.
Os crimes teriam acontecido no balneário de luxo dos Hamptons, em Long Island, na cidade de Nova York, assim como na Inglaterra, França, Itália, Marrocos e na ilha de Saint-Barts, um dos lugares caribenhos que atrai ricos e famosos.
Drogas injetadas, humilhação e abusos
Como citado nos documentos do processo, as vítimas eram violentadas com “a inserção de grandes brinquedos sexuais no ânus, e enemas de alta pressão administrados pela inserção de uma mangueira no ânus”. Os jovens também teriam sido drogados e submetidos a tratamentos dolorosos e humilhantes, com lubrificantes e medicamentos para ereção injetados em seus órgãos genitais.
“Em mais de uma ocasião, [Jeffries e Smith] direcionaram outras pessoas ou pessoalmente injetaram nos pênis dos homens uma substância indutora de ereção de grau prescrito, com o propósito de fazer com que eles se envolvessem em atos sexuais para os quais seriam fisicamente incapazes ou não estariam dispostos”, descreveu um trecho.
“Essas injeções não eram indicadas clinicamente e frequentemente faziam com que os homens sofressem reações físicas dolorosas que duravam várias horas. Jeffries e Smith empregavam seu uso para satisfazer seus próprios desejos sexuais, fazendo com que os homens se submetessem a elas”, destacou o documento.
Reportagem bombástica e depoimentos
As acusações de abuso surgiram pela primeira vez no ano passado, em uma reportagem da BBC que envolveu 12 vítimas. Metade dos homens ouvidos pela reportagem disse eles que foram enganados, e que não houve aviso algum de que o sexo faria parte dos encontros. Outra parcela confirmou ter consciência de que os eventos seriam sexuais, mas não sabia dizer exatamente o que seria esperado deles.
A BBC informou, ainda, que todos foram pagos após os atos. De acordo com as denúncias, alguns jovens eram obrigados a serem depilados por um funcionário contratado para o trabalho. A experiência foi descrita como “desumanizante”. O site chegou a divulgar declarações chocantes dos rapazes.
“Jim [Jacobson] deixou claro para mim que, a não ser que eu deixasse ele fazer sexo oral em mim, eu não teria uma reunião com a Abercrombie & Fitch ou Mike Jeffries. Era como se ele estivesse vendendo a fama, e o preço era a submissão”, contou David Bradberry. O modelo revelou, ainda, ter ido a uma festa na mansão de Jeffries nos Hamptons, onde fez sexo com ele.
No entanto, David disse à rede britânica que a localização “isolada” da residência e a presença de uma equipe pessoal de funcionários do empresário supervisionando os eventos, inclusive no quarto, fizeram com que “ele não se sentisse seguro para dizer ‘não’ ou ‘não me sinto confortável com isso'”.
Um segundo modelo, identificado como Barrett Pall, revelou que também havia pressão para os jovens realizarem atos sexuais uns com os outros. “Essa experiência, acho que ela me quebrou. Acho que isso roubou qualquer resquício de inocência que eu ainda tinha. Me bagunçou mentalmente. Mas com a linguagem que tenho hoje, posso sentar aqui e dizer para você que se aproveitaram de mim”, desabafou ele.
“Quando eu junto as coisas, acredito que há uma possibilidade muito boa de que eu tenha sido drogado e estuprado. Eu provavelmente nunca vou saber com certeza a resposta do que aconteceu”, admitiu uma terceira vítima, identificada apenas como Alex.
Posicionamento da A&F e processo contra ex-CEO
Em documentos legais obtidos pela BBC, a Abercrombie & Fitch alegou que a atual direção da empresa “não estava ciente” das denúncias contra Mike Jeffries até ser contatada pelo site. A marca expressou, ainda, que “abomina abusos sexuais e condena a suposta conduta” do ex-CEO e outros envolvidos.
Em outubro de 2023, a A&F divulgou um comunicado, informando a contratação de um escritório de advocacia para realizar uma investigação independente dos fatos dentro da empresa. Veja a íntegra:
Após as acusações de tráfico sexual e prostituição, Jeffries processou a Abercrombie para obrigar a marca a pagar sua defesa. Um juiz garantiu a ele este direito, já que os crimes pelos quais é acusado teriam potencial relação com a empresa. O empresário foi CEO da Abercrombie & Fitch de 1992 até 2014, quando sua aposentadoria foi anunciada devido à queda em popularidade e lucros.
À época, Mike recebeu um pacote de aposentadoria de US$ 25 milhões (R$ 142,8 milhões). Conforme a imprensa internacional, ele ficou conhecido como uma figura controversa que lidou com acusações de discriminação por parte de funcionários, gastos excessivos e pela influência indevida de seu parceiro, Matthew Smith, na empresa.