Em 17 de janeiro, a apenas 9 dias do ‘Grammy 2020’, a presidente da premiação Deborah Dugan foi demitida após seis meses no cargo por alegações de “má conduta”. Com os detalhes de contrato resolvidos, a empresária decidiu contar a sua versão da história.
Nessa terça-feira (21), Deborah preencheu uma denúncia de discriminação na Comissão de Igualdade de Oportunidades de Emprego, na qual faz uma série de graves acusações contra a Recording Academy, incluindo denúncias de assédio sexual e estupro, discriminações raciais e de gênero e fraudes nas indicações ao prêmio.
Confira as principais acusações incluídas no documento de 46 páginas obtido pelo site “Pitchfork”:
Assédio Sexual e Estupro
No documento, Dugan diz que acredita ter sido afastada do cargo por conta de um email que ela enviou ao departamento de recursos humanos no dia 22 de dezembro. No email – cujo texto estava incluído nas denúncias – a empresária descreve um suposto assédio sexual que sofreu do advogado Joel Katz, membro do conselho da Academia.
O email alega que em maio de 2019, antes de começar a trabalhar na premiação, ela foi convidada para um jantar com o homem. Durante a refeição, ele teria expressado um comportamento “desconcertante e inteiramente inapropriado”, a chamando de “baby”, discutindo sua aparência e dizendo que ela era “muito bonita”. Ele também teria tentado beijá-la. De acordo com Deborah, as atitudes inapropriadas continuaram inabaladas após o primeiro encontro.
Além disso, a ex-presidente revelou que na mesma época, durante uma reunião do conselho, ela foi informada pela primeira vez de que uma artista estrangeira (e membro da Academia) havia acusado o executivo Neil Portnow, a quem Dugan sucedeu no cargo, de estupro. Ela acrescenta que, antes do conselho informá-la sobre a acusação, os membros haviam pedido para ela contratar o executivo como seu consultor por US$ 750 mil.
Discriminação por Raça e Gênero na Academia
Deborah aponta, na denúncia, que percebeu a discriminação de gênero da Recording Academy assim que foi contratada, já que “ofereceram uma quantia de dinheiro bem menor para ela do que seu predecessor, Portnow, estava recebendo”. Quando ela trouxe o fato à tona e pediu um salário igual, a empresária teria visto sua proposta ser recusada e ouvido que “ela deveria estar feliz porque estava ganhando mais do que ganhava em seu último cargo”. Ela ainda descreve o caso de outras mulheres que foram afastadas, demitidas ou rebaixadas por pedidos parecidos.
Em outro momento, Dugan diz que um trabalhador temporário negro e gay sofreu um colapso mental após colegas de trabalho pendurarem um “desenho humilhante que o mostrava como uma caricatura com lábios enormemente exagerados”. Além dele, uma mulher negra contratada para trabalhar no museu do Grammy foi imediatamente demitida após começar a questionar a falta de representatividade na Academia.
Discriminação por Raça e Gênero no Grammy
De acordo com a ex-presidente, os prêmios principais do Grammy quase nunca vão para as estrelas do rap e do R&B – em sua maioria negras – como Beyoncé, Kanye West, Kendrick Lamar, mesmo que eles vençam suas categorias específicas nos respectivos gêneros. Nas categorias de “Álbum, Música e Gravação do Ano”, os vencedores ficariam entre rock, country e pop por um suposto preconceito da academia.
Ela também ressaltou que, em toda a história do Grammy, apenas 10 artista negros venceram “Álbum do Ano” e foi apenas em 2004 que um álbum de rap, “SpeakerBoxxx/The Love Below” do Outkast, arrematou a categoria.
A empresária também destacou a cerimônia de 2018 do Grammy, em que a única mulher solo a receber um prêmio durante a exibição foi a “artista revelação” Alessia Cara. Lorde, a única mulher indicada para “Álbum do Ano” nem foi convidada para se apresentar.
Fraude nas indicações
Além de denúncias sobre conduta, a ex-presidente também expôs um esquema de fraudes nas indicações ao Grammy. De acordo com Deborah, o conselho da Academia usaria as indicações “como uma oportunidade para alavancar artistas com quem eles possuem relações”.
Ela explica que as submissões para cada categoria da premiação são primeiro votadas pelos 12 mil membros da Academia e então os Top 20 selecionados são revisados pelos comitês de indicações. Entretanto, o conselho selecionaria artistas que não estavam de fato posicionados no Top 20.
Especificamente, Dugan alega que o comitê de indicações para Melhor Álbum de Jazz incluiu arbitrariamente um artista – originalmente de fora do TOP 20 – entre os indicados da categoria. Ainda de acordo com ela, no geral, 30 artistas não selecionados pelos membros votantes foram adicionados nas listas de indicações do “Grammy 2020”, nesse mesmo esquema.
A prática seria corriqueira. Deborah explica que na edição de 2019, um artista inicialmente posicionado na 18ª colocação do TOP 20 na categoria “Canção do Ano” conseguiu mesmo assim ficar entre os principais indicados. Este mesmo artista estava presente no comitê de indicações para “Canção do Ano” e seria representado por um membro do conselho. Como resultado, estrelas bem votadas pelos membros como Ed Sheeran e Ariana Grande foram prejudicadas e acabaram ficando de fora da categoria em questão na época.
🎉 Congratulations 61st #GRAMMYs Song Of The Year nominees: @kendricklamar, @sza, @ellamai, @Drake, @ShawnMendes, @Zedd, @MarenMorris, @greymusic, @ladygaga, #BradleyCooper, and Childish Gambino (@donaldglover)!
Get to know the nominees: https://t.co/bwtAdpA1gI pic.twitter.com/pjAM69tRDh
— Recording Academy / GRAMMYs (@RecordingAcad) December 7, 2018
A acusação de má conduta
Sobre o motivo da demissão, Deborah ressalta ter sido acusada por Claudine Little, a antiga assistente executiva de Portnow. De acordo com a empresária, ela teria tentando continuar trabalhando com Little, mas percebeu que a funcionária “não se adequava à tarefa”. Ela tentou achar outro trabalho para a assistente na organização, mas não conseguiu já que a mulher se ausentou da Academia entre o final de outubro de 2019 e o dia 25 de novembro.
Dugan diz que percebeu que Claudine tinha escolhido não retornar em novembro, mas que fora proibida pelo conselho de contratar ou demitir qualquer pessoa sem aprovação. Ela acredita que os membros do conselho tenham colocado pressão em Little para “denunciá-la sem qualquer prova”, em um esforço de tirá-la da posição.
Por outro lado, o presidente interino que assumiu o posto após a saída de Deborah, Harvey Mason Jr., diz outra coisa. De acordo com um comunicado publicado por ele no site oficial do Grammy, o Comitê Executivo da premiação teria tomado conhecimento de reclamações sobre um “ambiente de trabalho abusivo” de Deborah.
O comunicado ainda diz que as alegações de Deborah foram feitas apenas após as acusações da funcionária. Como resposta, a Academia teria começado investigações tanto sobre a declaração de Deborah quanto sobre as denúncias contra ela. Ele acrescenta que “o advogado da Sra. Dugan informou o Comitê que se ela recebesse milhões de dólares, iria retirar as denúncias e sair de seu cargo como presidente”.
Para concluir sua denúncia, Deborah caracterizou a organização como “um clube de meninos” e disse que foi avisada por outra mulher sobre a corrupção da organização. “Na época, eu não quis acreditar, mas agora, após cinco meses de exposição aos comportamentos e circunstâncias daqui, eu comecei a suspeitar que ela estava certa”, afirmou a empresária.