Emicida resgata texto problemático de Barbara Gancia no ‘Roda Viva’ e jornalista rebate: “Bostinha sem senso de humor”

Emicida foi o convidado do “Roda Viva” nessa segunda-feira (27) e, entre declarações certeiras e eloquentes, o rapper fez uma menção ao texto “Cultura de Bacilos”, que Barbara Gancia escreveu para a “Folha de São Paulo” em 2007. Incomodada após a citação no programa, a jornalista disparou uma série de tuítes para rebater o músico, a quem ela chamou de “bostinha sem senso de humor” e “nanico”.

No texto de 2007, Barbara criticava o uso de verbas públicas para ensinar hip hop a jovens. Na ocasião, ela insinuou que o hip hop estava ligado ao tráfico de drogas. Emicida usou o caso de exemplo para falar sobre a “cultura do cancelamento”. “Eu acho que tem uma coisa aí que a gente tem que observar com cuidado porque muitas pessoas que falam ‘eu tô sendo cancelado’, na verdade só estão sendo questionadas ou responsabilizadas pelo que falaram. A gente vem de um lugar onde muitas pessoas têm o hábito de dizer coisas e não ter um direito de resposta a respeito das coisas que foram ditas”, pontuou o artista.

Ele, então, descreveu o que havia lido e como se sentiu na época. “Tem um exemplo que é muito sintomático. No começo dos anos 2000, na intenção de atacar o governo Lula, a Barbara Gancia constrói um texto em que ela diz que o hip hop é financiado pelo tráfico de droga, então o Gilberto Gil não deveria olhar pro hip hop como movimento cultural. O título desse texto era, inclusive, ‘Cultura de Bacilos’. Era assim que ela se referia a nós e nenhum de nós tinha voz para responder isso naquele mesmo veículo”, desabafou.

Continua depois da Publicidade

“Aí quando a gente tem uma posição dessas em que a gente consegue trocar de igual pra igual, essa pessoa se sente cancelada. Mas ela não tá sendo cancelada, ela tá sendo exposta e responsabilizada pela forma irresponsável como ela compartilhou um pensamento”, concluiu Emicida, educadamente. Assista:

Ao ver o rapper falando sobre suas declarações após 13 anos, Barbara se revoltou através das redes sociais. “Esse rapazinho deveria parar de ouvir apenas o som da própria voz. Essa viagem de achar que, por ser defensor dos pobres e oprimidos, ele tem o direito de sair por aí espinafrando os outros sem procurar se informar provavelmente vai lhe custar alguns dias no purgatório antes de sentar-se à direita de Deus Pai, como ele parece almejar”, disparou ela.

Na sequência, ela afirmou que já havia se explicado para o próprio Emicida sobre o texto. “De minha parte, eu já expliquei um milhão de vezes, inclusive para ele pessoalmente, que fui uma das tantas pessoas da minha geração que não conseguiam achar graça em ver alguém pegar uma música de sucesso, gravar a própria voz em cima e sair dizendo que se tratava de uma composição sua. Pois é, era assim que a topeira aqui via o rap. Tirei um sarro disso na minha coluna da Folha algumas vezes”, relembrou.

https://twitter.com/barbaragancia/status/1287951757885280261?s=20

Continua depois da Publicidade

Gancia disse que mudou de opinião após receber diversos comentários negativos. “Daí tomei tanta porrada que resolvi tomar vergonha na cara e ir estudar a história do rap e do hip hop pra entender do que se tratava”, pontuou. “O que eu fiz foi ler tudo o que podia e passar dia e noite ouvindo pra aprender”, descreveu.

“O resultado disso, orgulho-me em dizer, foi uma completa conversão. Gostaria de convidar a todos para visitar agora mesmo o meu perfil no Spotify e conferir as minhas playlists para verificar se há hip hop, se eu sou essa pessoa escrota que esse moleque está dizendo que sou”, pediu a jornalista.

Barbara reconheceu que estava errada na época, mas mesmo assim, disparou xingamentos contra o artista. “Eu era idiota, tomei na cabeça, fui lá, ralei e aprendi. Emicida não se deu ao trabalho de saber quem sou antes de me esculhambar publicamente, mesmo estando cansado de saber o custo que um ataque desse tipo pode ter nas redes sociais justiceiras e magnânimas dos dias de hoje. Mostrou ser um nanico, um bostinha sem senso de humor, o mesmo que reagiu feito moleque chorão quando eu tirei sarro dele no Twitter”, declarou.

“É lamentável ele ter se portado dessa maneira comigo, uma pessoa a quem ele já deveria ter aprendido a respeitar. Somos colegas de elenco, eu tenho idade pra ser mãe dele, a nossa chefe já falou pra ele que ele estava errado em me julgar tão mal e, na real, eu acho o trabalho social que ele faz admirável”, escreveu ela que trabalha no GNT, mesmo canal em que Emicida pode ser visto no “Papo de Segunda”.

Continua depois da Publicidade

Por fim, a jornalista disse que Emicida havia “passado dos limites” ao falar sobre ela. “Ele continua sendo o mesmo que se recusou a trabalhar comigo na Copa da Rússia, o mesmo que me julga sem nem sequer se questionar por que alguém que ele considera tão desprezível ocuparia espaços em lugares tão próximos aqueles em que ele também está presente. Seriam todos idiotas e só ele enxerga a verdade? Olha só, Emicida, humildade é boa e mandou lembranças, sabichão”, concluiu.

No tal texto de 2007, Barbara criticava o investimento de verbas públicas para disseminar a “cultura hip-hop” entre jovens da periferia. “Mas eu pergunto: a que ponto chegamos? Desde quando hip hop, rap e funk são cultura? Se essas formas de expressão merecem ser divulgadas com o uso de dinheiro público, por que não incluir na lista o axé, a música sertaneja ou, quem sabe, até cursos para ensinar a dança da garrafa? O axé, ao menos, é criação nossa. Ao contrário do hip hop, rap e funk, que nasceram nos guetos norte-americanos”, escreveu ela.

Em outros trechos, ela chamava o ritmo de “lixo musical” que “dói no ouvido”. “Mas se disser que usar boné de beisebol ao contrário na cabeça, calça abaixada na cintura com a cueca aparecendo e tênis de skatista é coisa de colonizado que nem mesmo sabe direito o que o termo hip-hop (um e-mail se referia à musica “rip-rop”) significa, sou racista e fascista?”, questionou ainda. Leia na íntegra:

Texto ‘Cultura de Bacilos’ de Barbara Gancia publicado em 2007 pela Folha (Foto: Reprodução)

Além da discussão, a entrevista de Emicida no “Roda Viva” ainda repercutiu nas redes devido a outras respostas certeiras do músico para questões políticas, sociais e culturais. Em um momento, o rapper foi questionado se aceitaria se encontrar com o presidente Bolsonaro para debater sobre a organização política do Hip Hop.

Enfático, o músico negou. “Se eu aceitaria encontrar com o Bolsonaro para conversar sobre o Hip Hop, obviamente que não. Obviamente porque os valores que o Bolsonaro defende são completamente contrários a tudo que acredito”, explicou, mencionando como exemplo o conceito de seu último álbum, AmarElo.

Continua depois da Publicidade

“A capa do disco AmarElo é uma foto da Claudia Andujar. É uma fotógrafa que tem uma história de vida incrível. Ela é uma sobrevivente do nazismo. Ela vem para o Brasil e na exposição da Claudia Andujar é deprimente, porque tem o vídeo em que Bolsonaro aparece no Congresso Nacional, nos anos 1980, dizendo que ele ia fazer tudo o que ele está tentando fazer nesse momento”, lamentou o cantor.

“Então, a natureza de alguém com esse tipo de pensamento, não se conecta de maneira nenhuma aos valores humanísticos que o hip hop defende. O hip hop é a luta constante de melhoria para todo mundo. O hip hop é pra que as pessoas se sintam incluídas, parte de um todo. Eu acho que tem uma construção que antecede esse encontro. Tem uma relação do pensamento de esquerda com a música rap que antecede o encontro”, declarou ele.

Por fim, Emicida ainda viralizou com a resposta dada a uma pergunta – canastrona – de Vera Magalhães, sobre se o rap seria condescendente com o crime organizado. “Isso é uma análise que eu acho bastante preconceituosa. Desde quando narrar uma determinada situação que tá vinculada ao crime faz de você um apologista?”, indignou-se o músico.

“Se for isso, tem que pegar o Datena, que faz isso todo dia na televisão, ilustrando um monte de crime e empurrando isso guela abaixo na sociedade e é entendido como jornalismo. Acho que a música faz um retrato do lugar onde as pessoas vivem. Apologia ao crime é a forma como o brasileiro vive. Qualquer outra coisa que tente associar o movimento cultural a isso é tirar o foco de onde ele deve estar”, pontuou o rapper. Assista: