A advogada Isabela Bueno de Sousa, que atua em Brasília, Distrito Federal, virou ré em uma ação de injúria racial depois de mandar um emoji de banana em um grupo de WhatsApp, destinado a uma colega de profissão negra. Além disso, a profissional ainda teve o pedido negado para que o processo corresse em segredo de Justiça.
O juiz Wellington da Silva Medeiros, do TJ-DFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios), alegou que a conduta de advogados não deve ser tratada em sigilo, uma vez que a classe deveria ter conhecimento de atitudes que ferem a Constituição Federal. “A conduta desviante imputada ao advogado pode comprometer, também, a imagem da própria classe“, afirmou ele, em decisão publicada na última quinta-feira (19).
A defesa da ré pediu, ainda, que sua foto fosse retirada de uma reportagem veiculada por um site de notícias, dizendo temer “pela segurança e integridade física, bem como busca evitar prejuízos de ordem moral“. A solicitação foi negada. A denúncia foi feita pela advogada Thayrane Evangelista, vítima da injúria.
A Polícia Civil abriu o processo, que foi analisado pelo MP-DFT (Ministério Público do Distrito Federal e Território), decidindo por denunciar Isabela ao TJ-DFT e pedir ainda uma indenização no valor de R$ 6 mil para “reparação dos danos causados” pela injúria racial.
A conversa no WhatsApp
A história aconteceu no dia 11 de janeiro, em um grupo de WhatsApp de advogados do Distrito Federal. Nesse espaço, os profissionais conversavam sobre questões da advocacia. Durante um dos papos, Thayrane enviou uma mensagem, que foi seguida por emojis de banana mandados por Isabela. A vítima rapidamente questionou: “Não entendi“. “Reserva de pensamento. Pensei alto, sorry (desculpa em inglês)”, se esquivou a ré.
Ao UOL, Thayrane afirmou que, no momento, teve uma “sensação ruim” e alertou que as bananas são usadas historicamente para insultar pessoas negras, as chamando pejorativamente de macacos. Ela explicou, ainda, que não conhecia Isabela, e que apenas entrou no grupo para responder outra pessoa. “Há diversas reportagens sobre o uso da banana de forma racista com jogadores de futebol, jornalistas, ou qualquer pessoa preta“, bem lembrou a advogada.
Na conversa do grupo, a vítima alertou sua colega de profissão sobre a definição e punição para injúria racial. “É ofender alguém com base em sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência“, disse ela. Isabela retrucou: “Banana é a fruta que mais gosto, mas ela representa pessoas sem personalidade. Acho fácil de entender“.
Em seguida, Thayrane respondeu: “Racista sempre achará maneiras de distorcer suas palavras ao seu favor. Mas vamos deixar isso para o judiciário“. A outra advogada, então, rebateu. “Não me lembro de ter te mencionado, Thayrane. Vai lá no judiciário que estou louca para juntar os posts ofensivos seus a mim“, disse ela. Isabela ainda demonstrou não conhecer os conceitos básicos do racismo. “Raça não é só a negra, e banana não tem nenhuma vinculação com raça“, alegou.
“Racismo reverso não existe“, contestou Thayrane. “Claro que existe, querida. Como chamar loira de burra. E a banana quer dizer pessoas moles. Pessoas bananas que são discípulas“, disparou Sousa. Ainda ao UOL, a acusada disse que está com a “consciência tranquila”, afirmou que não cometeu racismo e que está sendo vítima de um “linchamento virtual”.
“Tenho uma filha negra que sustento sozinha. No emoji de banana eu sequer marquei a menina (Thayrane), não a mencionei. Acredito na Justiça e na justiça divina. Estão me linchando publicamente por conta de algo que ainda não fui julgada. Vou me manifestar nos autos“, soltou ela. Enquanto isso, Thayrane contou que precisou buscar ajuda psicológica e fazer uso de medicamentos para lidar com a situação.
“Como é um grupo de advogados sempre conversamos sobre temas jurídicos, nunca ofendemos ninguém. Fiquei surpresa, não esperava isso de uma advogada“, afirmou. Ela explicou que já foi vítima de racismo em outras ocasiões, mas que essa foi a primeira vez que teve coragem de denunciar.
Apesar de estar em estágio inicial, a advogada se disse aliviada com a decisão da Justiça. “Ainda é um caminho longo, são vários passos até a sentença. Por enquanto me sinto bem, não é coisa da minha cabeça, houve injúria. O juiz entendeu que houve injúria, por isso vão investigar o que aconteceu. Esses primeiros passos já são uma grande vitória“, comemorou.
OAB se manifesta
A Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, no Distrito Federal (OAB-DF), avaliou que o caso deve ser considerado racismo, um crime inafiançável. “Essa mera atribuição do macaco à pessoa negra, ela não deveria ser vista como injúria racial, mas sim como crime de racismo propriamente dito. O simples fato de ofertar uma banana a uma pessoa que se manifesta publicamente em um grupo, há toda uma política de dominação de uma raça sobre a outra. E, geralmente, quem sai prejudicado, de fato, são pessoas negras“, disse o presidente da comissão da OAB-DF, Bethoven Andrade.
Como o processo ainda não foi julgado, a instituição não pode comentar sobre o mérito da ação. Porém, o profissional ressaltou como atribuir a imagem de macaco a pessoas negras reflete um comportamento social. “Historicamente, a atribuição da imagem do negro ao macaco foi uma das formas mais eficazes de desqualificar o negro enquanto um ser inserido na sociedade, alguém detentor de direitos. Essa imagem animalesca faz com que ele não consiga alcançar direitos, por exemplo“, concluiu ele.