O médico Abib Maldaun Neto, conhecido como “nutrólogo dos famosos”, foi suspenso cautelarmente do exercício profissional pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) após novas denúncias de abuso sexual cometido por ele durante consultas surgirem na última semana.
No dia 20 de setembro, a GloboNews e o Fantástico contaram a história de pacientes que decidiram se abrir sobre os abusos sofridos. Com a divulgação do caso, vieram novas denúncias e mais de 20 vítimas agora acusam o médico de violação sexual, que teria ocorrido na clínica dele, no bairro Jardins, zona oeste de São Paulo.
A primeira denúncia contra Abib foi registrada em 2012, mas nada foi feito e ela foi arquivada. “Eu achei que seria levada mais a sério. O pior argumento foi o que ouvi de um funcionário do Cremesp: ‘Agora não acontece nada, pois é sua palavra contra a dele, mas ele vai fazer novamente e, aí sim, o conselho vai tomar providências'”, desabafou a vítima ao “Fantástico”.
E foi exatamente isso que aconteceu. O caso voltou a ser aberto dois anos depois, em 2014, quando outra paciente denunciou o médico ao CRM e à Justiça. De início, a denúncia chegou a ser rejeitada, mas o Ministério Público recorreu e o caso seguiu seu curso. Em 2018, Maldaun Neto foi condenado por violação sexual mediante fraude por usar de sua posição de médico e enganar as pacientes.
O médico de 56 anos recorreu, mas, neste ano, a sentença foi confirmada e ele foi condenado em segunda instância. Ele ainda tenta mais um recurso em Brasília. No entanto, o que surpreende no caso é o fato de que, mesmo condenado a dois anos e oito meses de prisão, em regime semiaberto, o nutrólogo continuava atendendo pacientes normalmente.
Enquanto na Justiça o processo está há seis anos e já chegou a uma sentença, no Cremesp ele estava há oito, sem nenhuma consequência para Abib. Foi apenas nesta semana, quando mais de 20 mulheres entraram em contato com o Ministério Público e com o escritório de advocacia que reúne denúncias contra o nutrólogo, e quando o caso virou notícia, que o Conselho tomou uma atitude.
Na sexta-feira (25), o Cremesp anunciou que o médico foi suspenso cautelarmente, por seis meses, podendo ser prolongado, em decorrência de denúncias sobre abuso sexual. “O Cremesp esclarece ainda que, mesmo com a interdição cautelar, sindicâncias e processos ético-profissionais em curso contra o médico seguirão normalmente, sob sigilo determinado por lei”, declarou, em nota.
“O Conselho reitera ainda que – dentro de suas atribuições institucionais e de acordo com as normas legais – cumpre seu dever de apurar infrações éticas cometidas por médicos, no exercício da profissão, quando oficialmente acionado ou quando os fatos chegam ao seu conhecimento”, completou o comunicado.
Já o médico se disse chocado com a notícia, que ele afirma ter ficado sabendo através da imprensa. “É com imensurável pesar que, por meio da imprensa, fui surpreendido com a notícia da imotivada suspensão cautelar do exercício profissional sem me ter sido oportunizado o direito constitucional de defesa ou de minimamente ter o prévio conhecimento da decisão ou dos fatos que a motivaram”, declarou ele, em nota.
“Reafirmo que sempre atuei de forma ética, íntegra e profissional, honrando os dogmas e juramentos sagrados da medicina, ofício que dediquei a minha vida, sem jamais ter praticado qualquer ato ilícito ou abusivo contra qualquer paciente”, garantiu. “Mantenho firme a confiança na justiça dos homens e de Deus para provar a minha inocência colocando-me à disposição para contribuir na apuração da verdade real dos fatos”, finalizou Abib.
As denúncias
O “Fantástico” conversou com algumas das vítimas do nutrólogo, que preferiram se manter anônimas. Uma das pacientes relatou que foi abusada em uma consulta em 1997, quando tinha 18 anos. “Era um tratamento pra rinite alérgica. Ele me perguntou se eu já tinha tido experiências sexuais. E aí ele falou: ‘Acho que é bom a gente examinar pra ter certeza que tá tudo bem’. Pediu que eu ficasse sem roupa. Ele ficou fazendo movimentos na minha vagina e, depois, ele introduziu os dedos e falou: ‘Só to vendo se tá tudo bem'”, relembrou ela.
A “estratégia” de falar que o abuso seria um tipo de exame aconteceu na maioria dos casos. “Eu lembro que eu deitei, ele puxou a minha calcinha e começou a mexer. Eu pedi pra ele parar. [Disse:] ‘Para! Por que você está fazendo isso?’. [Ele respondeu:] ‘Calma, fica calma, você precisa disso'”, recordou uma mulher sobre a violação que teria ocorrido em 2013.
“E eu não sei dizer se isso demorou um minuto, se demorou cinco minutos. Eu lembro de estar de olhos fechados e sentindo uma aversão, uma repulsa, e querendo que aquilo acabasse. Eu lembro que eu cheguei em casa, a primeira coisa que eu fiz foi tomar banho. E eu não tinha força. Eu queria ficar sozinha. Eu não tinha vontade de nada”, lamentou.
Além de pacientes, Abib também teria predado uma das funcionárias da clínica. “Um dia, ele me chamou pra sentar no consultório dele. E ele me fez uma pergunta que me deixou, a princípio, muito constrangida: se eu tinha orgasmo todas as vezes que transava. E ele falou que queria me examinar”, contou ela.
“Eu deitei na maca e achei que ele fosse aferir minha pressão, que ele fosse usar o estetoscópio pra me auscultar, foi quando ele abaixou minha calça e enfiou os dois dedos em mim. Eu fiquei muito surpresa. Então eu coloquei minha roupa de novo e saí do consultório sem falar com ele. Eu só levantei e saí. Não tinha força para enfrentá-lo”, completou a ex-funcionária.
Em entrevista ao programa da Rede Globo, o secretário-geral da Associação Brasileira de Nutrologia José Ernesto dos Santos deixou claro que um nutrólogo não tem entre seus protocolos esse tipo de exame para nenhum paciente. “Não é função de um nutrólogo fazer um diagnóstico de alterações ou desvios da vida sexual de um paciente”, afirmou.
“A força da palavra da vítima é essencial e indispensável porque muitas vezes é o único elemento de prova e esses novos relatos vêm corroborar exatamente isso que já tínhamos provado anteriormente”, explicou o advogado das vítimas, Fernando Castelo Branco.