Nesta terça-feira (23), a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou um boletim no qual condenou o uso da cloroquina, da ivermectina e outros remédios do inútil “Kit Covid”, que não têm eficácia contra a Covid-19. No ano passado, apesar dos posicionamentos da ciência, os medicamentos foram promovidos pelo presidente Jair Bolsonaro e até mesmo adotados pelo Ministério da Saúde.
A AMB reforçou que foi comprovado que nenhum dos tratamentos citados funciona para lidar com o coronavírus. “Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da COVID-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, pediu a nota da instituição.
De acordo com o G1, a associação voltou atrás em sua antiga recomendação, visto que, em julho de 2020, a AMB ficou ao lado da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e de entidade médicas que eram neutras ou favoráveis que os médicos tivessem o direito de escolher o tratamento para pacientes com Covid-19.
Ao invés dos remédios sem eficácia, agora, a AMB listou 13 pontos que devem ser adotados para um enfrentamento eficiente da pandemia. Dentre eles, está a necessidade de prevenir a doença através do isolamento social, o uso de máscaras e uma aceleração da campanha de vacinação. Além disso, a instituição destaca a importância de garantir medicamentos para pacientes internados, especialmente os que são necessários para a intubação. “[Sem eles] não é possível oferecer atendimento adequado para salvar vidas”, disse a carta.
Usuários do “Kit Covid” vão parar na fila de transplante
Além de não terem eficácia contra o coronavírus, os medicamentos que vinham sendo promovidos no tal “Kit Covid” têm levado pacientes à fila de espera para um transplante de fígado. De acordo com médicos ouvidos pelo Estadão, o conjunto de remédios teria levado cinco pessoas a precisar transplantar o órgão em São Paulo. Dentre elas, a hepatite provocada pelos medicamentos é considerada a causa de morte de ao menos três.
Segundo os médicos, as drogas que compõem o inexistente “tratamento precoce” para o vírus – hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, anticoagulantes, entre outros – têm causado hemorragias, arritmias e insuficiência renal nos pacientes que fizeram uso dos medicamentos. Enquanto a pandemia tem ficado mais grave pelo país, o número de pessoas com tais sintomas também tem aumentado nos hospitais.
“Eles chegam com pele amarelada e com histórico de uso de ivermectina e antibióticos. Quando fazemos os exames no fígado, vemos lesões compatíveis com hepatite medicamentosa. Vemos que esses remédios destruíram os dutos biliares, que é por onde a bile passa para ser eliminada no intestino”, relatou Luiz Carneiro D’Albuquerque, chefe de transplantes de órgãos abdominais do Hospital das Clínicas da USP e professor da universidade.
“É uma combinação de altas dosagens com a interação de vários medicamentos. A substância desencadeia um processo em que a célula ataca outros células, levando a fibroses, que causam a destruição dos dutos biliares”, apontou Ilka Boin, professora da Unidade de Transplantes Hepáticos do Hospital das Clínicas da Unicamp. Os dois especialistas deixaram claro que não é a Covid que causou tais danos no fígado. “A Covid pode atacar o órgão, mas de uma forma diferente. Ela causa pequenos trombos [coágulos] nos vasos. Esse padrão que encontramos é de lesão por medicamentos”, ressaltou Boin.
Confira a carta da AMB na íntegra:
São Paulo, 23 de março de 2021
O Brasil soma 25% das mortes mundiais por Covid-19, no período de 15 a 21 de março de 2021. No planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), houve 60,2 mil óbitos, dos quais 15,6 mil em nosso país.
Ainda nessa semana, atingiremos outra triste marca: chegaremos a 300 mil mortes, com a agravante de atravessarmos um quadro de curva ascendente.
Faltam medicamentos para intubação de pacientes acometidos pela Covid-19, não existe um calendário consistente de vacinação, não há leitos em Unidades de Terapia Intensiva.
Fake news desorientam pacientes. Médicos e profissionais de saúde, exaustos, já são em número insuficiente em diversas regiões do País.
Em meio à gravidade do quadro e a tantos outros desafios, o Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19 – CEM COVID_AMB vem a público para orientações aos pacientes de todo o Brasil, em particular sobre a importância da prevenção, para esclarecimentos sobre condutas aos médicos, e para conclamar as autoridades responsáveis à urgente resolução de casos que exclusivamente delas dependem:
Boletim 02/2021
Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19 (CEM COVID_AMB)
1) O Brasil deve vacinar com celeridade todos os cidadãos. Vacinação em massa é a medida ideal para controlar a velocidade de propagação do vírus;
2)A variante P1 do Coronaviírus, que já circula em grande parte do Brasil, possui capacidade de transmissão consideravelmente maior do que o vírus original, impondo risco adicional a todos os brasileiros – de todas as faixas etárias, o que reforça a necessidade do isolamento e de normativas de lockdown por regiões críticas, para conter o crescimento da curva de casos e de mortes;
3) O isolamento social, com a menor circulação possível de pessoas, segue sendo imperioso para conter a propagação viral, hoje agravada pela variante brasileira P1 do coronavírus;
4) Todos, sem exceção, temos de seguir à risca as medidas preventivas: uso correto de máscara, distanciamento social, evitar aglomerações, manter o ambiente bem ventilado e higienizando, ficar em isolamento respiratório assim que houver suspeita de Covid-19, identificar os contactantes, higienizar frequentemente as mãos, com água e sabão ou álcool gel a 70%.
5) São urgentes esforços políticos, diplomáticos e a utilização de normativas/leis de excepcionalidade, para solucionar a falta de medicamentos ao atendimento emergencial de pacientes hospitalares acometidos pela COVID-19, em especial de bloqueadores neuromusculares, opioides e hipnóticos – indispensáveis ao processo de intubação de doentes em fase crítica;
6) Por compromisso ético e zelando pela transparência, informamos que, na ausência destes fármacos, não é possível oferecer atendimento adequado para salvar vidas. Uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é composta por espaço físico, equipamentos, medicamentos, materiais e recursos humanos. A falta de qualquer desses elementos inviabiliza a execução dos procedimentos;
7) Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da COVID-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida.
8) Aos médicos, reafirmamos que o uso de corticoides e anticoagulantes devem ser reservados exclusivamente para pacientes hospitalizados e que precisem de oxigênio suplementar, não devendo ser prescritos na COVID leve, conforme diversas diretrizes científicas nacionais e internacionais. Aos pacientes com suspeita ou com COVID confirmada, alertamos que não se automediquem, em especial não utilizem corticoides (dexametasona, predinisona e outros); estes fármacos utilizados fora do período correto, especialmente no início dos sintomas, podem piorar a evolução da doença. Procure atendimento médico em uma Unidade Básica de Saúde dando preferência, se possível, à telemedicina, se apresentar sintomas leves, como dor de garganta, tosse, dor no corpo, náuseas, perda de apetite, perda do olfato ou paladar. Porém, se apresentar manifestações clínicas que podem representar Covid grave, destancando falta de ar, respiração rápida (mais que 30 movimentos respiratórios por minuto), saturação de oxigênio menor que 94% ou febre persistente por 3 dias ou mais, procure uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) ou Serviço de Emergência;
9) A falta de vagas em UTIs e o aumento anormal da demanda por vagas de leitos fazem urgentes também a adoção de critérios técnicos-científicos de triagem dos pacientes que devem ocupar os leitos disponíveis, com fundamentos éticos em defesa das vidas dos brasileiros, com diretrizes para todos os médicos do País;
10) A escassez de recursos humanos, de insumos farmacológicos e de material de apoio transcende a simplicidade da utilização dos centros cirúrgicos como terapia intensiva. A transformação da sala de cirurgia em UTI deve ser pontual. É uma exceção, não regra;
11) Devido ao drama vivido no Brasil, se faz ainda mais relevante o papel do Judiciário como poder de guarda dos direitos constitucionais, entre os quais à saúde e à vida. Assim, registramos o crédito de que os tribunais seguirão se manifestando, ao estrito cumprimento da Lei, para garantir que todas as normas de isolamento sejam cumpridas à risca;
12) Reiteramos que o Brasil requer ações unificadas e coordenadas de combate a Covid, dos governantes das esferas federal, estadual e municipal incluindo ações coordenadas de todos os ministérios, e gestores públicos e privados da saúde, sem qualquer resquício de ideologias e interesses políticos;
13) Firmamos votos especiais ao novo Ministro da Saúde. Os brasileiros almejam que vossa gestão ecoe e se guie exclusivamente pela voz da Ciência; que seja um exemplo de independência na implantação de políticas/medidas consistentes e necessárias à resolubilidade e qualidade do sistema; de conduta ética; de compromisso com a melhor Medicina; e, acima de tudo, com a saúde de todos os cidadãos.