Priscila Barbosa, de 37 anos, faturou US$ 780 mil (aproximadamente R$ 4 milhões) como parte da “Máfia do Uber”. O grupo tinha 19 integrantes e era responsável por falsificar mais de duas mil contas da Uber, Lyft, DoorDash, entre outros aplicativos de comida, entrega e transporte. Eles alugavam os perfis falsos para imigrantes que não podiam trabalhar nos Estados Unidos.
Hoje em liberdade após cumprir pena de dois anos, seis meses e oito dias, ela relatou detalhes de sua jornada em entrevista ao UOL. Segundo a sorocabana, ela chegou nos Estados Unidos em 2018, aos 32 anos, somente com um visto de turista. Em uma tentativa de construir uma “nova vida”, ela passou a trabalhar com delivery de comida saudável, pois tinha dificuldades de conseguir emprego por ser imigrante ilegal.
Entretanto, sua vida mudou de rumo repentinamente depois que o conhecido que havia lhe feito a proposta desapareceu: “Encontrei ele tempos depois, ele ficou assustado, mas não conversamos. Ele tinha dito que me ajudaria, que poderia ficar na casa dele até me estabilizar e comentou que ser Uber aqui dava dinheiro”.
Sem a ajuda que esperava, Barbosa começou a atuar no ramo alimentício. Na sequência, ela conseguiu uma conta da Uber alugada ilegalmente, que utilizou ao longo de um ano, pois não tinha autorização para exercer a atividade sendo turista.
Com o tempo, Priscila assumiu a operação e passou a ajudar outros imigrantes com o aluguel das contas. Com seu conhecimento em sistemas e engenharia social, área na qual se formou no Brasil, ela passou a usar “truques” para driblar as plataformas. “Conversando com outras pessoas que faziam o mesmo que eu, um deles, mais antigo na fraude, brincava que me saí melhor que o professor. Descobri como burlar quando as companhias colocam algum bloqueio para dificultar”, brincou ela, que ganhava US$ 10 mil (mais de R$ 55 mil) por mês.
“Comprava dados na dark web, é como um marketplace de dados, tem de tudo, você escolhe o que quer. Pagava de US$ 10 a US$ 25 pelos documentos, como seguro social e carteira de motorista. Criava contas e alugava por US$ 250 por semana para imigrantes”, explicou Priscila.
O grupo, chamado de “Máfia” no Whatsapp e encabeçado pela brasileira, foi desarticulado pelo FBI em 7 de maio de 2021, quando ela foi presa. Sincera, Barbosa reforçou que não tem remorso pelo que fez: “Eu enxergo o que eu fiz como uma forma de ajudar imigrantes. Um crime praticamente sem vítimas. Ajudei as pessoas a pagarem suas contas e colocarem comida na mesa. Sei que o que eu fiz não é certo, mas não prejudicou ninguém financeiramente. Existem vítimas pelo uso da identidade, mas nenhuma delas foi”.
No dia da prisão, que aconteceu em seu apartamento de luxo, ela chegou a ser elogiada pelos agentes. “O policial elogiou meu apartamento. Acho que ele teve empatia, quis me fazer sentir melhor”, contou a moça.
Ao chegar na prisão, ainda durante a pandemia, Priscila foi levada para o chamado “hole” (buraco), uma espécie de cela solitária. “Nos primeiros 14 dias, por causa da Covid, tive que ficar numa sala de quarentena, tinha que ficar 23 horas por dia no que eles chamam de buraco. Era um lugar destinado para presas indisciplinadas”, relembrou.
Ao longo dos mais de dois anos de pena, ela passou por cinco complexos, onde relata ter encontrado muitas mulheres latinas: “Ficava muito quieta na minha, mas me chamavam de princesinha porque eu não fazia o padrão das pessoas presas. Eram mulheres grandonas, com dentes de ouro. Cheguei com unhas grandes e mega hair. Eu só chorava, chorei por sete meses”.
De baixa estatura, Priscila foi forçada a ganhar o respeito das detentas de outras maneiras. “Me tornei chefe de cozinha. Seguia o cardápio deles, mas com meu tempero fazia tacos, arroz mexicano e frango grelhado. Com o tempo, os funcionários da prisão também apareciam na janela da cozinha me pedindo para fazer panquecas”, contou ela.
Sua liberdade veio em 16 de novembro de 2023. Após ser buscada pela amiga no presídio, as duas foram comemorar o fim da pena em grande estilo: com taças de champagne francesa. “Veuve Clicquot, pesquise o preço depois para você saber”, destacou. No Brasil, o preço da bebida pode alcançar até R$ 1.500 por garrafa.
Os luxos ficaram para trás, de acordo com Priscila, que viu a maior parte dos mais de R$ 4 milhões que arrecadou ser confiscada pela Justiça, incluindo os US$ 60 mil investidos em bitcoins. Agora, ela planeja recomeçar sua vida com o que restou, uma quantia que preferiu não revelar, e está considerando abrir uma loja online para vender acessórios.
Priscila, que conseguiu o Green Card através de seu casamento com um americano (que já chegou ao fim), atualmente trabalha como tradutora independente e também colabora com uma empresa de construção civil, recebendo cerca de US$ 1.800 por semana. Após sua libertação, ela entrou com um pedido de asilo nos Estados Unidos.