Em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, uma adolescente de 17 anos procurou a Polícia Civil na quinta-feira (18) para relatar que vinha sofrendo abusos do próprio pai. A vítima decidiu contar o que acontecia após assistir a uma reportagem da RPC, afiliada da TV Globo, sobre uma mulher que passou 22 anos sendo mantida em cárcere privado e abusada pelo padrasto.
De acordo com o delegado Eduardo Kruger – que também investiga o caso da mulher que foi mantida em cárcere –, a adolescente revelou que havia sido estuprada na noite anterior à denúncia. O pai foi preso em flagrante, mas seu nome não foi divulgado.
A vítima ainda contou que os abusos começaram quando ela tinha cinco anos e que nunca havia relatado o crime a ninguém. Segundo o relato obtido pelo g1, a decisão de denunciar surgiu após ela conversar com o namorado, que a encorajou a procurar a polícia.

Durante a prisão, o homem negou todas as acusações, mesmo com a Polícia Civil afirmando ter reunido provas contra ele. Segundo a CBN Curitiba, a ex-mulher do suspeito, que é mãe da adolescente, também esteve na delegacia e relatou ter sido vítima de abusos no passado.
O chefe de polícia explicou que situações como vergonha, ameaças e pressão psicológica podem impedir que vítimas de violência doméstica busquem ajuda. “Quando elas são violentadas desde criança, as vítimas acreditam que aquilo é a vida delas mesmo, que aquilo é natural. Por isso que elas não conseguem sair desse ciclo”, disse ao g1.
A psicóloga do Ministério Público, Jéssica Tonioti da Purificação, acrescentou que agressores costumam manipular e desmotivar as vítimas a realizarem denúncias, criando um sentimento de culpa: “Em situações de abuso crônico, o agressor geralmente utiliza técnicas de manipulação dessa pessoa, para que ela acredite que a culpa do que está acontecendo é dela, ou que ela merece o que está acontecendo ou que ninguém vai acreditar no que ela está falando”.

A especialista também destacou que o suspeito tenta culpar a vítima usando a família. “O agressor também utiliza muito da questão de que se essa pessoa denunciar o que está acontecendo com ela, ela vai gerar um problema muito grande para ele, para a família, para ela, para as pessoas que estão ao redor. Então essa culpa vai acabar afogando essa vítima para que ela não tenha força para sair daquele lugar, e para que ela acredite que ninguém vai acreditar nela em momento algum“, concluiu.
Mulher mantida em cárcere privado
A mulher, que não teve o nome revelado, denunciou à polícia que foi abusada e mantida em cárcere privado pelo padrasto durante 22 anos, em Araucária, no Paraná. Ela conseguiu fugir na terça-feira (16), depois de alegar ao homem que precisava levar os filhos a um posto de saúde, mas foi até a uma delegacia. O suspeito foi preso e teve a prisão convertida em preventiva. Segundo a imprensa local, ele negou crime durante o interrogatório.
Conforme Kruger, o padrasto obrigava a vítima a se relacionar com outros homens, registrava os abusos em vídeo e a controlava emocionalmente para mantê-la em cárcere privado. Ela sofria agressões físicas e era monitorada por câmeras na casa. “Aos 15 anos, a vítima engravidou. O homem se separou da mãe dela e a obrigou a manter um relacionamento com ele. Eles tiveram três filhos“, declarou. “Ela saía de casa raras vezes, e o homem controlava de minuto em minuto o que ela estava fazendo“, revelou Kruger, que classificou o caso como “um dos mais bárbaros que já se ‘presenciou’“.

A mãe da vítima foi chamada para prestar depoimento nesta quinta-feira (18), mas a polícia não informou se ela é investigada no crime. A vítima e os filhos foram acolhidos e encaminhados para um local seguro, enquanto aguardam as análise das medidas protetivas de urgência, segundo as autoridades.
“Até então, eu estava presa. É isso. Eu tava calada. Eu não abria a boca para nada, para ninguém. Eu vivia numa prisão. Alguns dias eram bons, outros dias eram horríveis. Muito sofrimento. Ninguém sabe quanto. Quantas vezes eu chorei sozinha? Eu tive que ficar presa. Ninguém sabia disso. Quantas noites eu passei? Foi horrível. E ele não ligava. No dia seguinte, ele falava que tudo ia ficar bem, que ele tinha colocado uma pedra em cima e daí vida que segue, mas depois ele continuava a fazer e fazer de novo“, completou a vítima.
Conforme o g1, o nome do suspeito, de 51 anos, não foi revelado pela polícia devido à lei de abuso de autoridade. A defesa dele ainda não se pronunciou sobre o caso. Sete crimes estão sendo investigados no inquérito: estupro de vulnerável; estupro; privação da liberdade; ameaças; perseguição; violência psicológica; e dano emocional. Em caso de condenação, eles podem render uma pena de mais de 100 anos de prisão.
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