A adolescente acusada de matar Isabele Guimarães, de 14 anos, conseguiu nesta quarta-feira (16) um habeas corpus para que seja liberada após cumprir um dia internada em uma unidade socioeducativa. Segundo o G1, a decisão da Justiça foi tomada após a defesa da mesma alegar que a medida é ilegal.
Na noite dessa terça-feira (15), a garota se apresentou à Delegacia Especializada do Adolescente (DEA), após a juíza Cristiane Padim, da 2ª Vara da Criança e da Juventude de Mato Grosso, determinar a apreensão da jovem por 45 dias. A decisão foi proferida dias após o Ministério Público Estadual do Mato Grosso (MPE-MT) ter pedido a internação da garota em uma unidade socioeducativa da capital, por ato infracional análogo a homicídio qualificado – crime apontado pelo delegado Wagner Bassi, na conclusão do inquérito.
“A decisão, em razão da sua ilegalidade, foi cassada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso em sede de Habeas Corpus Liberatório impetrado pela defesa. A menor responderá em liberdade à acusação que lhe foi imputada”, explicou a defesa da menina.
A Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp-MT), por sua vez, informou que ainda não havia sido notificada sobre a decisão, determinando que a garota seja liberada. A adolescente passou uma noite na ala feminina do Centro de Ressocialização Menina Moça – que faz parte do Complexo Pomeri – isolada das demais, seguindo protocolo de prevenção contra o coronavírus.
Após sete dias de monitoramento das condições de saúde e possíveis sintomas, a menina seria integrada à rotina da unidade, junto com as demais internadas, e receberia atendimento psicossocial. O Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) feminino de Cuiabá possui 15 vagas e atualmente abriga 5 adolescentes.
Entenda o caso
Isabele Guimarães Ramos estava na casa de uma amiga em 12 de julho, num condomínio de luxo em Cuiabá, Mato Grosso, quando levou um tiro no crânio e veio a óbito. O caso, até então, seguia com muitas dúvidas e poucas respostas. De acordo com a adolescente suspeita de efetuar o disparo, a pistola teria sido acionada quando ela guardava a arma para seu pai – negando que estivesse brincando com o objeto, ou tentando mostrá-lo para a amiga.
Segundo Rodrigo Pouso, advogado da família da jovem suspeita, o pai da adolescente estava na parte inferior de sua casa, e pediu para que a filha guardasse a pistola no andar superior, local onde estava Isabele. “Ela não atirou e em nenhum momento apontou. Foi um disparo acidental quando ela estava guardando a arma. A arma estava na casa porque o pai da adolescente ia testar para ver se compraria. Todas as outras armas são legais”, afirmou. Outras sete armas foram encontradas na casa em que Isabele faleceu.
A investigação
Baseado em depoimentos e imagens de circuito interno de segurança, o inquérito aponta que o namorado da adolescente carregou a arma sem que ela o visse, guardou a pistola na case por volta das 21h50, e deixou o local às 21h59. Na sequência, a garota pegou o case fechado na sala e levou até o quarto, como ordenado pelo pai. Segundo a Polícia Civil, a vítima estava no banheiro fumando um cigarro eletrônico, escondida, quando a amiga adentrou o cômodo. As duas então ficaram por volta de 1 minuto e 18 segundos no local. “Nesse intervalo de tempo, acontece um disparo”, concluiu o advogado Wagner Bassi.
Para os oficiais da DEA e da Delegacia Especializada de Defesa da Criança e do Adolescente (Deddica), a menina teria buscado a arma, apontado para o rosto de Isabele a uma distância entre 20 e 30 centímetros, e atirado. “A adolescente, que é praticante de tiro esportivo, afirmou que, ao guardar as armas, uma delas teria caído e disparado. Segundo laudo, o estojo na verdade, estava em cima da cama e a menor teria ido com a arma carregada até a amiga”, explicou Bassi.
O inquérito diz que a jovem deve responder por ato infracional por homicídio doloso — quando há intenção de matar —, imprudência e imperícia. O namorado dela, de 16 anos, que a princípio seria tratado apenas como testemunha do caso, também vai responder por ato infracional análogo ao porte ilegal de arma de fogo por ter levado as pistolas para a casa da namorada, onde aconteceu o crime. As armas eram do pai do rapaz.
O delegado revelou ainda que o pai do garoto disse em depoimento que não sabia que o filho tinha levado as armas para a casa da jovem, mas mesmo assim ele foi indiciado por omissão de cautela na guarda de arma de fogo, já que teria obrigação de guardar as pistolas em local seguro. O pai da jovem que atirou foi indiciado sob suspeita de homicídio culposo (sem intenção de matar), além de outros três crimes: posse de arma de fogo, por entregar a arma para a filha adolescente e fraude processual. As penas somadas podem totalizar 14 anos de detenção, além de multas.
“Tiro acidental” descartado
Na véspera de um mês da morte de Isabele Guimarães Ramos, foi divulgado o laudo oficial de balística da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec), de Cuiabá. Segundo o G1, o disparo que tirou a vida da jovem de 14 anos não foi realizado sem que o gatilho fosse puxado – o que difere de versões anteriores sobre o caso. Segundo o laudo, assinado pelo perito Reinaldo Hiroshi dos Santos, a arma de fogo utilizada não pode produzir um tiro acidental.
Ao invés disso, a arma – da forma como foi recebida pela perícia – só se mostrou capaz de produzir um tiro ao estar carregada de munição, engatilhada, destravada e somente dispararia após o acionamento do gatilho. Todavia, o documento atestou que a arma AFQ1 tinha mecanismos incompletos ou deficientes, e contava com diversas modificações.
De acordo com o portal de notícias, a perícia fez alguns testes para verificar se a versão da jovem – sobre o suposto “acidente” – seria possível. Para isso, inseriram um cartucho sem projétil e pólvora na câmera de carregamento da arma. Além disso, a arma AFQ1 foi balançada ao ar livre de diversas maneiras e posições, sendo também impactada contra uma superfície emborrachada. Após a testagem, veio o resultado de que o disparo não poderia ter sido “acidental”.
Entretanto, para a balística, há uma diferença entre “tiro acidental” e “tiro involuntário”. O tiro acidental ocorre quando o mecanismo de disparo – e o gatilho – não são acionados regularmente no momento do disparo. Já o tiro involuntário usa do mecanismo de disparo, mesmo que a ação não tenha sido intencional. Ou seja, existia a possibilidade da arma responsável pela morte de Isabele ter sido disparada involuntariamente – mas não de forma acidental.
Família de suspeita praticava tiro esportivo
Tanto a adolescente que teria feito o disparo, quanto sua família, são praticantes de tiro esportivo. Segundo o G1, a Federação de Tiro de Mato Grosso (FTMT) afirmou que a suspeita pela morte de Isabele pratica o tiro há, pelo menos, três anos. Os nomes dela e de seu pai aparecem em “squads” (ou grupos) que participavam de competições da organização nos últimos anos, e eles estavam presentes em aulas.
Além deles, outros membros da família também participavam desses grupos de tiro, e seriam praticantes ativos do esporte, assim como o namorado da adolescente que teria efetuado o disparo. Apesar da afirmação da FTMT, o advogado da família alega que a jovem amiga de Isabele praticava o esporte há apenas três meses.
Após o trágico episódio, o pai da adolescente suspeita foi preso em flagrante e indiciado pela Polícia Civil por posse e porte ilegal de arma, e também por ter fornecido a arma para a filha. Sua fiança teve o valor alterado diversas vezes. Ele pagou a quantia final – que não foi revelada pelas autoridades – e foi solto.
Sangue humano identificado nas peças de roupa
Em agosto, a perícia realizada pela Polícia Civil identificou marcas de sangue nas roupas da amiga da adolescente, que é a principal suspeita de ter atirado contra a vítima. Um top cropped que era usado pela jovem suspeita na ocasião foi examinado detalhadamente ao que constataram pequenas marcas de sangue. “Amostras colhidas de uma das manchas pardo-amarronzadas da blusa descrita em ‘A’ (cropped) e de uma porção posterior da barra da saia descrita em ‘C’ apresentaram resultado positivo para a presença de sangue humano”, diz um trecho do laudo que o portal G1 teve acesso.
As peças de roupa foram entregues às autoridades pela mãe do namorado da suspeita. O advogado de defesa da adolescente investigada relatou que a jovem e sua irmã foram para a casa do rapaz, localizada no mesmo condomínio, depois que tudo aconteceu. Lá, a adolescente trocou de roupa e tomou banho, alegando que estava “se sentindo sufocada”.