Inadmissível! Nesta terça-feira (31), o deputado estadual Jessé Lopes (PSL) causou revolta nos internautas, após receber em seu gabinete o economista e professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. Para quem não se lembra, o homem foi responsável por deixar Maria da Penha paraplégica ao tentar matá-la duas vezes. A história de luta da farmacêutica para punir seu agressor rendeu a importante lei que leva seu nome, e busca proteger outras milhares de mulheres de passarem por episódios de violência.
Nos stories do Instagram, Jessé compartilhou uma foto ao lado de Marco Antonio dentro de seu gabinete com a seguinte legenda: “Conhecem este senhor? Seu nome é Marco Antonio, o marido (sic) da Maria da Penha. Visitou o meu gabinete e contou sua versão sobre o caso que virou lei no Brasil. Sua história é, no mínimo, intrigante”. O deputado não deu nenhuma outra explicação a respeito do encontro, e por qual motivo ouvir a “versão” de Viveros teria qualquer relevância, principalmente diante da realidade de agressões crescentes contra mulheres no país durante a pandemia.
Os internautas reagiram com revolta à publicação. “A ‘história é intrigante’ porque mesmo depois de tudo, o cara tá passeando de boa por aí. Intrigante pela impunidade, só se for…”, reclamou Larissa Guedes. “Essa gente tem alma sebosa e um projeto muito claro de plantar dúvida e descrença sobre absolutamente cada um dos consensos construídos nos direitos humanos no último século“, avaliou Renata Gomes. “Não existe ‘outro lado’ pra esse fato. Ainda que ela estivesse na cama fazendo bacanal, não dava direito pra ele atirar NAS COSTAS e tentar eletrocutar na banheira. Nem toda historia tem dois lados pra ser ouvido. Isso é um desrespeito. Um absurdo”, afirmou Lu Miceli. “O pior de tudo que foi bem em agosto, o mês de Combate à Violência Contra a Mulher”, lembrou um rapaz.
A “história é intrigante” porque mesmo depois de tudo, o cara tá passeando de boa por aí. Intrigante pela impunidade, só se for…
— Larissa Guedes (@GS_Larissa) August 31, 2021
Essa gente tem alma sebosa e um projeto muito claro de plantar dúvida e descrença sobre absolutamente cada um dos consensos construídos nos direitos humanos no último século.
— renata gomes (@renatagames) August 31, 2021
Nao existe “outro lado ” pra esse fato.
Ainda que ela estivesse na cama fazendo bacanal nao dava Direito pra ele atirar NAS COSTA × tentar eletrocutar na banheira
Nem ts historia tem dois lados pra ser ouvido
Isso é um desrespeito
Um absurdo— lu miceli (@miceli_lu) August 31, 2021
O pior de tudo que foi bem em agosto, o mês de Combate a violência contra a mulher. Pqp!
— Rick (@waitstoknow) August 31, 2021
Sem falar que é até uma violência continuar se referindo a ele como marido dela.
— CoronaJaque (@marinices) August 31, 2021
Isso não é apenas uma provocação, é uma agressão a todas às mulheres.
— Fccojr (@fccojr) August 31, 2021
Não me espanta… pic.twitter.com/m58oNqcfot
— Madu Sousa (@Madusousas1) August 31, 2021
Com a repercussão negativa, Jessé Lopes se manifestou com deboche em sua conta no Twitter. “Os militontos estão indignadinhos com a visita do ex-esposo da Maria da Penha em meu gabinete. Os berros e xingamentos desse pessoal só me fazem acreditar que há uma ‘verdade sufocada’ por trás disso tudo. Enquanto isso, Elize Matsunaga [condenada por matar e esquartejar o marido, Marcos Kitano Matsunaga] é defendida pela trup”, publicou. Acontece que nem mesmo os seguidores do deputado concordaram com o encontro, e não pouparam críticas. Em resposta, o parlamentar decidiu deletar o tuíte e apenas manter a foto em seus stories.
A história de Maria da Penha
Maria e Marco Antonio se casaram nos anos 1970, e após o colombiano garantir sua cidadania brasileira e consolidar a carreira profissional, ele se tornou agressivo com a esposa e suas três filhas. Em 1983, a farmacêutica foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte do marido. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. Como resultado dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis. Para as autoridades, ele contou que se tratava de uma tentativa de assalto na casa, versão desmentida pela polícia.
Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho. Com a ajuda de familiares, amigos e apoio jurídico, ela finalmente conseguiu sair da residência sem configurar “abandono de lar”, e consequentemente perder a guarda das filhas.
Daí em diante, Maria da Penha iniciou uma intensa batalha para que a Justiça fosse feita, e seu caso começou a ganhar repercussão nacional e internacional. O primeiro julgamento do colombiano aconteceu em 1991 — oito anos após a agressão —, e ele foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas recursos solicitados pela defesa fizeram com que ele saísse do fórum em liberdade. Em 1996, um novo julgamento o condenou a 10 anos e 6 meses de prisão. Contudo, sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida.
Por diversas vezes, o Estado brasileiro permaneceu omisso ao caso, e em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) responsabilizou o país por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Mais do que um caso isolado, a falta de punição contra Marco Antonio demonstrava que o país não protegia as vítimas desse tipo de violência.
Em 2006, uma série de ONGs feministas começaram a se movimentar sobre a necessidade de criar uma lei que olhasse para esses casos com atenção especial ao fato da violência acontecer em razão do gênero de suas vítimas, e a impunidade constante de agressores. Após muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. Em 2006, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei N.11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha.