As investigações do esquema de rachadinha envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) tiveram um importante desdobramento nesta segunda-feira (9). Uma matéria investigativa do portal Uol descobriu que Fabrício Queiroz, ex-assessor do filho do presidente do país, pagou com dinheiro de caixa 2 pelo menos quatro cabos eleitorais da campanha do político para o Senado em 2018.
O portal teve acesso a todos os dados levantados pela Justiça do Rio de Janeiro com a quebra de sigilo bancário de Queiroz, que segue cumprindo prisão domiciliar desde o mês de junho. A apuração da matéria identificou que os cabos eleitorais que receberam os depósitos realmente trabalharam para Flávio. Isso ficou claro em diversos conteúdos produzidos por eles na época, como entrevistas gravadas, textos e vídeos divulgados nas redes sociais. Ao todo, foram 15 transferências feitas pelo PM aposentado, no total de R$ 12 mil.
Todas essas transações aconteceram entre os dias 3 de setembro e 8 de outubro de 2018, período de campanha eleitoral até o dia seguinte ao primeiro turno. Acontece que nenhum desses pagamentos foi declarado para a Justiça Eleitoral — o Uol verificou as receitas, a forma de doação de Queiroz para a campanha e todo os gastos. Segundo a legislação eleitoral e especialistas ouvidos pelo portal, tal atitude configura em caixa 2.
“Isso é claramente caixa 2. Um exemplo típico de caixa 2, em que tudo veio por fora. O dinheiro saiu de algum lugar por fora da campanha. E entrou na campanha por fora”, explicou Daniel Falcão, advogado e professor de direito eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público. “Fica evidente que Queiroz era o operador principal de recursos não contabilizados de um esquema criminoso que visava sabotar a democracia”, completou Roberto Livianu, procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
Também no período da campanha de 2018, o PM aposentado fez um saque incomum no valor total de R$ 63,8 mil reais, sendo 11 saques de R$ 5 mil cada e outros de menor valor. Ainda não há evidências de como a quantia foi utilizada. A origem do dinheiro foi a conta pessoal de Fabrício Queiroz, a mesma na qual ele recebeu pagamentos de assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha — repartição ilegal de salários de funcionários do gabinete do senador na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Na última quinta-feira (4), o Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz e outras 15 pessoas pela prática dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita, entre os anos de 2007 e 2018. A prática criminosa é bem evidente… Durante o período eleitoral, o PM aposentado recebeu R$ 49 mil de cinco assessores, segundo dados do próprio MP-RJ. A campanha de Flávio ao Senado recebeu, oficialmente, R$ 712 mil e contratou R$ 491 mil em despesas.
A investigação constatou que, do valor total arrecadado pelas rachadinhas, Queiroz utilizou R$ 261 mil para pagar as despesas do filho de Jair Bolsonaro, como contas do plano de saúde e mensalidades da escola das filhas. A matéria publicada pelo Uol concluiu que os dados encontrados na quebra de sigilo bancário de Queiroz apontam que esses pagamentos para cabos eleitorais são o primeiro indício de que o mandato de Flávio no Senado foi obtido com ajuda de caixa 2.
O portal entrou em contato com Flávio Bolsonaro para falar sobre todos esses levantamentos, e ele respondeu por meio de uma nota enviada pela sua assessoria. “Todos os pagamentos da campanha de 2018 foram registrados junto à Justiça Eleitoral e estão dentro das regras. O senador Flávio Bolsonaro desconhece qualquer tipo de pagamento que não tenha cumprido as determinações legais. Quaisquer insinuações de irregularidade na campanha são mentirosas, não passam de ilações mal-intencionadas”, defendeu o político.
O advogado de Fabricio Queiroz, Paulo Emilio Catta Preta, também foi procurado. Porém, ele não deu nenhuma resposta, já que não conseguiu entrar em contato com seu cliente na prisão domiciliar. “Somente poderei tratar desses temas na minha próxima visita pessoal”, falou.
Mas quem são essas pessoas que faziam parte do cabo eleitoral e receberam o dinheiro? O Uol conferiu que os depósitos feitos por Queiroz caíram nas contas bancárias de Edianne de Abreu, Gaby Damasceno, Larissa Dantas e Jack Souza. Os nomes delas não aparecem na prestação de contas enviadas pela campanha de Flávio Bolsonaro à Justiça Eleitoral, no entanto, a atuação delas na campanha do político está registrada constantemente nas redes sociais, inclusive pedindo votos para Jair Bolsonaro também.
Gaby Damasceno conversou com o Uol e relatou a rotina exaustiva para promover Flávio Bolsonaro. “A gente era o ponto focal para bandeirar, panfletar, parar rua. Foram 45 dias de sol, chuva. Chegávamos em casa à 00h. E saíamos às 5h da manhã”, recordou. Ela disse para a equipe jornalística que “não lembrava dos depósitos” feitos por Queiroz, mas que ele era “era um grande amigo para todos”. Edianne desligou o telefone na cara da reportagem. Já Larissa não respondeu. O contato com Jack pelas redes sociais não teve resultado.
Queiroz ainda fez cinco depósitos para Bruna Godinho, quatro deles tinham a anotação “Deco” ou “Dco”. Este é o apelido de André Machado, marido de Bruna. Por telefone, ela comentou sobre os depósitos: “É o Fabrício que trabalha com o Flávio Bolsonaro? Meu esposo trabalhou fazendo campanha para ele [Flávio]. Distribuía panfleto, aquelas coisas todas”. Já André não respondeu à reportagem.