A polícia já concluiu a segunda fase de investigações sobre o assassinato do pastor Anderson do Carmo, mas o destino dele e da esposa, Flordelis, na noite do crime ainda continua cercado de mistérios. A deputada federal afirmou que estava no bairro de Copacabana, mas os investigadores acreditam que ela tenha mentido em seu depoimento. A maior suspeita neste momento é de que os dois tenham ido a uma casa de swing, onde há troca de casais, no Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro.
O jornal ‘Extra’ obteve acesso a um relatório da Delegacia de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo do dia 1º de julho, produzido a pedido do Ministério Público estadual, no qual a polícia investiga o trajeto feito pelo carro do casal e aponta a proximidade da boate com o último ponto por onde eles passaram. A distância seria de apenas 500 metros.
Em seus depoimentos à polícia, Flordelis declarou que não sabia o nome do local onde esteve com o marido em Copacabana e relatou apenas que eles comeram petiscos, sem conseguir também apontar a localização exata de onde estiveram. Além da resposta vaga da parlamentar, os registros da CET-Rio (Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro) apontaram que o carro do casal não esteve em Copacabana.
O último dado da companhia mostra que o veículo passou justamente por um radar no bairro do Humaitá, vizinho a Botafogo. Baseados nisso, os investigadores concluíram que Flordelis não quisesse revelar o verdadeiro local onde esteve com o marido. Eles ainda levaram em conta o depoimento de uma testemunha que afirmou que o casal tinha o costume de frequentar uma casa de swing.
Em um depoimento prestado em setembro do ano passado, uma empresária, de 32 anos, declarou que soube da informação em 2007, quando levou sua supervisora a um culto no Ministério Flordelis. Ela relatou à polícia que sua amiga ficou surpresa ao ver a pastora e comentou que Flordelis frequentava a mesma casa de swing que ela, que teria um número como nome.
A supervisora, então, contou que a pastora “tinha até um quarto exclusivo lá e que isso era muito caro”. Ela acrescentou que além de Flordelis e Anderson, Simone (filha biológica da deputada e ex-namorada do pastor) e o marido dela, André, que era diácono na época, também frequentavam o local. Não só isso, ela afirmou que havia os encontrado no sábado anterior e, na ocasião, a parlamentar estava “extremamente bêbada”.
A fiel relatou que, em um primeiro momento, chegou a desconfiar da versão de sua amiga, mas que passou a ter certeza da história após conversar com Anderson e Simone. Ela disse que fingiu ter visto a família na Barra da Tijuca, mas o pastor negou que tivesse estado no bairro. No entanto, ao questionar Simone, ela confirmou a ida da família ao bairro e também a roupa que Flordelis usava, conforme descrito pela supervisora.
Um gerente da boate de Botafogo prestou depoimento na DHNISG em junho deste ano, mas negou reconhecer o casal como frequentador do local. O relato, no entanto, não fez com que os investigadores descartassem a hipótese, já que é comum que estabelecimentos do gênero não reconheçam clientes por respeito à privacidade. Após o depoimento, não foram colhidos novos relatos e, como sabemos, o inquérito foi encerrado. A polícia não confirmou a suspeita e nem descartou.
Em sua última conversa com a polícia, em maio deste ano, Flordelis voltou a afirmar que tinha ido com o marido em Copacabana. Ela teria falado aos filhos que os dois iriam sair para comemorar o dia dos namorados. De acordo com a pastora, após comerem petiscos, eles foram para um local afastado, onde “namoraram” dentro e fora do carro. Eles saíram de casa pouco depois de meia-noite de 16 de junho e retornaram por volta das 3h15, pouco antes de Anderson ser assassinado.
Entenda o Caso
Um ano e dois meses após a morte do pastor Anderson do Carmo, as investigações concluíram que a viúva dele, a deputada federal Flordelis, foi a mandante do assassinato. Nesta segunda-feira (24), equipes da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSGI) e do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro cumpriram 11 mandados de prisão e outros de busca e apreensão contra a deputada, filhos e neta do casal e outros familiares.
Como tem foro privilegiado, a parlamentar não será presa agora, mas outras pessoas já foram levadas pela polícia: Marzy Teixeira da Silva, filha adotiva do casal, Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica, André Luiz de Oliveira, filho adotivo, Carlos Ubiraci Francisco Silva, filho adotivo, Adriano dos Santos, filho biológico, Rayane dos Santos Oliveira, neta, o ex-PM Marcos Siqueira e a esposa dele, Andreia Santos Maia.
“Ela foi surpreendida com a nossa chegada. Chorou um pouco. Tem muita gente dentro da casa. O importante é que as prisões foram cumpridas e a investigação chegou ao fim hoje”, descreveu o delegado Antônio Ricardo Lima Nunes, chefe do Departamento de Homicídios, em entrevista ao “Bom Dia Rio”. “O parlamentar tem a sua imunidade. Ele só pode ser preso em flagrante, por crime inafiançável. Então, ela responderá pelo crime, como mandante. E nós também pedimos medidas cautelares”, completou ele, ressaltando que encaminhou o caso para o Superior Tribunal de Justiça.
“A investigação chegou a esta conclusão: que ela planejou esse assassinato covarde. Motivação é porque ela estava insatisfeita com a forma que o pastor Anderson tocava a vida e fazia a movimentação financeira da família”, explicou o delegado. Além dela e dos familiares já mencionados, a primeira fase da investigação identificou Flávio dos Santos Rodrigues, filho biológico da deputada, como executor do crime, e Lucas César dos Santos, filho adotivo do casal, como a pessoa que comprou a arma utilizada no assassinato. Os dois já estão presos.
“Chegamos a 11 pessoas que serão responsabilizadas criminalmente por esse crime. Crime bárbaro, crime covarde. E hoje conseguimos finalizar essa investigação”, apontou Antônio Ricardo. “Todos eles têm uma participação que ficou comprovada no decorrer da investigação. Com todas as buscas que foram feitas, os depoimentos e as contradições chegamos a essa conclusão. Temos 11 pessoas respondendo criminalmente, levando em conta que a família são 55 (pessoas), nós temos 20% respondendo por esse crime”, declarou ele.
Anderson do Carmo de Souza foi assassinato no dia 16 de junho de 2019. De acordo com o depoimento prestado pela pastora na época, ela voltava de uma confraternização com o marido quando percebeu que o veículo estava sendo perseguido por duas motos. Quando já haviam chegado em casa, o pastor disse que voltaria para buscar algo que havia esquecido no carro.
Momentos depois, ela teria ouvido tiros e encontrado Anderson ferido na garagem. Ele chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu aos ferimentos causados por mais de 30 tiros. Em um primeiro momento, a morte pareceu um caso de latrocínio, quando há homicídio com objetivo de roubo. No entanto, de acordo com a investigação, tudo não teria passado de uma simulação planejada pela deputada do PSD.
Segundo a denúncia, Flordelis planejou o homicídio e foi responsável por arregimentar e convencer o executor direto e demais acusados a participarem do crime. A parlamentar também financiou a compra da arma e avisou da chegada da vítima no local em que foi executada. Ela foi indiciada pelo crime de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, falsidade ideológica, uso de documento falso e organização criminosa majorada.
A DHNSGI (Divisão de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo) vai encaminhar à Câmara dos Deputados Federal uma cópia do inquérito com resultado da investigação para adoção de medidas administrativas cabíveis. Apesar da imunidade parlamentar, o procedimento poderá levar ao afastamento da parlamentar para que ela responda pelo crime na prisão.
Em relação aos demais denunciados, as investigações apuradas pelo ‘UOL’, descrevem as ações deles em diferentes etapas, incluindo planejamento, incentivo e convencimento para a execução do crime. Além disso, eles estão envolvidos em tentativas de homicídio anteriores ao fato consumado, através da administração de veneno na comida e bebida da vítima ao menos seis vezes, sem sucesso.
Todos ainda são acusados de usar documento falso por tentarem, através de uma carta redigida por Lucas, atribuir a autoria e ordem para o assassinato a outras pessoas diversas. Nesse documento, o executor do crime, Flávio, e Flordelis tinham por objetivo se livrar da responsabilização do crime, ao mesmo tempo em que se vingariam de dois filhos adotivos da deputada que não teriam aceitado as ordens de se calar ou faltar com a verdade nos depoimentos. Os réus responderão também por associação criminosa.
PSD suspende Flordelis e vai adotar medidas para expulsar deputada
Os novos desdobramentos do caso tiveram impacto sério na carreira política de Flordelis. Na tarde de hoje (24), o Partido Social Democrático anunciou que decidiu suspender a filiação da deputada federal e que ainda pretende tomar medidas para expulsá-la do partido. Em nota, o presidente da sigla, Gilberto Kassab, afirmou que defende o andamento do processo após a cantora gospel ter se tornado réu.
“O PSD esclarece que desde o início acompanhou o caso citado e defendeu o andamento e aprofundamentos das investigações. Diante do indiciamento da parlamentar, o corpo jurídico do partido adotará as medidas para a suspensão imediata de sua filiação e, a partir dos desdobramentos perante a Justiça, serão adotadas as medidas estatutárias para a expulsão da parlamentar dos seus quadros”, informou Kassab.
Segundo reportagem do “Jornal Hoje”, a Delegacia de Homicídios encaminhou uma cópia do inquérito à Câmara dos Deputados, para que a Comissão de Ética avalie a possibilidade de uma cassação do mandato de Flordelis. Por conta da chamada imunidade parlamentar, a deputada só poderá ser presa caso perca seu mandato, ou se for condenada em última instância.
Defesa de Flordelis se manifesta
Na delegacia, o advogado Anderson Rollemberg disse a jornalistas que Flordelis não tinha ingerência sobre o dinheiro da família, e acredita que há um “equivoco” na história. “Ela é cantora gospel, líder religiosa e parlamentar federal. A questão dela sempre foi dar o melhor para os necessitados. Por isso tinha mais de 50 filhos. Na opinião da defesa, está havendo um grande equívoco no desfecho desta investigação”, alegou a defesa da deputada.
Rollemberg também se disse surpreso com a decisão da polícia de prender denunciados. “A defesa foi surpreendida com essas prisões preventivas das cinco filhas da deputada e da neta. Tomaremos conhecimento do que há de indícios para que essas prisões fossem feitas e para o indiciamento da deputada, já que na primeira fase da investigação, passou longe de qualquer prova que a apontasse como mandante”, disse ele.