Nesta quinta-feira (1º), a mãe do menino negro que teve a foto do rosto usada sem autorização para tatuar a pele de um desconhecido, durante a convenção de tatuagem “Tattoo Week”, em São Paulo, afirmou que está em busca da pessoa tatuada para que pedir a remoção da imagem.
Até agora não me disseram quem é. Não disseram nada. Não sei quem é ainda e é surreal isso. Ele pode tatuar a cara do meu filho, mas eu não posso saber quem é? É importante saber a identidade para que a gente possa conversar. Quero que ele remova a imagem, cubra ela. Mas não posso aceitar que uma pessoa desconhecida fique com a cara do meu filho na pele“, afirmou Daniele de Oliveira Cantanhede, também conhecida como Preta Lagbara, em entrevista ao portal g1.
O caso ganhou repercussão no início desta semana, após Lagbara e o fotógrafo Ronald Santos Cruz denunciarem o tatuador Neto Coutinho nas redes sociais. Em outubro deste ano, o profissional ganhou dois prêmios durante a convenção de tatuagem, um deles a partir da tatuagem com a foto do rosto da criança. O uso da imagem, no entanto, não teve autorização dos pais de Ayo e nem do fotógrafo.
Na denúncia, Preta disse que, no fim do mês passado, um internauta a marcou na postagem do tatuador, na qual ele comemorava o segundo lugar na premiação do “Tattoo Week”. “Eu fiquei muito assustada. Ele não teve cuidado de saber sobre meu filho. Uma mãe nem ser consultada para saber se podia tatuar na pele de uma pessoa a foto do filho dela? Não existe isso. É um absurdo. Imediatamente entrei em contato com o tatuador. Comentei na foto que ele publicou e pedi contato. Mas ele não me respondeu por um bom tempo“, relatou.
A mãe, então, contou que pediu ajuda ao fotógrafo Ronald Santos Cruz, autor da imagem do filho, feita neste ano com a autorização dela. “Eu pedi ajuda para ele compartilhar o caso, porque estava sem resposta. Ele compartilhou, achou um absurdo também, e aí repercutiu muito. Com a repercussão, o tatuador veio me procurar falando que achou a foto no Pinterest [rede social de compartilhamento de fotos], achou bonita e a tatuou durante o evento“, disse.
Daniele ainda salientou que o nome do fotógrafo estava disponibilizado no Pinterest: “Na rede social tem o nome do fotógrafo. Ele podia ter entrado em contato com ele. E a pessoa que tatuou, o tatuador disse que nem conhece. Como que alguém tatua a imagem do meu filho sem saber quem é ele? Isso é desumanizar demais a criança. Meu filho foi parido por alguém. Ele não é filho de ninguém, filho de chocadeira. Ele tem mãe, pai, tem família“. Assista:
O #Estúdioi entrevista Daniele de Oliveira Cantanhede, conhecida como Preta Lagbara, mãe de Ayo. Um tatuador usou uma foto do menino sem autorização; mãe pede remoção do desenho.
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Agora, Preta já procurou um advogado para a apoiar no caso e disse que vai entrar com uma ação contra o uso da imagem do filho. “Eu acho surreal alguém pegar foto do meu filho, seja em contexto que for, e tatuar em uma pessoa que sequer conhece ele. Então, dane-se se foi uma arte. Meu filho não é para ser comercializado, tatuado em corpos. Isso não tem possibilidade de ser aceito por mim. É um absurdo. Vou até o final. Não concordei, não achei bonito“, desabafou.
Lagbara ainda acrescentou que não vai aceitar essa reprodução da imagem do filho, Ayo: “Não tem possibilidade de aceitar esse tipo de coisa. Nossos meninos não são públicos, têm família. Não são filhos de chocadeira. Vocês cansam de ver por aí tirar fotos de crianças em comunidades na África sem autorização da família. Está na hora de acabar“. Confira:
“Por que meu filho tinha que ser tatuado no corpo de um homem estranho?”, questiona Preta Lagbara sobre tatuador que usou foto do seu filho sem autorização.
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Opinião do advogado
Djeff Amadeus é o advogado de Preta Lagbara e também diretor do Instituto de Defesa da População Negra. Para ele, o desconhecido que tem a tatuagem na pele deve se manifestar e remover o desenho do corpo: “Se a pessoa branca que recebeu a tatuagem não se oferecer para fazer a retirada, isso configurará que ela é uma racista assumida que entende ser proprietária dos corpos negros, tal como nos tempos da escravidão“.
“Esperamos que ela atue como uma pessoa branca antirracista e faça a remoção, dando, inclusive, um exemplo ao Brasil. Caso contrário, esse debate continuará em todo Brasil e, claro, no Judiciário, tendo ele, tatuado, como alvo, inclusive também em termos indenizatórios. Afinal, o que ele quer ao manter a violação? Assumir-se como ‘proprietário dos corpos negros’?“, continuou Djeff.
O advogado finalizou o depoimento pedindo apoio dos movimentos negros e antirracistas: “Convocaremos os movimentos negros a serem amicus curiae [amigos da corte] nessa ação, se necessário, pois é um debate nacional sobre antirracismo. Por que se preocupam com a autorização dos responsáveis das crianças brancas, mas não se preocupam com a autorização dos responsáveis das crianças negras?“.
O que diz o tatuador
Após a repercussão do caso, o tatuador Neto Coutinho admitiu o erro e pediu desculpas para a família, para a criança e para o fotógrafo. No depoimento, ele também garantiu que quer resolver a situação de forma pacífica, segundo seu advogado de defesa, Gabriel Rodrigues.
Nesta quinta-feira (1º), a defesa de Neto afirmou, ainda, que não iria divulgar detalhes sobre quem é a pessoa tatuada e que trataria do assunto apenas com os envolvidos no caso. “Vamos enfocar nossas ações, estritamente, na resolução privada do conflito, através das negociações em andamento“, disse Rodrigues.
O advogado também disse que o tatuador não teve má-fé e pediu desculpas para a família. “Vamos tentar fazer um acordo e resolver a questão de forma pacífica. Estamos em tratativas, e existe esse diálogo já. Ele nunca pretendeu prejudicar ninguém. Realmente, tem toda uma questão artística e vamos tentar dialogar. Caso não se resolva no diálogo, vamos responder ao processo que poderá ser aberto“, garantiu. Confira a íntegra:
Ao g1, a organização que premiou a tatuagem com o rosto de Ayo em segundo lugar afirmou que o critério da premiação foi “estritamente técnico e artístico, julgado por uma comissão de conceituados tatuadores“. O comunicado defendeu também que não houve entrega de prêmio em dinheiro. E enfatizou que tanto a pessoa que recebeu a tatuagem quanto a arte feita é de inteira responsabilidade do próprio tatuador.
O que diz o fotógrafo
Em seu perfil no Instagram, Ronald Santos Cruz ressaltou que não foi procurado pelo tatuador para pedir autorização sobre o uso da fotografia. “Como um cara branco deixa um tatuador tatuar uma imagem de uma criança negra que nunca viu na sua vida em seu corpo? Eu sou um cara que sempre fotografo muitas crianças e, uma hora ou outra, sempre chega um artista que pergunta se pode usar meu trabalho como referência. Eu sempre digo que vou ver com os pais quando não tem fins lucrativos. Mas essa tatuagem foi tão perversa, sem explicação“, afirmou.
“Segundo o tatuador, ele achou a foto no Pinterest e achou que fosse pública, e resolveu tatuar a criança num corpo branco. A gente está em 2022 e, se voltarmos lá atrás, vemos que muita coisa não mudou. Como se nossos corpos, nossos rostos, não tivessem donos. E olhar o caso como esse é do mínimo absurdo. Primeiro, tem os direitos autorais de pegar a foto. Segundo, é a imagem de uma criança. Terceiro, participa de um prêmio com a foto de uma criança que achou bonito e vai lá tatua. É sem lógica“, acrescentou.
O fotógrafo finalizou afirmando que está com apoio jurídico e avaliando a melhor opção para tratar o caso: “No mínimo curioso porque é sem noção. Caso inédito de ter foto virar tatuagem sem permissão“. Ronald tem mais de 92 mil seguidores no Instagram e retrata pessoas negras no Brasil. Em 2019, o fotógrafo chegou a ser selecionado para expor pelo Centro Europeu. Em 2020, também ficou entre os 100 melhores fotógrafos do mundo na modalidade retrato masculino, por um Concurso Internacional da empresa russa 35awards. Veja: