Hugo Gloss

Homem sequestrado duas vezes em 1986, aos 6 anos, revela como reportagem do “Fantástico” o ajudou a reencontrar a família

Foto: Reprodução/TV Globo

Marcelo Mussi ficou conhecido no Brasil em 1986, após protagonizar uma reportagem do “Fantástico“. Na época, a repórter Glória Maria visitou Ponta Negra, em Maricá (RJ), para revelar como Marcelinho – então com 6 anos – estava na cidade há 8 meses, “perdido” e sabendo somente o primeiro nome da mãe. Entretanto, a história ia muito mais além.

Como revelado ao UOL, Mussi foi sequestrado na infância e hoje, 45 anos após o ocorrido, revelou detalhes do que passou, antes de reencontrar os familiares graças à ajuda de estranhos e a reportagem da TV Globo.

Nascido em Curitiba, ele lembra que a mãe, conhecida como “dona Diva” – era filha de uma paranaense com um imigrante sírio, Dibe Mussi, e foi convencida pelo namorado a se mudar do Paraná. Com os pais já falecidos e mãe solo aos 30 anos, a mulher optou por seguir o parceiro e levou junto consigo o filho de cinco anos.

Marcelo e a mãe, Diva. (Foto: Arquivo Pessoal)

Entretanto, ao chegarem ao Norte do país, Diva e Marcelinho foram abandonados pelo tal namorado. “Eram os dois, eu e duas filhas dele, mas o namorado da minha mãe nos largou em Rondônia, sumiu”, contou o homem.

Sem uma rede de apoio, Diva passou a trabalhar em uma olaria. “Lembro de umas folhas em forma de coração que minha mãe fazia refogadas, porque a gente não tinha muito o que comer, ficamos largados por lá. Foi quando apareceu o primeiro sequestrador”, recordou.

Marcelinho costumava acompanhá-la nos dias de trabalho e, segundo ele, a suspeita é de que o primeiro sequestrador teria acompanhado a rotina dos dois. “Acho que ele conhecia a gente, porque lembro que estava com minha mãe e ele falou: ‘Vou levar teu filho para uma chácara ali para comer laranja, depois a gente volta’. Mas a gente caiu no mundo”, contou.

Junto com uma outra criança, uma menina ainda mais nova que ele, Marcelinho e o sequestrador deixaram Rondônia. No meio da viagem, a menina “desapareceu”, e, até hoje, Marcelo nunca descobriu seu paradeiro.

Mas, ao chegarem em uma estação de trem, outro desconhecido se ofereceu para “criar” Marcelo. “Tinha bastante gente que, acho, tinha bebido. Estavam todos largados ali. Veio um senhor e falou: ‘Vamos comigo? Vou te levar para minha família, tenho três filhos’. E acho que pensei: ‘Já estou preso por aqui mesmo, vou junto’. Realmente achei que ele tinha família, que ia me tirar daquilo ali”, lembrou Marcelo.

O segundo sequestrador tinha até mesmo uma a certidão de nascimento para identificar a criança. “Ele me apresentava como filho. É uma coisa inimaginável, falsificou nome e tudo. Não sei onde arrumou dinheiro para aquilo ou se ele já tinha a certidão e depois só usou para mim”, detalhou.

Os dois chegaram ao Espírito Santo após diversas caronas em caminhões, carros e longos trechos de caminhada. “Calculo que andei uns 3 mil quilômetros”, contou Marcelo. Lá, eles trabalharam em lavouras de café e, durante a noite, Mussi dormia ao lado do sequestrador em alojamentos das fazendas.

Marcelo tinha 6 anos quando foi sequestrado. (Foto: Arquivo Pessoal)

Tempos depois, a dupla seguiu para o Rio de Janeiro. Mussi recorda que a prioridade era conseguir comida. “Conseguimos uma lata de dezoito litros de tinta, lavamos bem, e fomos à feira para pegar legumes e verduras que caíam no chão. Para fazer um sopão, a gente ‘catou’ também mariscos na pedra. Lembro que era Ano Novo por causa das velas, do champanhe e das oferendas para Iemanjá”, narrou o homem.

Por fim, a criança e o sequestrador alcançaram Ponta Negra, em Maricá, onde viviam embaixo de uma caixa d’água. Acostumado a pedir ajuda aos moradores da região, o menino chamou a atenção dos vizinhos: “Eu sempre ia à casa da dona Elza pedindo alguma coisa para comer, brincar com a filha dela, até que chegou uma época em que eles arrumaram um lugar para a gente morar, atrás de uma igrejinha”.

Certo dia, com o sequestrador bêbado e em um sono profundo, Marcelinho foi até a casa de Elza. Foi neste dia que ele deu o primeiro passo para voltar para seus familiares. “Ela resolveu conversar comigo, me deu banho, e eu acabei contando para ela que ele não era meu pai. Então, ela falou: ‘Daqui você não vai mais sair’. O homem até foi atrás de mim, mas ela falou que ia denunciar e ele sumiu no mundo”, disse ele.

Após alguns dias na casa da vizinha, ele se mudou com dona Juracy, uma moradora que queria adotá-lo. Marcelinho foi matriculado em uma escola e “ganhou” três irmãs, mas antes de dar início ao processo de adoção, as vizinhas decidiram procurar a família biológica do menino.

Para isso, Juracy optou por uma tática inusitada e entrou em contato com a TV Globo: “Ela me falou que ficou três meses ligando quase todo dia para o ‘Fantástico’, falando de mim. Não sei se encheram tanto o saco que eles disseram: ‘Não aguento mais, vamos fazer uma reportagem para a criança’ e a Glória Maria apareceu lá”.

A emissora carioca enviou Glória Maria para Ponta Negra. A repórter andou pelas ruas do local, narrando o “mistério” de Marcelinho, que estava “perdido” há 8 meses na região, sem saber muito sobre suas origens. O programa foi ao ar em 12 de outubro de 1986 e foi visto pelo tio do garoto, Jorge.

Ele auxiliou Diva, que não tinha TV em casa, a entrar em contato com a emissora para o reencontro – um ano depois do sequestro. “Foi uma coisa muito louca, porque a Glória Maria é muito especial. Desde que ela chegou lá, me tratou muito bem. O ursinho que aparece na filmagem do reencontro [de Marcelinho com a mãe] eu tenho até hoje”, admitiu Marcelo.

Readaptação

O retorno para o convívio com os familiares biológicos não foi dos mais fáceis. Marcelo disse que conseguiu lidar melhor com a presença da tia, do que com a da própria mãe devido a alguns “bloqueios”.

Ele acabou saindo da casa de Diva mais de uma vez nos anos que sucederam o sequestro. “Vou ser sincero: eu estranhei. Fui morar com outra família de novo depois. Surgiu a oportunidade de ir a Santa Catarina e minha mãe autorizou, no início dos anos 1990. Morei lá por uns quatro meses, até que minha tia falou para voltar, fiquei entre minha casa e a casa dos meus tios”, desabafou.

Marcelo e a mãe, dona Diva. (Foto: Arquivo Pessoal)

A situação, entretanto, deixou suas marcas. “Lembro que em 2005 consegui uma fita da Rede Globo com a matéria. Quando ela chegou em casa, a gente foi ver e fiz algumas perguntas, mas não tive resposta. A gente estava junto, mas parecia que tinha uma barreira. Eu consegui, acho, me libertar um pouco disso, mas é complicado, porque minha mãe sofreu muito. Não posso culpá-la, ela achou que eu tinha morrido”, admitiu Mussi.

Marcelo perdeu a mãe em 2009, logo após entrar na faculdade. Diva foi atingida por um carro enquanto andava de bicicleta. O tio e a tia maternos, com os quais era mais próximo, também já faleceram. Ao longo dos anos, ele recuperou o contato com a família paterna com a ajuda da mãe, mas os laços não são fortes. Ele tem uma filha de seis anos, de quem tem a guarda definitiva e unilateral.

Atualmente, ele trabalha em uma cervejaria no Paraná e tem como família seus amigos, que o incentivaram a compartilha sua história na internet. “Sangrei, chorei, mas tive sorte de encontrar anjos pelo caminho”, escreveu Marcelo, ao relembrar o caso no TikTok. Assista abaixo:

@marcelomussifantastico Ontem fiquei sabendo que viralizei aqui no TikTok.Primeiro quero agradecer o carinho de todos, criei esse perfil para contar melhor a minha história e também falar um pouco mais sobre mim. Me sigam, curtam e compartilhem, em breve farei mais videos para vocês! #Marcelomussi #viral ♬ som original – Marcelo Mussi
@marcelomussifantastico A história de Marcelo Mussi, a minha história parte 2! #Marcelomussi #viral #marcelomussiparte2 ♬ som original – Marcelo Mussi
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